Topo

'Fiz vigília na casa da suspeita até que achassem o corpo da minha filha'

Renata Miguel da Silva, de 15 anos, com a mãe Angelita Imagem: Arquivo Pessoal

Simone Machado

Colaboração para Universa, em São José do Rio Preto (SP)

04/09/2023 04h00Atualizada em 04/09/2023 15h31

Angelita Miguel da Silva, de 45 anos, nunca imaginou que deixar a filha Renata Miguel da Silva, de 15 anos, ir sozinha a um salão de beleza no bairro em que morava em Mauá, na Grande São Paulo, resultaria na morte da adolescente.

Renata não voltou para casa e em ligação, no dia do seu desaparecimento, conseguiu dizer para a mãe que havia sido levada para um lugar que ela não conhecia. Porém, enquanto falava com a mãe, a suspeita do crime pegou o celular da adolescente e desligou o aparelho.

De acordo com o processo, Renata foi aliciada pelos donos do salão de beleza e teria sido obrigada a consumir drogas. Ela morreu de overdose, segundo laudo do IML (Instituto Médico Legal), e seu corpo foi encontrado na casa dos acusados quatro dias após o seu desaparecimento.

Mesmo perdendo sua filha mais velha, Angelita afirma que perdoou os acusados, em uma tentativa de seguir a vida. Roseane Carla dos Santos Silva e José Nilson da Costa, foram a júri popular em 2019 e condenados a 16 anos de prisão.

Prestes a completar 10 anos da morte de Renata, a mãe contou a Universa como foi o crime e como está lidando com a perda da filha.

"Não vi perigo em ela ir sozinha ao salão"

"Era dia 1º de novembro de 2013, uma sexta-feira. Naquela tarde, a Renata me pediu para ir ao salão de beleza fazer luzes no cabelo já que no dia seguinte tínhamos um evento da igreja e depois ela iria em uma festa de halloween com os amigos.

Como o salão era perto do apartamento em que a gente morava, em Mauá (SP), eu deixei ela ir sem medo.

Fazia pouco tempo que tínhamos conquistado o sonho de comprar o nosso apartamento e nos mudado para o bairro. A Renata estava muito feliz porque tinha ganhado um quarto só para ela.

Eu não conhecia o salão e nem os proprietários. Mas Renata já havia ido ao local três meses antes cortar o cabelo.

Ela conheceu o salão por indicação de uma amiga da escola. Na primeira vez que ela foi até ao estabelecimento foi tudo bem, ela voltou muito rápido de lá.

Naquele dia, para mim, seria mais um dia normal. Como eu estaria trabalhando naquela tarde, pedi para Renata levar o irmão mais novo junto ao salão e assim ela fez.

Enquanto ela fazia o procedimento no cabelo, ela me mandou várias mensagens no celular, empolgada, dizendo que a dona do salão havia oferecido um trabalho para ela. Seria para a Renata trabalhar de manicure no salão e, assim, ganhar o seu próprio dinheiro. A minha filha sabia fazer unha muito bem.

Na hora eu falei que não, porque ela tinha que focar nos estudos e disse que quando chegássemos em casa a gente conversaria melhor. Nesse dia passei muito mal no trabalho, tive crises de enxaqueca e precisei ir ao hospital. Por isso cheguei em casa por volta das 19h, mais tarde do que o normal.

A Renata ainda não havia terminado de fazer as luzes no cabelo e estava no salão com o irmão. Logo ela veio para casa trazer meu filho e disse que voltaria para o salão para terminar o procedimento.

Combinei que assim que ela terminasse, me mandasse mensagem que eu a buscaria. Antes de sair de casa, ela ainda me abraçou e me deu um beijo.

Ficamos nos falando pelo celular e depois de um tempo ela me ligou dizendo que a cabeleireira e o marido haviam a levado para um lugar e ela não sabia onde estava.

Naquele momento, a Roseane pegou o celular da minha filha e disse para eu ficar tranquila que ela já iria levar a Renata para casa. Ela desligou a ligação e o aparelho celular. Foi a última vez que falei com a minha filha.

Fiquei agoniada com aquela ligação. Esperei meu marido chegar do trabalho e começamos a procurar a Renata pelo bairro, mas não a encontramos.

Fui à delegacia para registrar o desaparecimento da Renata, mas o atendente pediu para esperar as primeiras 24 horas. Disse para conversarmos com amigos para ver se alguém sabia da Renata, que ela poderia estar na casa de algum deles.

Eu sabia que minha filha não fugiria de casa ou ficaria em algum lugar sem nos avisar. A gente se falava o tempo todo pelo celular e aquela situação estava estranha demais.

Renata foi encontrada morta, em Mauá (SP), em 2013 Imagem: Arquivo Pessoal

Por ser à noite, voltamos para casa e logo na manhã seguinte voltei à delegacia para registrar o desaparecimento.

Eu já tinha achado as redes sociais da cabeleireira e do marido e havia feito cópias das fotos deles e da minha filha para entregar aos policiais. No meu coração, sentia que minha filha estava em risco e que a polícia precisava agir.

As buscas

Passei horas procurando em hospitais e até no IML (Instituto Médico Legal).

Dois dias depois do desaparecimento, após muito andar pelo bairro, mostrando a foto da Renata e dos suspeitos para os moradores, encontrei a casa onde Roseane e José Nilson moravam e fui até lá. Quando cheguei, senti que a minha filha estava ali dentro e sentia que ela estava morta. Intuição de mãe.

Eram dois imóveis, um em cima e outro embaixo. As casas não tinham ligações entre si, mas compartilhavam um mesmo corredor lateral. Parei na frente do portão e comecei a gritar.

Um homem que morava na casa de cima apareceu na janela e disse que não havia ninguém no imóvel de baixo. Se identificou como sendo o proprietário do local e disse que o casal que morava ali havia se mudado.

Eu pedi para poder entrar na casa e ver se minha filha estava lá, mas o homem não deixou.

Voltei na delegacia com o endereço dessa casa. Eu estava desesperada e queria que uma viatura fosse até o local. Mas o atendente disse que não podia, pois não havia um mandado para que os policiais entrassem no imóvel.

Passei a ficar em frente a casa dos suspeitos por medo que eles tirassem minha filha de lá. Eu e meus familiares começamos a nos revezar para ficar em frente à casa observando toda a movimentação da rua.

No dia 5, fui mais uma vez até à delegacia, dessa vez até o DHPP (Departamento Estadual de Homicídios e de Proteção à Pessoa), em São Paulo. Demorei algumas horas entre ir à delegacia para contar sobre o desaparecimento da Renata e retornar para Mauá.

No retorno, decidi passar na minha casa antes de ir mais uma vez fazer vigília em frente ao imóvel onde o casal morava. Minutos depois que chegar no apartamento, comecei a ouvir barulho de um helicóptero sobrevoando o bairro. Ali tive a certeza que haviam encontrado a minha filha.

Corri para a casa onde o casal morava e a rua já estava fechada por policiais e com muitos jornalistas. Não queriam me deixar passar, mas passei. Recebi a notícia de que o corpo da minha filha estava no imóvel.

Renata foi encontrada morta, com o corpo nu, sobre a cama do casal. A primeira informação é de que ela havia tido uma overdose pelo uso excessivo de drogas, mas eu sabia que minha filha não usava entorpecentes.

Segundo o IML, nas unhas dela foram encontrados vestígios de pele, o que indica que ela lutou com os assassinos.

O casal já havia deixado a cidade. Eles foram encontrados mais de um ano depois, no Rio de Janeiro, após uma denúncia anônima.

Uma mulher havia assistido uma entrevista que dei a um programa de TV e me ligou dizendo que os suspeitos eram seus vizinhos.

Em depoimento, eles não disseram nada sobre o crime, ficaram calados. Eles foram condenados, em júri popular, a 16 anos de prisão.

Após a morte de Renata, algumas garotas me procuraram e contaram como tudo acontecia. Segundo elas, o casal aliciava meninas para manterem relações sexuais com eles, em troca de dinheiro. Para isso eles as drogavam.

A minha dor pela perda da Renata não vai passar. Mas perdoei os assassinos da minha filha para conseguir viver novamente, tenho mais dois filhos que dependem de mim. Eu não posso viver na dor e ficar remoendo esse sentimento para não adoecer.

"Do luto à luta"

Eu engoli a minha dor e decidi lutar. Após a morte da minha filha, eu passei a estudar as leis para entender o que poderia ter sido feito e não foi. Sobre quais são os direitos das crianças e adolescentes que foram desrespeitados.

Eu queria justiça para que outras mães não passassem pelo que eu estava passando.

Hoje, faço palestra em escolas para jovens e tento mostrar para eles como é a visão de pai e mãe, fazendo alerta sobre os perigos da sociedade.

O meu maior sonho era ver minha filha casar, vê-la grávida e ter um filho, e nada disso mais é possível.

Eu não tenho mais a minha filha, mas ainda luto por ela e por uma causa. Temos um grupo de apoio às mães que perderam seus filhos, chamado Navv (Núcleo de apoio a Vítimas de Violências) onde damos o suporte que elas precisam nesse momento de tanta dor."

Pedido de habeas corpus

No mês passado, a defesa da Roseane Carla dos Santos Silva entrou no Superior Tribunal de Justiça com um pedido de habeas corpus para que a mulher possa deixar a cadeia, alegando que foram encontradas "diversas irregularidades no processo".

"Está claro que a Roseane Carla não teve nenhuma intenção e não colaborou de nenhuma forma com a morte da Renata. A única intenção da Roseane e a Renata se foi reunir para consumir drogas. Assim, a Roseane estava correndo um grande risco de ir a óbito também devido à grande quantidade de drogas que consumiu", diz o advogado Danilo Alves Silva Junior.

A reportagem também procurou a Defensoria Pública do estado de São Paulo, responsável pela defesa de José Nilson da Costa, porém o órgão não se manifestou. O espaço permanece aberto para resposta.

Repercussão na mídia

O caso de Renata Miguel da Silva, de 15 anos, foi amplamente divulgado pela mídia. Jornais cobriram o caso na época, como mostra essa reportagem do Brasil Urgente.

Comunicar erro

Comunique à Redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:

'Fiz vigília na casa da suspeita até que achassem o corpo da minha filha' - UOL

Obs: Link e título da página são enviados automaticamente ao UOL

Ao prosseguir você concorda com nossa Política de Privacidade


Minha história