'Novela ainda é a formadora de valores no país', diz atriz de 'Vai na Fé'
Dois trabalhos de destaque apresentaram a atriz Flora Camolese, 21, ao público brasileiro neste ano: estreou na novela "Vai na Fé", da Globo, e foi escolhida por Leandra Leal para ser protagonista da série "A Vida Pela Frente", da Globoplay.
Em julho, a atriz terminou as gravações da novela escrita por Rosane Svartman e que foi o maior destaque do horário das 19h da emissora nos últimos anos, bem recebida pelo público e pela crítica. Flora, que começou no teatro e é estreante na TV, contou a Universa que se espantou com a dimensão de audiência da produção.
A novela ainda é a grande formadora de valores dos brasileiros. Forma opiniões, ideias, propõe diálogos. Eu era completamente ignorante nesse sentido, de qual era o alcance que a novela ainda tinha no Brasil. Flora Camolese
Na entrevista, ela também falou sobre a importância de falar abertamente sobre saúde mental, tema que é central para sua personagem Beta em "A Vida Pela Frente", série de dez episódios produzida pela atriz e diretora Leandra Leal.
"Quanto mais se fala sobre, mais as pessoas se sentem confortáveis de olhar também para as suas questões pessoais. A série tem o papel de abrir esses diálogos para perceber sinais de doenças como depressão e ansiedade que não necessariamente são óbvios."
Confira os principais trecho da conversa com a atriz.
UNIVERSA: Por que você decidiu ser atriz?
FLORA CAMOLESE: Sempre atuei desde criancinha. Eu obrigava a família inteira fazer um teatrinho. Quando começou essa coisa de smartphone, eu deveria ter uns 13 anos, fazia vídeo com as minhas amigas, dirigia todo mundo, atuava também. Sempre tive essa pegada de atuar.
Aos 10 anos, minha mãe me colocou no Tablado [escola de teatro] e foi quando teve uma virada de chave. Eu não faltava a nenhuma aula, podia estar doente, de cama, mas semanalmente estava no Tablado. Foi quando eu bati no peito pela primeira vez e falei: Eu vou ser atriz.
Fiquei no Tablado dos 10 aos 18 anos e achava que eu seria atriz de teatro. Nunca tive hábito de assistir à televisão, então eu não tinha essa proximidade com novelas. Pensava que câmera não era para mim, nunca tinha tido essa experiência.
Fui para Nova York estudar atuação aos 19 anos, quando tive aulas mais direcionadas para a câmera. Logo em seguida veio "A Vida Pela Frente" e "Vai na Fé" e me descobri em frente às câmeras.
"Vai na Fé" foi uma novela de muito sucesso. O que ela tinha de diferente que agradou ao público?
Quando descobri que eu passei para um papel em "Vai na Fé", me perguntei se as pessoas ainda assistiam a novelas, porque elas não eram muito presentes na minha realidade. Mas entendi que o Brasil ainda assiste novela. Eu era completamente ignorante nesse sentido, de qual era o alcance que a novela ainda tinha no Brasil.
A novela fez esse sucesso estrondoso, com um alcance bizarro, e percebi que ela ainda é muito formadora dos brasileiros. Forma valores, opiniões, ideias, propõe diálogos.
Acredito que o sucesso específico de "Vai na Fé" aconteceu porque houve um trabalho coletivo em que todas as áreas estavam muito alinhadas: o elenco, o roteiro, direção, direção de arte. Os assuntos eram tratados juntos e eram perfeitamente alinhados.
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Quero receberIsso é uma característica que vem da muito da Rosane, que é a escritora. Ela tem muita capacidade de pegar assuntos que são muito caros para o Brasil, às vezes desconfortáveis, e trazê-los para esse diálogo de uma forma cotidiana, que vai ser digerida, e de uma forma que haja uma identificação com o povo brasileiro. Acho que isso é um dos grandes motivos de ter feito esse sucesso enorme.
"Vai na Fé" também teve coisa muito legal e tem um marco que é o elenco majoritariamente negro e com protagonistas negros. Foi uma virada de chave da Globo.
Qual a principal diferença em atuar em uma série e uma novela?
A novela é uma obra aberta. Isso foi um desafio, porque ao longo das gravações eu não sabia para onde a minha personagem ia. Mas também é muito legal, porque é parecido com a vida. De certo modo, você não sabe o dia de amanhã, não sabe o que que vai acontecer, quem vai entrar na sua vida, com quem você vai se envolver, quais serão os conflitos. Tinha esse frio na barriga e adrenalina.
A Bia era uma personagem que não fazia parte do núcleo protagonista. Eu não tinha tanto material no começo da preparação, então estava me sentindo uma barata tonta. Sentia que tinha que criar do zero essa garota. Ao longo das gravações, a cada dia que passava eu me sentia mais próxima dessa garota e entendia mais quem ela era. Foi uma experiência muito inédita e maravilhosa. Fazer novela foi uma escola de atuação.
Na novela, a Bia se relacionava com um homem mais velho. Você já passou por essa situação?
Eu nunca. Namorei uma vez na minha vida, e nunca uma pessoa mais velha.
Podemos problematizar essa relação de poder que uma geração mais velha tem sobre a outra, principalmente quando o cara é mais velho e existe uma hierarquia.
Mas cada caso é um caso. Na novela, era um relacionamento de duas pessoas que realmente se gostavam e a questão da idade era secundária, mas ela acabava vindo à tona em algumas situações corriqueiras, como uma questão geracional. Ou seja, eventualmente, essas questões vinham à tona com alguns conflitos.
Neste ano, você trabalhou com atrizes como Carolina Dieckmann e Leandra Leal. O que aprendeu com elas?
Considero a Leandra a minha madrinha do audiovisual. Ela me adotou, foi a primeira que realmente acreditou em mim a ponto de colocar uma garota de 19 anos que nunca tinha feito nada antes, a não ser estudar teatro, para fazer uma protagonista. Ela é uma referência para mim, tanto no âmbito profissional quanto no âmbito pessoal.
Teve um episódio que me marcou muito. Quando estávamos gravando "A Vida pela Frente", a Leandra estava totalmente caracterizada de Teresa, a personagem dela, enquanto acompanhava uma cena na tela onde os diretores veem as cenas. Era um plano sequência superlongo e ela entrava no final. A câmera foi seguindo, ela assistindo como diretora, e no momento que ela tinha que entrar, tirou o fone de ouvido, virou uma chavinha e em um milésimo de segundo entrou em cena, fez maravilhosamente bem e depois disse corta. Ela é uma referência máxima para mim.
Foi uma honra para mim contracenar com tantas pessoas neste ano. Desde pessoas com mais estrada, como Carol Dieckmann e Leandra Leal, até quem estava começando comigo, eu aprendi muito com todos. Quando não estou gravando e estou no set, faço questão de ficar no vídeo, assistir com os diretores, porque ver essas pessoas atuando, mesmo que não contracenando comigo, é realmente uma aula.
E o que você aprende com suas personagens?
Trato de muitas questões internas através das minhas personagens. Comecei a trabalhar cedo e fui amadurecendo com elas. Empresto muitas coisas pessoais minhas para elas e para os conflitos que elas estão passando.
Estou nesta idade em que ainda posso interpretar personagens mais novas e é muito legal ver os personagens crescendo comigo.
Sua personagem em "A Vida Pela Frente" trata de alguns temas sobre saúde mental, de romper com estereótipos do que é a depressão. Como esse tema também afeta você?
"A Vida pela Frente" é uma série de época, que se passa na virada de 1999 para 2000. Era um período em que o tema da saúde mental era muito mais tabu do que é hoje. Por exemplo, não era tão comum fazer terapia naquela época. Quem fazia, era porque tinha algum problema muito inflamado, geralmente. Sinto que hoje é muito mais tranquilo fazer terapia. Não precisa necessariamente ser uma pessoa em crise. É um espaço de autoconhecimento, muito útil e eu sinto que as pessoas enxergam isso cada vez mais.
Saúde mental é um assunto muito importante de ser conversado. Quanto mais se fala sobre, mais as pessoas se sentem confortáveis de olhar também para as suas questões pessoais. "A Vida pela Frente" tem o papel de abrir esses diálogos para perceber sinais de doenças como depressão e ansiedade que não necessariamente são óbvios.
Pensando na sua saúde mental, como você se cuida?
Faço análise desde muito novinha e isso para mim é muito importante. Eu faço desde que eu tenho 10 anos. Alguns períodos parei e voltei.
Tenho muita sorte que no meu meio, seja familiar ou de amigos, conversamos muito sobre nossas questões. Isso me ajuda muito porque vejo que, nos momentos que eu mais ocultava minhas questões ou tinha vergonha de falar, foram momentos que estive pior em termos de saúde mental.
Quanto mais falo, menos eu me sinto sozinha. É muito perigosa a sensação de solidão. Então criar laços com as pessoas e ter uma rede de apoio à nossa volta é muito importante.
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