Prêmio Inspiradoras: noite emocionante teve coro contra marco temporal
Em uma noite de celebração do trabalho de mulheres de todo o país, a terceira edição do Prêmio Inspiradoras foi marcada por muita emoção de famosas e mulheres que lutam pelo fim violência de gênero. Na plateia e no palco, houve momentos de comoção e descontração, e coro puxado por Dira Paes e Alessandra Korap contra o marco temporal, tese para demarcação de terras indígenas cuja discussão o STF (Supremo Tribunal Federal) retoma nesta quarta-feira (20).
No evento, promovido por Universa e Instituto Avon, na noite de ontem (19), em São Paulo, a coreógrafa e bailarina Lili de Grammont foi protagonista de um dos momentos mais tocantes, ao cantar a música "João e Maria", de Chico Buarque. Filha da cantora Eliane de Grammont e do cantor Lindomar Castilho, ela ficou órfã após sua mãe ser vítima de um feminicídio.
"'O que a vida vai fazer de mim?' é a pergunta que nós nos fazemos", disse em referência à letra da canção. "Minha mãe morreu cantando essa música no palco. A consequência do feminicídio é o fim paras mulheres e o começo para seus filhos. O homem que mata também morre. Morre também um pai", disse Lili. "Dona Helena, minha avó quem me criou, presente", dedicou o momento à figura materna.
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Em um discurso emocionante, a bailarina compartilhou sua trajetória. "Perdi minha mãe com 2 anos, meu pai foi preso quando eu tinha 6, minha vó aos 15 anos. A arte foi meu meio de expressão, por muito tempo a dança foi meus pés. Só depois chorei pela primeira vez de verdade. Até então eu estava vestindo a fantasia da mulher poderosa que aguenta"
"Descobri em 2020 que eu era vítima indireta do feminicídio. Nunca soube isso. A diferença para um órfão de uma mãe morre de câncer é o patriarcado. Precisamos nos curar dessa pandemia que é o feminicídio."
Representatividade paraense
Apresentadora do Prêmio Inspiradoras 2023, a atriz Dira Paes se comoveu diversas vezes durante suas falas e chegou às lágrimas. Em seu discurso de abertura, contou sobre a importância do trabalho social que desenvolve e como é fundamental o apoio das mulheres.
Dira se dedica a trabalhos sociais na ONG Movimentos Humanos Direitos. "Estou concentrando toda a minha energia e tempo em busca de uma sociedade melhor. Isso me faz bem como cidadã. Ainda bem que temos umas às outras para termos a inspiração necessária para renovar nossas forças", disse.
A atriz também se emocionou com os encontros com conterrâneas paraenses. Em um momento, invadiu o placo para abraçar Irmã Marie Henriqueta. "É 'parensismo' isso gente", brincou, inventando uma palavra para explicar a afinidade com a vencedora da categoria "Conscientização e Acolhimento".
"Esse prêmio só vem confirmar que realmente sou uma mulher corajosa", se manifestou Irmã Henriqueta, arrancando risos da plateia. "Recebi a notícia de que estava como finalista em um momento difícil, de perseguição. Quem conhece minha trajetória sabe que lutar por uma região como a nossa precisa ter muita coragem. E eu tenho tido há muitos anos quando eu tenho a capacidade de navegar os rios da nossa Amazônia para denunciar de forma corajosa a denunciar a exploração sexual das nossas meninas e meninos", disse.
Outra conterrânea que deixou a atriz emocionada foi Alessandra Korap, liderança indígena do povo Munduruku, vencedora do troféu Hors Concours. Alessandra usou o palco do evento para alertar sobre as mudanças climáticas e o aumento da ofensiva contra o território indígena.
"Hoje está muito quente em São Paulo em um dia que era para ser inverno", notou a ativista sobre um dos dias mais quentes do ano. "Nossa mãe terra não está aguentando, ela está pedindo socorro. Ela vai morrer, mas quem morre junto? Somos todos nós. Não adianta comprar ar-condicionado."
Dira explicou os motivos da comoção com as finalistas e vencedoras de sua região. "Depois de me tornar atriz, a importância da minha representatividade como mulher amazônica, só foi amplificada. E não dá pra ser do Pará sem lutar por representatividade política e social. A minha mãe, por exemplo, era uma assistente social nata. Nossa origem nos provoca uma consciência regional, um entendimento do nosso valor enquanto comunidade."
Entre atletas
A ginasta Daiane dos Santos se emocionou ao entregar anunciar a vencedora da categoria "Equidade de Gênero e Liderança", a também atleta Aline SIlva. A lutadora de wrestling criou a ONG Mempodora para fortalecer meninas de comunidades vulneráveis em Cubatão (SP) e São Luiz (MA).
"Tenho familiaridade com essa mulher. Ela é extraordinária, mãe, parceira, companheira e uma atleta exímia de uma categoria que poucos veem para mulheres. Um tempo atrás nos encontramos e pude demonstrar meu afeto", disse Daiane, que segurou o filho de Aline no colo.
Aline chorou ao receber o prêmio. "É muita luta. Essa noite me fez perceber que estamos juntas, muda o endereço, mas as batalhas são as mesmas", disse a atleta. "Só consegui sair de uma situação de quase morte por causa de oportunidade. Esse prêmio hoje é uma oportunidade para mim".
Daiane fez graça com a estatura ao púlpito — ela tem 1,46 metro e brincou que estava feliz por estar de salto alto. Ela também contou como recebeu o convite para ser embaixadora da ONU Mulheres. "Entendi que era uma missão não só pela causa das mulheres nos esportes e atletas, mas mulheres no contexto geral mais espaço de segurança mais respeito não é só nossa como sororidade, mas qualquer pessoa com empatia para transformar um mundo melhor para todos."
Humor ácido com sabor de Campari
A comediante Livia La Gatto foi responsável pelo alívio cômico da noite, arrancando risadas da plateia ao satirizar temas importantes: os negacionistas da ciência e o processo que enfrentou após criticar e fazer um vídeo sobre o coach Thiago Schutz em março deste ano. "Tudo começou com um homem semicalvo bebendo seu Campari", brincou.
"Ele disse para o mundo inteiro que era misógino. Fiz um vídeo satirizando esse discurso. Ele tem certeza de estar acima da lei, como esses estudantes de medicina [que assediaram jogadoras de vôlei]. Fiz esse video todo com um filtro de calvo. O problema foi esse. Tudo o que um semicalvo não quer ser é calco. Aí ele ameaçou. Ou é processo ou bala. Foi processo mais quem ganhou fui eu", concluiu Lívia, aplaudida e ovacionada pelo público.
Doutora em psicologia, a psicanalista Manuela Xavier dividiu uma história pessoal forte no palco. Madrinha da categoria Atenção ao Câncer de Mama, ela ressaltou a importância do diagnóstico precoce para a cura. Sua avó foi vítima da doença, quando havia o tabu de se tocar e pouco acesso à informação.
"Minha avó descobriu o câncer de forma tardia. E alguns fatores contribuíram para isso: a falta de informação, o receio sobre a doença e o tabu de uma geração que fizeram uma senhora ter vergonha de tocar o próprio corpo", contou, muito emocionada.
Antirracismo e representatividade negra
Em diversas categorias, o trabalho de mulheres negras em busca de justiça e igualdade foi celebrado. O evento contou, ainda, com pocket show de Negra Li. "Quero ser sempre melhor do que sou. Voltar à lembrança do sonho de infância. A Negra Li foi a determinação de uma garota porque uma menina um dia sonhou e colocou na cabeça que eu vou ser. Vou agradecer essa menina", disse a cantora.
A ativista Lúcia Xavier venceu a categoria Justiça para Mulheres. "Me senti Viola Davis ganhando o prêmio", brincou a diretora da ONG Criola. "Queria ganhar um prêmio por cantar, dançar. Mas já que esse mundo exige que a gente faça justiça, tenho orgulho de receber esse prêmio por todo trabalho que fizemos cotidianamente."
"Mulheres negras se levantam todos os dias pela vida de todos os brasileiros. Lutar contra o racismo essa capacidade de fazer justiça. É um valor humano soprepõe ao privilégios", disse.
A biomédica Jacqueline Góes venceu a categoria Mulheres na Ciência. "Vim bem desacreditada, isso mostra o quanto é difícil para nós, mulheres na ciência acreditar, que o nosso trabalho impacta realmente a vida das pessoas. Vim de um lugar muito dificil, de um lugar de exclusão. Sempre me conectei com as pessoas que eram excluidas e não as que estavam em protoganonismo."
Já a trancista Negra Jhô ganhou na categoria de Empoderamento Econômico. "Mulheres negras têm dificuldade de se inserirem no mercado de trabalho. Sou mãe solo, bisneta solo. Luto todos os dias pela minha ancestralidade", disse.