'Tive medo de ser agredida na rua', diz Karine Teles sobre posição política

Karine Teles, 45, tinha apenas cinco anos quando "Elas por Elas" estreou na TV Globo. E mesmo ainda criança se sentiu impactada pelo o que a novela mostrava. Tanto que foi tema de sua festa de aniversário. "Achava a abertura sensacional, ver o passado nos anos 1960? Até fiz uma festa de aniversário com esse tema quando eu tinha 10 anos. Lembro da história e dos personagens", disse em entrevista à Universa.

Passados mais de 40 anos, Karine é uma das protagonistas do remake que estreia dia 25 de setembro na TV. Carol, sua personagem, é muito realizada na vida profissional, mas e na pessoal? Ah, isso deixa a desejar. Para a reportagem, a atriz contou um pouco sobre sua vida, as transformações na sua carreira e dates que não deram certo.

UNIVERSA: Vivemos em uma época nostálgica da cultura pop e "Elas por Elas" é um remake. Isso deixa você mais tensa na hora de se preparar para a personagem?
Karine:
Não, por dois motivos. Acredito que essa onda de remakes faz parte de uma certa vontade de retratação histórica necessária, de revisitar temas que continuam atuais e importantes.

Tanto em "Pantanal" [onde Karine fez o papel de Madeleine] quanto em "Elas por Elas", alguns temas são revisitados com um olhar de consciência e respeito. Amizade é um assunto humano e universal, mas os dramas pessoais das personagens estão sendo revistos.

A história da Carol, por exemplo, mudou muito. Eu assisti a versão antiga. Lembro de ver no "Vale a Pena Ver de Novo" e tenho uma memória muito afetuosa da novela. Também assisti novamente no Globoplay. Mas o trabalho da Mila Moreira não me ajuda em nada, porque essa versão tem um perfil completamente diferente. A única semelhança é que a Carol não é casada e não tem filhos. Então não tenho como compará-las.

Então você se lembra de assistir ao original. Tem algo da trama que marcou sua vida?
Achava a abertura sensacional, ver o passado nos anos 1960... Até fiz uma festa de aniversário com esse tema quando tinha 10 anos. Lembro da história e dos personagens, mas são memórias mais sensoriais do que objetivas, das roupas e das músicas. Achava o máximo.

Acredita que essa versão da novela vai gerar mais reflexões para a sociedade? Você citou temas que serão revisitados de forma atual?

As protagonistas de 'Elas por Elas'
As protagonistas de 'Elas por Elas' Imagem: João Cotta/Globo

Acho que sim. Nós não evoluímos de forma homogênea. Enquanto tem pessoas discutindo assuntos avançados, tem gente ainda cobrando mulheres que não querem casar e ter filhos. Eu sempre quis ter filhos, mas para a sociedade demorou bastante, porque engravidei com 31 anos. Até esse momento, foram muitas cobranças.

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Acredito que com debates e empatia isso é algo que conseguimos conversar mais. Ninguém muda ninguém. As pessoas só mudam se quiserem. Mas o debate é uma ferramenta muito poderosa.

Existe uma história real sua no livro "Boy Dodói", de Bebel Abreu, Carol Ito e Helô D'Angelo. Me conta um pouco como foi a situação e como seu relato foi parar lá?

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Imagem: Condemais

Sigo algumas artistas mulheres no Instagram e sou fã há muito tempo das artistas do "Boy Dodói". Elas falaram que estavam fazendo tirinhas com histórias das leitoras e lembrei de uma que aconteceu há muitos anos, em uma época na qual eu usava aplicativo de relacionamento.

Conheci muita gente legal nos apps, de alguns sou amiga até hoje, mas tive também alguns encontros bem estranhos. Me lembrei de um engraçado para contar, o cara estava sendo muito arrogante porque era cientista e acreditava que só a ciência contribui para a evolução humana, que a arte era inútil. Achei engraçado e desisti do encontro completamente. Não chegamos a brigar nem nada, mas cortei e disse que era melhor encerrarmos, de maneira bem civilizada. Hoje em dia nem lembro o nome dele.

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Aliás, no seu Instagram existem várias indicações de livros. Leitura é um refúgio para você?
Sempre, desde muito pequena. A leitura e a escrita são partes fundamentais da minha vida. Por isso também escrevo roteiros. A escrita sempre foi uma forma de expressão e a leitura me movimenta. Aprendi muito com os livros e descobri diversas coisas a respeito do mundo. Acredito que escrevendo eu consiga me comunicar com as pessoas que eu gosto. Leio muito, mas estou lendo menos do que gostaria ultimamente.

O que você está lendo?
Agora estou com "Tudo sobre Amor", da bell hooks (Editora Elefante), que é um livro lindo. Estou lendo aos poucos porque cada capítulo é muito transformador e fica reverberando dias na nossa cabeça.

Ganhei da Amora Mautner, nossa diretora em "Elas por Elas", um livro chamado "Quando deixamos de entender o mundo", de Benjamín Labatut (Todavia) que está na minha mesa de cabeceira, na fila para começar a ler.

E também comprei "Os perigos de fumar na cama", de Mariana Enriquez (Intrínseca), que estou curiosa para ler. Estou em um momento de ler livros divertidos e engraçados, assistir comédias e filmes leves. Estou fugindo dos dramas.

Para ser atriz é necessário passar por muitas transformações de aparência. Uma hora cansa? Teve alguma que você odiou?

Karine Teles como a Madeleine, em Pantanal
Karine Teles como a Madeleine, em Pantanal Imagem: TV Globo
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[Risos] Não cansa porque para mim a caracterização é uma parte muito importante. Alguns atores não se mudam tanto e são incríveis, mas eu adoro mudar. Não tem nenhuma dessas transformações que eu tenha detestado, mas tem uns visuais que eu gosto mais e outros menos.

O cabelo da Carol eu usaria na vida, que é mais polêmico e não agrada a todes. Eu estava com um loiro pintado de um jeito bem antigo, para um filme que se passa nos anos 1920, que eu não usaria na vida. Foi só depois de um mês que comecei a me acostumar com a minha aparência no espelho, mas passei um tempão tomando susto. Para a personagem era perfeito, mas eu sofria. Vivia com ele preso.

Para quem não é do meio, atuar parece apenas um grande glamour. Tem algo para você que é a parte ruim da atuação? De estar em um set?

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Imagem: Condemais

O público acredita no glamour porque é a parte que eles veem. Eles nos enxergam em coletivas de imprensa, pré-estreias... Mas isso é uma parte muito pequena no trabalho. Diria que uns 4%.

O dia a dia é puxado. Chegamos a trabalhar 12 horas por dia, seis dias por semana, dependendo do projeto e do tamanho do personagem. E ainda temos que ir para casa decorar texto, ensaiar... O dia a dia não é glamuroso. Não sofro, pra mim faz parte do trabalho. Mas odeio quando você está em um ambiente e percebe que pessoas são tratadas de forma diferente por serem consideradas mais importantes.

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É raro, mas já vi acontecer. Acho isso pouco produtivo, não contribui com o trabalho. Aos poucos estamos destruindo essa cultura, mas ela é muito forte e tóxica.

Você já tem muita experiência na carreira. Já aconteceu de pegar roteiros e dizer: "Isso não é minha cara" e declinar um projeto?
Claro, até em momentos que precisava de trabalho para ganhar dinheiro. Mesmo assim não aceitei. Justamente porque trabalho há muitos anos na área, e tenho respeito pela profissão. Se acho que não sou a melhor pessoa para o papel, ou se o projeto está relacionado a algo que não acredito, recuso.

Você é uma pessoa muito politizada, e não tem medo de expor suas opiniões. Chegou, em algum momento, a cogitar se isso impactaria sua carreira de forma negativa?

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Imagem: André Horta/Brazil News

Não, porque acredito que um país melhor é melhor para todo mundo. Se mais pessoas tiverem acesso à cultura e informação, a vida melhora para toda a sociedade.

Um país que detesta cultura, que acha que artistas são vagabundos, é ruim até para artistas que escolhem não se posicionarem. E eu entendo e respeito isso. Quem sou eu para criticar quem não quer falar? Mas para mim, não tinha outra forma.

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Talvez meu posicionamento possa alcançar alguém que passe a ter um novo olhar sobre o que estava acontecendo. Os tipos de trabalho que faço têm muito espaço para a liberdade de expressão.

Acho que se não respeitassem meu posicionamento eu também não ia querer fazer parte daquele projeto. Esse medo não tive, mas tive de ser agredida na rua, porque vivemos momentos de muita violência. E pessoas escrevem coisas horrorosas na internet. Não relaxei totalmente.

Que tipo de coisa?
Usam palavras de baixo calão, que não vou nem reproduzir. Xingamentos como "petralha", "nojenta", "você está falando isso porque é global", essas coisas. Eu nem me explicava, mas ameaças não recebi. Não sou tão conhecida assim, meu Instagram não é gigante, não sou celebridade nem mega famosa.

Essas foram as pessoas mais massacradas. Quem conhece o meu trabalho e me segue, sabe quem eu sou. Para mim foi mais leve do que para outras pessoas.

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