"Hoje a gente pode fazer o que quiser", diz Daiane dos Santos
Representatividade e oportunidade são duas palavras que resumem a trajetória e a rotina atual da atleta Daiane dos Santos. Foi o que ela fez questão de ressaltar no palco da Casa Natura Musical, em São Paulo. Ela esteve lá no último dia 19, para participar da festa de revelação das vencedoras do Prêmio Inspiradoras 2023. A premiação é uma parceria entre Universa, a plataforma feminina do UOL, e o Instituto Avon. Accor providenciou a hospedagem das finalistas em São Paulo e Uber, o transporte. No evento, a ginasta foi madrinha das categorias Empoderamento Econômico e Equidade de Gênero e Liderança.
As duas causas estão na ordem do dia da esportista, que fez história na ginástica como a primeira do Brasil a conquistar um título mundial e por criar dois saltos. Conhecidos como duplo twist carpado e duplo twist esticado, eles, oficialmente, levam o nome da atleta: Dos Santos I e o dos Santos II, respectivamente. Os feitos do tablado são episódios do passado, mas Daiane continua em plena atividade. Aos 40, agora ela trabalha para devolver para a sociedade o que recebeu.
Além de Embaixadora ONU Mulheres, ela é fundadora do projeto social Brasileirinhos, que oferece aulas de ginástica artística para 300 crianças e adolescentes de 6 a 17 anos no CEU Paraisópolis e no CEU Aricanduva, na capital paulista.
"Tenho muito trabalhos, mas esse é o que eu mais amo, que me revigora e me permite entender por que eu faço o que eu faço", diz.
Daiane acredita que é preciso se envolver com questões sociais ainda que elas não façam parte da experiência individual de pessoas públicas como ela. Entre outros motivos, porque a atitude inspira outras pessoas como ela. E defende que o esporte é uma grande oportunidade para meninos e meninas terem a acesso aos estudos e outras chances na vida.
Universa: Você é embaixadora ONU Mulheres e tem um projeto social, de onde vem sua motivação para atuar em causas sociais?
Daiane: Eu acredito que todos nós podemos fazer a diferença na vida de alguma pessoa. Não há como ter uma vida melhor sem doar um pouco do nosso tempo, dar um pouco do que a gente sabe para outras pessoas, principalmente através do terceiro setor. Por exemplo, ser madrinha de um prêmio como o Inspiradoras, que fala sobre empoderamento feminino, sobre empreendedorismo, é muito importante. Poder dividir com os outros toda a inspiração e colaboração que eu recebi é o que me motiva.
A busca por equidade de gênero no esporte é um assunto muito atual, especialmente no que diz respeito à remuneração igualitária de atletas femininas e masculinos. Como foi sua experiência com esta questão ao longo da sua carreira?
A ginástica é diferente da maioria dos esportes. A gente não tem essa diferença tão grande ou, na verdade, ela é reversa, né? Mas acredito que a gente não precisa ter passado por uma situação de desigualdade para aderir à luta por equidade. É assim também com a violência contra a mulher ou contra as crianças. Quando a gente fala de direitos para mulheres, direito de gênero, nós todos temos que estar envolvidos. E isso não apenas no esporte também. Em empresas, a gente vê mulheres que não ganham igual aos homens, mesmo fazendo a mesma tarefa. E quando a gente fala de mulher preta, então, a gente vai numa escala ainda mais profunda. Independentemente de nossas experiências, estas são questões comuns a todas e precisamos nos envolver em nome de um país melhor.
Você se reinventou desde sua aposentadoria e está tocando uma série de projetos. Como foi o processo para você deixar o tablado?
Foi muito tranquilo, porque foi uma decisão tomada com bastante sabedoria. Acho que é importante a gente entender que esse tempo não é um prazo cronológico. É um prazo em que você entende qual é o seu limite e para onde vai sua carreira. Eu sempre tive a convicção de que a vida é feita de ciclos. O meu ciclo como atleta encerrou. Antes diziam que com 20 anos uma ginasta já estava velha, não podia mais fazer. Entrei na ginástica com 11 anos e saí com 29. Hoje a gente já não tem mais esse parâmetro cronológico, pode fazer o que a gente quiser, com a idade que quiser. Podemos atuar em outros setores, como é o meu caso.
Existiu um momento em que você percebeu que precisaria fazer essa reestruturação de carreira. Quando você começou a pensar nisso?
A ideia de parar de treinar começou a surgir em mim em 2008, depois de Pequim. E realmente parei em 2012. Mas, para isso, eu fiz um programa, me formei como educadora física, montei um planejamento do que eu queria para mim. Eu já tinha a ideia de atuar na gestão esportiva e ter meu projeto social. É importante se preparar para essa nova oportunidade e ver com bons olhos a transição.
Pensando na contribuição que você deu para o esporte, o que significa para você ter sido pioneira no Brasil na ginástica?
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Quero receberEu acho que foi mais um presente que Deus me deu. Óbvio que precisa trabalhar muito, precisa de oportunidade, mas muitas pessoas trabalharam tanto quanto eu e também tiveram essa oportunidade, né? Eu sinto que ser essa representante, ter essa presença marcada no alto do pódio, é extraordinário. Poder representar pessoas ali é dar a elas direitos de serem vistas e de serem colocadas. Aí vou voltar na questão de gênero: quando você mostra uma mulher preta como uma campeã do mundo, você mostra que essas pessoas são vencedoras, que elas são merecedoras desse holofote, desse lugar que vai empoderar e vai levar outras pessoas a entenderem que aquele lugar é delas também quando a gente fala de pessoas pretas. Olhar com uma imagem de vencedor uma pessoa preta número um no mundo é extraordinário, né? Eu sinto que o título do mundial traz uma representatividade como principal fonte para as pessoas, porque eu vejo, quando elas falam sobre isso, o carinho que as pessoas têm, sobre como isso inspirou outras pessoas a seguirem seus sonhos, como isso motivou as pessoas a enxergar o Brasil como um país vencedor, com mulheres vencedoras, com pessoas pretas vencedoras, pessoas que começam tarde nas suas carreiras, que vêm de origem mais humilde de regiões do Brasil diferentes. Se a gente fosse descrever isso tudo em uma palavra, seria representatividade.
Como nasceu o Projeto Brasileirinhos?
O Brasileirinhos foi uma sementinha que foi plantada no meu coração ainda como atleta. Eu comecei no esporte com uma oportunidade muito parecida com a do Brasileirinhos: comecei numa escola pública, uma professora que dava aula gratuita me viu, me fez o convite e eu descobri a ginástica. Eu acho que foi uma mescla de dois sentimentos o primeiro de devolver aquilo que eu tive do esporte e mostrar que a ginástica é feita para todos, quebrar esse olhar de que ela é só para quem vive em tal região, ou de que a escola pública não tem como fazer isso, que a gente só consegue em clubes privados. E a possibilidade de devolver a oportunidade que o esporte me deu, principalmente, de me formar com um caráter de uma pessoa boa, né? Eu tive essa construção em casa, mas quantos outros não têm? Eu tive a oportunidade por meio do esporte de me formar não só como uma medalhista, uma campeã mundial, mas como uma campeã na vida. Eu não queria só ter o projeto com o meu nome, eu queria poder estar mais perto das crianças. Eu não consigo estar todos os dias lá, mas eu tenho uma equipe excelente que faz um trabalho incrível. A minha ideia sempre foi ter o Brasileirinhos em unidades escolares públicas para a gente valorizar o ensino público e dar essa estrutura de apoio no contraturno escolar para as crianças.
Uma das finalistas do prêmio é a Aline Silva, que também tem um projeto nesse sentido. A gente vê muito o esporte como ferramenta de transformação social. O que o esporte tem de especial para transformar?
Eu acho que é difícil a gente ter uma única explicação, mas o principal é a oportunidade. Porque quando a gente dá oportunidade eu tô dizendo para você que você pode conhecer essa atividade, é diferente quando você nunca tem. Foi o que o esporte trouxe para minha vida, ele me deu a oportunidade de conhecer um talento que eu nem sabia que eu tinha, de conhecer o mundo, de me formar como educadora física. E, hoje, ele me dá a oportunidade de ser uma gestora. Isso é precioso no esporte. Ele permite que a gente se descubra, se sinta pertencente, se desafie e desafie nossos medos. O esporte faz com que a gente entenda que aprender uma coisa nova pode ser difícil, mas não é impossível. Cada pessoa será atraída por pontos diferentes para o esporte, mas, mais uma vez descrevendo em uma palavra, seria oportunidade.
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