Suicídio: por que mulheres tentam mais, mas homens usam formas mais letais

Homens são maioria entre as vítimas de suicídio em quase todos os países do mundo —à exceção de Índia e China. Mas, por trás dessa primeira informação, há um dado "escondido", que quase sempre passa despercebido: a maior parte das tentativas de suicídio acontece entre as mulheres. Elas representam quase 70% das pessoas que atentaram contra a própria vida entre 2011 e 2018, segundo dados do Ministério da Saúde.

Essa, aliás, é hoje a quarta principal causa que leva à morte mulheres entre 10 e 24 anos no Brasil.

O suicídio é fortemente atravessado por questões de gênero, uma vez que mulheres são mais expostas a abusos psicológicos, mas, em geral, não têm seu sofrimento levado a sério, afirmam os psicólogos Felipe Baére, que estuda comportamento suicida na Universidade de Brasília, e Karen Scavacini, mestre em saúde pública e coordenadora do Instituto Vita Alere de Prevenção e Posvenção do Suicídio.

Segundo os dois especialistas ouvidos por Universa, há pelo menos três fatores que tornam o fenômeno do suicídio diferente para homens e mulheres:

homens têm mais dificuldade em pedir ou aceitar ajuda, fruto de uma cultura machista;

eles tentam suicídio com ferramentas de maior potencial letal, como armas de fogo, e elas, em geral, de menor potencial letal, como ingestão excessiva de medicamentos;

mulheres não têm seu sofrimento levado a sério por familiares, amigos e até médicos, que muitas vezes entendem o comportamento suicida como histeria ou tentativa de chamar atenção.

Baére explica que não existe uma proporção exata entre tentativas e suicídios consumados, mas na literatura médica há menções que vão de uma morte a cada dez tentativas a até uma morte a cada 40 tentativas.

"O suicídio costuma ser visto como um fenômeno masculinista por ocorrer mais entre os homens. Mas os números apontam para uma enorme incidência de tentativas em comparação com as mortes. E se as mulheres estão tentando mais, a gente pode pensar que as mulheres estão em um sofrimento muito grande", resume Baére, que em 2020 publicou uma pesquisa sobre o que chamou de "paradoxo do gênero no comportamento suicida", na UnB.

Continua após a publicidade

Karen Scavacini também percebe, no atendimento a vítimas no instituto que fundou, que quando mulheres atentam contra a própria vida e acabam sobrevivendo, deparam-se com o julgamento de amigos e familiares, que entendem esse sofrimento como histeria ou tentativa de chamar atenção —o que pode levar ao desamparo dessas vítimas e, consequentemente, a uma nova tentativa, explica.

Nos primeiros 30 dias depois de uma tentativa, o risco de uma segunda tentativa é dez vezes maior. Se o ambiente familiar ou afetivo dessa mulher não está preparado para recebê-la de volta, não há recuperação. Karen Scavacini, psicóloga

Masculinidade adoece homens e mulheres

Na pesquisa desenvolvida por Baére, ele e sua orientadora, a psicóloga e pesquisadora Valeska Zanello, identificam a masculinidade como um dos principais fatores que adoecem psiquicamente os brasileiros —homens e mulheres— e, em último grau, levam a tentarem o suicídio.

Para começar, o pesquisador destaca que o suicídio é um fenômeno político, e portanto é atravessado por fatores sociais, econômicos e culturais —entre eles, o gênero: "Determinadas populações apresentam números maiores de óbitos e tentativas justamente por aspectos de vulnerabilidade social".

Baére explica também que não existe causalidade única para acontecer, isto é, uma pessoa que atenta contra a própria vida não o faz por um único motivo, mas por uma sobreposição de fatores de sofrimento.

Continua após a publicidade

Entre os homens, o que o psicólogo chama de "masculinidade adoecedora" é grave porque reduz as chances de salvamento, já que eles, em geral, empregam ferramentas muito mais letais em tentativas de suicídio.

Diante de uma masculinidade muito frágil, em geral, os homens recusam ajuda até o ponto em que se encontram em quadros agudos de sofrimento. E muitas vezes, em casos extremos, tentam tirar a própria vida, usando nestas tentativas métodos violentos, com muito potencial letal, porque aprendem que não podem falhar nunca. Felipe Baére e Karen Scavacini

A psicóloga conta que o enforcamento é o maior método usado para suicídios tanto entre homens quanto entre mulheres, mas, em segundo lugar, enquanto homens recorrem a armas de fogo, mulheres recorrem a medicamentos, isto é, uma forma muito menos letal. "E, dependendo do que ela tomou, e que quantidade tomou, se deu tempo de avisar alguém, ela pode ser socorrida, enquanto o salvamento de uma tentativa por arma de fogo é muito mais raro."

No caso das mulheres, fatores como abuso psicológico e sexual, violência doméstica, depressão pós-parto e transtornos alimentares são muito recorrentes, além de jornadas exaustivas, principalmente quando tem que conciliar o trabalho com o exercício da maternidade, lista a psicóloga.

Scavacini chama atenção para o fato de que a maior parte do sofrimento relatado por mulheres que tentam suicídio está relacionado ao que ainda entendemos como papel social da mulher, isto é, de ser esposa e mãe. Ela cita casos de mulheres que vivem sofrimentos psíquicos agudos porque não conseguem engravidar, tiveram um aborto natural, porque são mães solo com excesso de responsabilidades, devido à ausência ou ao abandono da figura paterna.

Felipe Baére ainda diz que relacionamentos amorosos são muito relevantes no sofrimento psíquico das mulheres. "Muitas vezes, justamente por esse papel tão relevante que um relacionamento [heterossexual e tradicional] tem na nossa cultura, mulheres se submetem a vivências ruins para não perder esse lugar identitário. Há relatos desde situações desagradáveis de cobranças ou discussões, até episódios de abuso psicológico e términos como fatores importantes que levaram a tentativas [de suicídio] entre as entrevistadas da pesquisa", diz.

Continua após a publicidade

Procure ajuda

Caso você tenha pensamentos suicidas, procure ajuda especializada como o CVV (www.cvv.org.br) e os Caps (Centros de Atenção Psicossocial) da sua cidade. O CVV funciona 24 horas por dia (inclusive aos feriados) pelo telefone 188, e também atende por e-mail, chat e pessoalmente. São mais de 120 postos de atendimento em todo o Brasil.

Deixe seu comentário

Só para assinantes