Jovem estuprada e morta na UFPI: Justiça condena réu mas exclui feminicídio
Maria do Socorro Nunes, 53, dormia com a cabeça para trás em uma cadeira da recepção do Fórum Criminal de Teresina, às 5h50 do último sábado. Haviam se passado 20 horas desde o início do julgamento pela morte da filha mais velha, a estudante de jornalismo Janaína Bezerra, 22, assassinada e estuprada em janeiro deste ano em um campus da UFPI (Universidade Federal do Piauí).
"Vou ficar aqui nem que dure um mês. Minha filha não vai descansar enquanto não houver justiça", disse a mãe. Às 7h veio o resultado: 18 anos e seis meses de prisão pelos crimes de homicídio qualificado (emprego de meio cruel), estupro, vilipêndio de cadáver e fraude processual. A qualificadora de feminicídio foi excluída pelo júri, o que diminuiu a pena final.
Na noite do dia 28 daquele mês, alunos da UFPI (Universidade Federal do Piauí) fizeram uma festa no campus e, na manhã seguinte, um segurança da instituição avistou Thiago Mayson Barbosa, 28, carregando Janaina nos braços. Ensanguentada, foi levada às pressas pelos servidores para o hospital. Mas já chegou lá morta.
Barbosa, estudante de mestrado em matemática, arrastou a jovem para uma das salas, a estuprou e asfixiou até a morte. Ele continuou as agressões sexuais e fotografou o corpo da vítima ensanguentada mesmo com ela morta, segundo laudo da Polícia Civil.
Procurada pela reportagem, a advogada Jéssica Teixeira, que compõe a defesa de Barbosa, informou que irão recorrer da decisão. Ela afirma que o tempo de condenação é excessivo e, por isso, fizeram pedido de redução das penas.
18 anos de prisão e revolta
A audiência aconteceu de portas fechadas. Nem mesmo a família pôde acompanhar. O juiz que presidia a sessão, Antônio Nolleto, impediu a entrada do público porque durante o julgamento seriam exibidos os vídeos feitos pelo acusado durante o crime.
Quando o resultado se tornou público, veio a frustração: a estimativa prevista pela acusação era de 70 anos de pena. O número caiu porque o qualificador de feminicídio, quando há menosprezo e violência em razão do gênero da pessoa, não foi incluído. A advogada e assistente de acusação Florence Rosa vai recorrer para que ele responda pelo crime em segunda instância e a pena aumente.
"Não podemos dar uma resposta para a sociedade de que um crime tão violento e chocante como esse não seja calculado. Estamos confiantes de que o recurso pela reforma da pena seja acatado", diz Florence.
Nathália Figueiredo, delegada responsável pelo caso de Janaína, estimava uma pena de pelo menos 60 anos. Ressaltou que o inquérito foi claro ao apontar que o crime se tratava de um feminicídio. "Tudo que havia sido produzido na investigação apontava para isso", disse.
A indiferença e a frieza do condenado reforçaram o desprezo pela vítima na condição de mulher. "Se trata de um crime de gênero pela perversão, brutalidade e crueldade cometidas contra ela. São características de um feminicídio", destaca Nathália.
Caso foi resolvido quatro vezes mais rápido do que a média nacional
O caso Janaína correu cinco vezes mais rápido do que a média de processos de violência doméstica e/ou feminicídio no Piauí e quatro vezes mais rápido que a média nacional. Segundo o CNJ (Conselho Nacional de Justiça), o tempo médio é de 3 anos e 7 meses no Estado e de 2 anos e 11 meses no país.
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Quero receberPela agilidade processual, pode se tornar precedente na forma como os feminicídios são tratados no Piauí e no restante do país. "Quanto mais os assassinatos de mulheres forem embalados pela revolta social, mais rápido as instituições jurídicas e criminais trabalharão para agilizar os julgamentos", complementa a delegada e doutora em políticas públicas de combate ao feminicídio Eugênia Villa.
"Essa é uma aliança necessária capaz de, até mesmo, baixar os índices de feminicídio", ressalta Eugênia.
Para Eugênia, três pontos foram fundamentais para a agilidade do julgamento: a investigação policial eficiente e célere, a ação dos movimentos sociais e a cobertura qualificada da imprensa, com repercussão nacional.
Pouco mais de uma semana depois do crime, a Polícia Civil já havia fechado o inquérito com resposta imediata sobre a tipificação penal do crime. E evidenciou o feminicídio. "Isso forneceu ao Ministério Público uma base sólida para oferecer a denúncia rápido", explica a doutora.
Na sequência, a aliança dos movimentos sociais (sindicais, das mulheres, dos estudantes e outras categorias) mobilizaram a cidade para chamar atenção das instituições criminais e judiciais. Na semana do assassinato de Janaina houve vigílias nos principais pontos da universidade, ocupação da reitoria e manifestações nas principais vias. No dia do julgamento, eles também estavam lá pedindo justiça.
"As procrastinações de julgamentos impulsionaram a vigilância da sociedade. As manifestações de revolta mandam um recado para o Judiciário: a população está de olho", analisa Eugênia.
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