Autora de Bridgerton diz que livro feito com irmã que morreu ajudou em luto
"Fui reconhecida no aeroporto de São Paulo e no Rio de Janeiro. Isso não acontece nos Estados Unidos". É a terceira vez que Julia Quinn, 53, vem para o Brasil e ela ainda continua se impressionando com o carinho e reação do público.
Sua participação na Bienal do Livro do Rio de Janeiro, no início de setembro, atraiu uma legião de fãs, gerou gritos e comoção. "Mandei um vídeo para a minha família da multidão e eles ficaram chocados", contou à reportagem de Universa.
A autora ficou famosa pela série de romances históricos "Bridgerton", que ganhou uma adaptação em série para a Netflix, já vendeu três milhões de cópias de livros no Brasil, o que representa o seu segundo maior mercado depois dos Estados Unidos. Não à toa, ela tem até um toque especial nos autógrafos que dá para os fãs: todos ganham um coração, para saber que o livro foi assinado por aqui.
Em entrevista à Universa, Julia falou sobre o livro que estava escrevendo com sua irmã quando ela morreu, vítima de um acidente de carro, junto com seu pai, e como foi escrever um livro a quatro mãos com Shonda Rhimes, a toda-poderosa produtora de séries famosas como Grey's Anatomy, Scandal e How To Get Away With Murder, além de Bridgerton.
Universa: Vi que quando você era adolescente seu pai não gostava que você lesse romances. É verdade?
Julia Quinn: Ele não disse que eu não poderia ler, mas me incentivava a tentar leituras mais difíceis. Eu defendia que lia porque achava divertido e gostava, o que meu pai apoiava. O ponto dele era que eu precisava experimentar também outros gêneros.
Quando me pediu uma boa razão para eu só ler romances, falei que, para mim, era um exercício de pesquisa, pois escreveria um também. Aí ele me sentou em frente ao computador e disse: 'Vá em frente'.
Isso aconteceu na década de 1980, éramos uma das poucas pessoas que tínhamos computadores. E foi assim que comecei a escrever.
Então seu pai foi o responsável pelo seu pontapé inicial?
Sim, ele era meu maior fã. Acredita que ele ia nas livrarias e ficava falando para as pessoas que estavam na seção de romance que eles deveriam ler meus livros. Dizia para ele não ser o cara esquisito que faz isso [risos].
Acredita que esse desafio de seu pai foi determinante para a sua carreira literária se desenvolver? Era o empurrão que você precisava para se dedicar a isso de forma profissional?
Não sei, eu tinha só 12 anos naquela época, é difícil dizer se isso impactou a minha carreira na vida adulta. Mas sempre soube que se eu fosse escrever era para que meu livro fosse publicado.
Nunca passou pela minha cabeça escrever por diversão. Sempre vi ser autora como uma carreira séria.
E você desistiu da medicina para isso, não?
Sim. Sempre digo para as pessoas que quando decidi deixar a faculdade de medicina já tinha três livros publicados. Não estava assumindo um risco tão grande. Eu tinha uma outra carreira para me guiar. E já sabia disso quando comecei a faculdade, mas acho que fiz a coisa certa deixando a medicina para trás.
Também acho que fez. Voltando a falar do seu pai, qual foi a reação dele quando soube que você seria publicada pela primeira vez?
Ele achou incrível. Ficou muito animado porque sabia que estava trabalhando em um livro. Naquela época não tínhamos email, então tínhamos que enviar os manuscritos impressos. E eu não tinha dinheiro para imprimir um livro.
Ele me levava escondido em seu escritório para que eu pudesse usar a impressora lá. Sempre ia à noite, era bem emocionante.
Você perdeu seu pai e sua irmã em um acidente de carro há dois anos. Como é, como autora, o processo de luto para você?
Acredito que é igual o de qualquer outra pessoa. Há algo que se torna muito difícil quando a morte acontece de uma hora para outra. Eu e minha irmã estávamos trabalhando em um livro juntas, um quadrinho ["A Srta. Butterworth e o Barão Louco: Um romance em quadrinhos" (Editora Arqueiro)], que foi publicado aqui no Brasil.
Ela tinha seus 20 anos e isso era uma conquista incrível para ela, que estava descobrindo o que queria ser. Me lembro de pensar que ela nunca veria o livro publicado. Ainda não consigo acreditar que isso aconteceu. A produção estava terminada, mas ainda existiam algumas mudanças em arquivos que precisavam ser feitas, e eu não sabia como.
Muitas pessoas se uniram para que o HQ fosse publicado, foi um trabalho em grupo. Jamais deixaria de publicá-lo. Me deixa muito feliz saber que o mundo pode ver o quanto ela era engraçada.
Acredita que o livro ajudou no processo de superação?
Acho que sim, porque tinha algo para olhar e lembrar dela. Ajudei a limpar o apartamento de minha irmã depois que ela faleceu e não tinha nada lá que eu queria levar comigo. Eu já tinha a sua arte.
Como autora, você traz alegria para as pessoas. Essa perda impacta na maneira como você escreve, já que passou por esse momento de dor?
Não sei, não escrevi muito desde o acidente além de "Rainha Charlotte", que foi um tipo bem diferente de livro para mim, porque eu estava trabalhando baseada no script da Shonda Rhimes [produtora da adaptação para a Netflix]. Não era um projeto original. Foi a primeira colaboração que eu fiz.
E como foi escrever a quatro mãos?
Foi incrível e completamente diferente. Não é como se estivéssemos na mesma sala e escrevendo ao mesmo tempo. Shonda fez o script e me entregou. A gente ficava alternando.
A história, na verdade, era dela, baseada em um dos meus personagens. Aí eu peguei aquela trama e a deixei ainda maior. É preciso entrar na cabeça dos personagens. Não quero dar spoiler, mas existe uma parte que é escrita do ponto de vista do George que é fascinante.
Assim como a cena em que Charlotte avisa a Lady Danbury que ela viverá naquele palácio, onde rola um diálogo mais longo e profundo, mostrando mais de onde veio a amizade entre elas. Foi muito divertido poder me aprofundar desta forma. As pessoas que escolhem ler o livro além de assistir a série têm acesso a mais uma camada da história.
Você se sente pressionada ao criar novas histórias? Seus fãs são dedicados e já amam tudo o que escreveu. Têm medo de fazer algo que não ficará tão bom?
Se eu vou publicar um livro, tenho que me orgulhar dele e achar que meus fãs também vão gostar.
Nunca vou escrever algo que todos vão amar, mas preciso produzir uma história que vai deixar, pelo menos, boa parte dos meus fãs com vontade de rir ou chorar. Sinto que tenho que fazer um bom trabalho nesse sentido.
Há uns anos não era comum encontrarmos tantos romances LGBTQIAP+ e em "Rainha Charlotte" há um romance gay. Você tem um livro preferido de romance com esse tema?
Existe uma autora que eu gosto muito, chamada Cat Sebastian, que escreve romances de época com personagens LGBTQIAP+. Ela é muito boa.
Em "Rainha Charlotte" tem o romance entre Brinsley e Reynolds, mas nunca escrevi um livro focado só nisso. Decidi que tinha que fazer uma pesquisa, li um dos livros da Cat e achei incrível. Ela é uma ótima autora. Mas há muitas outras, o que é ótimo. Não sei se planejo escrever um romance queer, mas quero dar holofotes para isso e mostrar para as pessoas que eles existem.