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'Muito bom ser amada': ela foi adotada aos 17 anos e ganhou quatro irmãos

Natália e a mãe, Fernanda; adoção ocorreu quando ela tinha 17 anos Imagem: Arquivo Pessoal

De Universa, em São Paulo

06/10/2023 04h00

Natália, de 17 anos, não tinha mais esperanças de ser adotada quando conheceu o casal Fernanda e Maurício Fabris, que moram em Indaiatuba (SP). Em um abrigo desde os 15 anos, ela sabia que, por causa da idade, seria difícil encontrar uma família antes que atingisse a maioridade.

"Por ser mais velha, eu não tinha esperanças de ser adotada, mas quando meus pais entraram com o pedido, eu fiquei muito feliz. Foi algo tão natural", disse ela, em entrevista ao UOL.

O receio de Natália é comprovado pelas estatísticas. A adoção de adolescentes é muito mais rara do que a de crianças pequenas. Segundo o Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento, os adolescentes representam 48% do total de pessoas abrigadas e aptas para adoção no Brasil.

Das 17,8 mil adoções realizadas entre 2019 e 2023, apenas 1.014 eram de pessoas com mais de 12 anos — ou seja, pouco mais de 5,5%.

'É muito bom ser amada'

Os três se conheceram em um projeto social no interior de São Paulo por volta de setembro do ano passado. Fernanda e Maurício eram "padrinhos" de Natália, pessoas de referência para adolescente. Ela já era incluída nos passeios da família, mas não podia ser considerada filha deles. A convivência não foi fácil desde sempre.

No começo, eu os rejeitei bastante por desconfiança. Não confiava direito nas pessoas, tinha medo de criar expectativas, querer e não poder ter. Mas resolvi aceitá-los na minha vida.

Com a aproximação, Natália passou a frequentar mais a casa do casal e ter contato com os outros quatro filhos deles: Flávio, Flávia, Fabricio e Arthur — todos irmãos, adotados em 2019.

"Quando o abrigo me avisou que eles queriam me adotar e perguntaram se eu aceitaria, respondi que sim. O carinho que eu tenho por eles é tão grande, era como se eu já estivesse na família há muito tempo", diz ela.

Natália está terminando o ensino médio e pesquisa sobre qual faculdade fazer. No tempo livre, gosta de ler e viajar com a família.

É muito gostoso ter irmãos, ter uma família. É muito bom ser amada. Eu não tinha noção do que era isso, não tinha nem expectativas. Mas, se eu tivesse, todas teriam sido superadas.

Um sonho de infância

Fernanda, mãe de Natália, queria adotar desde que tinha 13 anos. Quando começou a namorar Maurício, ela deixou muito claro que aquele era seu sonho —e ele a apoiou.

Fernanda tinha o sonho de adotar, e hoje é mãe de 5 filhos Imagem: Arquivo Pessoal

Por 11 anos, o casal até tentou ter um filho biológico, mas não conseguiu. Segundo ela, nenhum exame explicou a dificuldade que eles tinham. E, mesmo assim, durante muito tempo, a decisão pela adoção foi adiada. Nunca parecia a hora certa.

"Eu tinha na cabeça que, para adotar, você tinha de ter uma estrutura financeira boa e estável, com casa própria. Como boa parte das pessoas, eu também carregava mitos da adoção."

Foi só em 2019, quando já estava no doutorado, que Fernanda encontrou na internet uma campanha do Tribunal de Justiça de São Paulo chamada "Adote um Boa Noite". O programa tem o objetivo de estimular a adoção de pessoas com mais de 7 anos.

Quando eu vi a penúltima foto, vi que eram meus filhos. Foi uma coisa bem diferente. Eu entrei no processo de adoção por causa deles. Nós batalhamos muito, a gente ainda tinha de passar por todo o processo de habilitação [quando a documentação dos pretendentes é avaliada para que eles possam de fato adotar].

Em seis meses, Fernanda e Maurício já estavam com os quatro filhos em casa. Na época, o mais novo, Arthur, tinha 3 anos. E o mais velho, Flávio, tinha 11. Hoje, as idades deles vão de 7 a 15 anos. Natália chegou para ser a irmã mais velha.

'Vi dor e sofrimento pela idade'

Depois que adotou os quatro em 2019, Fernanda resolveu estudar mais sobre o assunto e começou a frequentar instituições que orientam sobre crianças e adolescentes acolhidos. Foi em um desses lugares que ela e Natália se conheceram.

A Naty tinha 16 anos, estava para completar 17 na época. Eu cheguei e falei: 'que legal, você vai completar 17 anos!'. Ela respondeu: 'legal para você, não para mim'. Aquilo me chamou muito a atenção, vi nela uma dor e sofrimento pela idade.

"Foi um relacionamento tão leve que, quando a gente percebeu, a Naty não era nossa afilhada. Ela era nossa filha, estava presente nos momentos mais importantes da nossa família, já tinha um vínculo comigo", disse Fernanda.

Natália, os pais e os quatro irmãos Imagem: Arquivo Pessoal

Quando ela e o marido se deram conta disso, no começo de 2023, eles pediram autorização para entrar com o processo de adoção, que aconteceu de uma maneira diferente desta vez.

A adoção solicitada por eles foi a por vínculo, em que a família tem de provar ao juiz que já existe afeto entre as duas partes. O processo ainda está correndo, mas Natália já mora com o casal e os irmãos.

'Crianças não imploram por pais'

Fernanda considera que a maior dificuldade da adoção não é lidar com a criança ou o adolescente, mas com as próprias expectativas.

"A gente tem de entender que a criança vem com uma história e isso não pode ser apagado. Você precisa ter muito respeito e entender que ela precisa de um tempo para aceitar a adoção e entender o que está acontecendo", disse.

Uma das visões muito erradas do processo é a de que essas crianças estão implorando por pais. E, não, eles não estão pedindo para serem adotados. Isso é um mito. Eles não queriam que tivesse acontecido nada do que aconteceu com eles.

Para ela, quando a família entende isso, é mais fácil perceber por que as adaptações podem ser difíceis no início, independentemente da idade da criança ou adolescente.

"É um processo difícil para os pais, mas ainda mais difícil para eles. Quanto mais respeito e empatia, mais leve fica."

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