'Ganhei confiança': procedimentos reforçam identidade de pessoas trans
Seeley Joseph Monteiro, 26 anos, tinha um problema ao acordar. Não importa qual roupa ele escolhesse para vestir, sempre chegava ao mesmo resultado: a incapacidade de esconder seus seios.
Isso ocorria porque ele sofria da sina comum a homens trans de tentar —e não conseguir— disfarçar algumas características físicas indesejadas.
Para contornar o inconveniente, os homens trans têm algumas soluções: usam roupas mais largas do que o necessário, evitam peças brancas ou recorrem ao binder.
O acessório se assemelha a uma faixa e é usado para reduzir o tamanho dos seios. Porém, além de ser desconfortável, o recomendado é que seja usado, no máximo, por oito horas por dia, pois pode machucar e até prejudicar a postura.
"Mas eu usava mais que isso: das 6h até as 23h30", conta Seeley.
O fim do problema veio quando ele realizou a mastectomia, ou seja, a cirurgia para retirada dos peitos. A cirurgia, que é oferecida gratuitamente pelo SUS, tem um significado profundo para homens trans: a conquista de liberdade e a melhora da qualidade de vida.
"Eu fiquei mais confiante, minha autoestima também melhorou muito", ele diz.
A alteração também melhorou sua vida profissional em diversos aspectos. Um deles é não precisar mais vigiar constantemente o binder, que pode sair facilmente do lugar, o que exige uma visita ao banheiro para ser recolocado corretamente.
Aluno do curso de medicina da UEFS (Universidade Estadual de Feira de Santana), na Bahia, Seeley conta que os efeitos da mastectomia também o ajudaram nas relações sociais, especialmente com desconhecidos.
Estética para realçar identidade
Quando falamos de mulheres trans, o escopo é diferente. Para elas, há a necessidade de fazer uma quantidade maior de procedimentos para atingir o ponto desejado.
A produtora de moda Fedra Ferreira, 31 anos, por exemplo, realizou alterações estéticas no rosto, como a aplicação de toxina botulínica no maxilar.
"Eu trabalho com beleza, com moda. Isso faz alguma diferença. As pessoas têm uma impressão de mim, que faz parte da estrutura do mercado do seu trabalho", explica.
Fedra começou sua transição de gênero pouco depois do início da pandemia de covid-19. Durante esse período, ela percebeu diferenças na sua vida profissional.
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Quero receber"Outro ponto que melhorou foi que eu comecei a me sentir à vontade quando as pessoas me maquiam para fazer fotos para um evento ou uma sessão. E aí, eu consigo me sentir bonita", acrescenta.
E se engana quem acredita que homens e mulheres trans optam por esses procedimentos por um desejo de se afirmarem mais homens ou mulheres.
"Existem muitas particularidades, até porque as identidades trans não são tão binárias assim. Há um aspecto fluído entre o feminino e o masculino", diz a dermatologista Bianca Viscomi.
Ela é especialista em tratamentos estéticos para transexuais, uma área em que, infelizmente, há pouca pesquisa. E, por causa disso, muitas vezes a população procura a ajuda de profissionais que não estão preparados para aplicá-los, o que pode gerar riscos.
Os motivos pelos quais a população trans procura tratamentos estéticos também é diferente. Em primeiro lugar, por causa da disforia de gênero, que dificulta a identificação da pessoa consigo mesma.
"Ter uma face que você olha e se reconhece é algo muito importante, ou seja, as pessoas se beneficiam demais do tratamento", acrescenta Viscomi.
Ela é uma das poucas médicas que faz pesquisas específicas para a comunidade trans. O interesse começou quando ela foi procurada por um amigo que queria ficar com o rosto mais andrógeno.
Depois, por indicação dele, outros clientes começaram a procurá-la, precisando de tratamentos específicos e que não haviam sido explorados pela literatura médica até então.
"É na literatura específica que nós vamos descobrir as técnicas, as quantidades de produtos, a forma de acessar a face. Uma validação científica é necessária para as intervenções".
A importância dos tratamentos, aliás, não é só estética. E, em um país com muita violência contra a população LGBT, pode significar a diferença entre a vida e a morte.
No final, o que a população trans procura é a mesma liberdade de expressão que outras pessoas.
"O que me fez acreditar nesse processo é a possibilidade de eu ser eu mesma, só que com mudanças que me fazem ser mais próxima do que eu realmente sinto. Nós precisamos realçar a nossa individualidade, até porque já somos totalmente fora do padrão", conclui Fedra.
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