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Ícaro Silva e racismo na época de Malhação: 'Era hit e não dava entrevista'

De Universa, em São Paulo

02/11/2023 04h00

No segundo episódio do 'Maria vai com os Outros', programa de Universa que estreou na última quinta-feira (26), a atriz e colunista Maria Ribeiro vai até a casa da diretora Amora Mautner, e juntas elas recebem o ator Ícaro Silva. Em um bate-papo que começa na cozinha e termina no closet de Amora, Ícaro fala da primeira vez em que apareceu na televisão, conta como foi a infância na periferia paulista e comenta sobre o racismo que sentiu quando era ator de "Malhação".

Ícaro tinha apenas 8 anos de idade quando foi parar na TV Globo. O motivo, porém, ainda não tinha nada a ver com atuação: ele se destacou por ter escrito um livro de histórias infantis. O ator conta que sua habilidade só ficou conhecida graças à sua mãe.

"Em 1995, morando na favela em Diadema [município que fica na Grande São Paulo], em um barraco de madeirite, minha mãe foi atrás de conseguir o telefone da produção do Fantástico para falar 'meu filho tá escrevendo um livro aqui na favela', vocês têm que ler'", diz o artista.

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A situação era difícil, mas Ícaro afirma que a mãe sempre o incentivou a seguir seus sonhos. "Eu queria ser artista, mas também tinha uma estrutura de sobrevivência, precisava de dinheiro".

Ele migrou para a televisão aos 13 anos, atuando em novelas da Band, da RecordTV e do SBT. Até que decidiu fazer um teste para atuar em "Malhação", aos 16 anos. Deu certo: entre 2004 e 2007, Ícaro viveu seu personagem mais marcante, o Rafa.

O ator diz que a fama, porém, não veio acompanhada de reconhecimento midiático.

Eu era um hit na Malhação, era a pessoa mais conhecida, muito famoso, bombou muito, era eu e o Sérgio Hondjakoff, o "Rafa e o Cabeção", fui capa do CD de Malhação, já fui perseguido por 500 pessoas no shopping e, mesmo assim, não fazia matéria, não fazia entrevista, não ganhava jabá, não era chamado pra comercial, pra festa de adolescente. Sempre senti a retranca e a barreira do racismo. Ícaro Silva, em entrevista para 'Maria vai com os Outros'

Ao discutir a escassez de personagens negros na TV na época, Ícaro afirma que o problema era estrutural. "Não é que o diretor Fernando Rancoleta [que era diretor de elenco da TV Globo] que falava 'não, não quero'. É que não tinha alguém escrevendo [roteiros com personagens negros], porque ser negro era ser estrangeiro, exótico", disse o artista.

"Hoje, você pode escolher o ator que quiser, mas antes não tinha na sinopse 'Maria, negra, 35 anos'. Nunca que a personagem ia ser negra". Maria Ribeiro e Amora Mautner concordam: "Era um personagem negro por programa".

Malhação foi um lugar onde eu senti muito isso, porque era eu e um monte de meninos brancos na capa da Capricho. Ícaro Silva

O ator diz que a diferença social entre eles e os jovens com quem contracenava também era visível: "Os meninos tinham muito dinheiro, tinham moto, compravam coisas, viajavam, e meus pais continuavam morando na favela".

A ascensão social proporcionada pela carreira mudou sua visão sobre algumas coisas que pareciam banais na infância, afirma Ícaro.

"A gente era muito pobre mesmo, tinha que atravessar córrego, coisa que eu hoje em dia não entendo mais e não normalizo mais. Fui pra Recife, por exemplo, vi casa de palafita, e falei 'caralho, casa de palafita, não tem que ter'", diz o ator, ressaltando o papel de sua mãe, Josefa Maria, em sua trajetória.

Quando eu era criança, é dolorido falar isso, mas é bem honesto mesmo: várias vezes eu tinha vergonha da minha mãe, porque minha mãe não tinha formação. Fui uma criança de favela que estudou em colégio de playboy, porque eu ganhei bolsa, então as mães dos alunos tinham formações, era uma mãe dentista, uma mãe não sei o quê, mas hoje eu olho e vejo que minha mãe tem uma sabedoria, uma inteligência única. Ícaro Silva.

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