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'Não-mono' ou ficante premium? Termo fica popular nos apps de namoro

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Natália Eiras

Colaboração a Universa

14/11/2023 04h00

A recepcionista Taís Cunha, 22, está há tempos nos aplicativos de namoro, mas não consegue embarcar em uma relação mais longa. "O problema parece ser o fato de que eu quero ter um relacionamento monogâmico, mas as pessoas da minha idade não querem mais nada exclusivo", diz.

Segundo ela, os usuários têm colocado nos perfis que são "não-monos". "Até saí com alguns meninos e meninas não-monogâmicos, mas quando comecei a gostar de uma delas eu decidi terminar. Não sei se é para mim."

A impressão da Taís não está enganada. A não-monogamia está em alta, virou pauta de discussão em perfis especializados e muita gente ficou curiosa em experimentar o formato de relação. Principalmente nos aplicativos de namoro.

Um levantamento feito pelo aplicativo Happn para o UOL com aproximadamente 1.500 usuários mostrou que 45% dos brasileiros buscam por um relacionamento não-monogâmico dentro da plataforma. Além disso, apesar de 73% dos entrevistados terem dito que nunca estiveram num relacionamento não-exclusivo, 55% falaram que gostariam de experimentar esse formato de relação.

Apenas em 2023, o número de pessoas que usou o termo "não-monogamia" em suas bios cresceu 114% em comparação ao ano anterior.

Já uma pesquisa feita pelo Tinder, em outubro de 2023, foi constatado que as mulheres colocam "não-mono" em seus perfis 23% a mais que os homens. A palavra é mais popular entre os usuários dos 23 a 27 anos, que utilizam o termo 20% a mais do que os da faixa dos 28 a 32 anos e 70% a mais que os de 18 a 22 anos.

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Não-monogamia não é bagunça

A não-monogamia é um guarda-chuva que abarca várias dinâmicas diferentes de relacionamentos amorosos não-exclusivos, sendo as mais comuns as relações abertas, em que as pessoas podem ficar com outras sem um envolvimento emocional, ou relacionamentos de poliamor, em que é possível ter várias relações simultaneamente.

Dentro desse conceito, cada casal tem os seus acordos e tipos de contratos. Mas um não tem posse sobre o outro e a dinâmica implica uma simetria, em que ambos podem se envolver com outras pessoas, explica Ligia Baruch, doutora em Psicologia PUC-SP e autora do livro "Tinderellas: o amor na era digital" (Ed. e-galáxia, 2019).

Segundo a psicóloga, a não-monogamia está em alta porque a pandemia, bem como a era digital, aceleram mudanças de comportamento que já vinham acontecendo. "É importante lembrar que tudo que aparece no digital não é um mundo à parte. Os aplicativos são um espelho da pós-modernidade. Essas plataformas, como um produto que segue tendências, tendem a seguir o que as pessoas estão buscando", afirma a especialista. Tanto que o termo foi incluído dentro de suas programações.

Porque a intenção do aplicativo é facilitar a busca. A ideia é oferecer um serviço em que vai haver menos sofrimentos, desencontros, mas a gente sabe que os humanos bagunçam tudo (risos).

E ficante premium?

A estudante Bruna*, 23, estava super envolvida com o cara que ela estava saindo há três meses. Tudo dava a entender que eles iriam namorar. Ele dizia que era uma pessoa não-monogâmica, o que não era um problema para ela. Mas, quando o rapaz falou quais eram as condições, ela não ficou muito feliz: "Você não vai conhecer meus amigos nem minha família. Também vamos nos ver apenas durante a semana".

"Para mim, isso não é um relacionamento. É apenas mais uma forma de ter um ficante, sem qualquer tipo de comprometimento", conta a garota.

Bruna conta que os amigos dela disseram que, na verdade, o pretendente não queria assumir qualquer tipo de relacionamento com ela. Nem mesmo um não-exclusivo.

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É que, por mais que o casal possa conhecer outros parceiros, a não-monogamia ainda é um tipo de relacionamento, em que se espera um compromisso. "E se é uma relação, tem regras implícitas e explícitas, que podem ser quebradas ou renegociadas no fluxo da vida", diz Lígia Baruch.

Porém, tanto a psicóloga como as entrevistadas percebem que há um uso leviano do termo "não-mono" nos aplicativos de relacionamento.

Tem a coisa de estar em alta, então há quem use a palavra para ser 'desconstruído' e ter o passe para fazer o que quiser. Principalmente as pessoas que estão perdidas nessa revolução, comenta a psicóloga.

Bruna, que nunca foi avessa à ideia de uma relação aberta, sente que foi isso que aconteceu com ela. "Ele queria uma ficante premium", afirma. A estudante, que já estudou o assunto, acredita que há um desconhecimento sobre o que é a não-monogamia, o que Ligia Baruch concorda.

"É um jeito superficial de se apropriar dessa dinâmica. De modo geral, as pessoas que não conhecem o que é a não-monogamia sequestram o conceito para o seu bel-prazer, fazer o que está afim sem ter responsabilidade afetiva sobre o parceiro", diz a psicóloga. Esse "sequestro" não é bom para ninguém. Nem para quem procura relações fechadas nem para quem prefere viver relacionamentos livres, já que cria um estigma. Todo mundo sai machucado.

A psicóloga acredita, no entanto, que essa confusão toda nasce de uma necessidade que temos de colocar as coisas "em caixinhas", com etiquetas, quando estamos caminhando para um mundo em que as nossas relações serão mais "fluídas".

Está rolando essa mistura de ficante com relações não-monogâmicas porque precisamos criar um senso de previsibilidade. Por isso está tudo embaralhado.

Mas a Taís pode ficar tranquila: as relações monogâmicas continuarão a existir. Só teremos novas formas de nos relacionar.


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