Thelminha Assis: 'Para mim, o samba é uma forma de autocuidado'
Ela está sambando em um evento que organiza. Ela está adentrando a Amazônia profunda para anestesiar pacientes em uma expedição de saúde. Ela está falando sobre projetos sociais nas redes. Ela está atuando como médica em um programa de TV. Quantas Thelminhas cabem em uma só?
Toda semana, aos sábados, a médica, que mora em São Paulo, vai ao Rio de Janeiro para fazer o Bem Estar no "É de Casa" e participar dos ensaios da Mangueira. Nesta época, com a proximidade do Carnaval, a correria é ainda maior. "Estou começando a intensfiicar minha rotina pensando no Carnaval, que inclui atividade física cinco vezes na semana, principalmente musculação, aulas de samba, caminhada e corrida, para ganhar resistência para dar conta de duas escolas de samba, duas avenidas. O final de semana do Carnaval acaba sendo muito intenso. Gosto de fazer treinos de eletroestimulação também e fisioterapia", conta.
Campeã do Big Brother de 2020, Thelma Assis surgiu para a grande massa no reality, mas se distanciou rapidamente do estereótipo de ex-BBB. Entrou na casa do BBB como uma médica anônima. Saiu com milhões de seguidores que esperavam que ela continuasse com a câmera ligada 24 horas por dia, mas optou por si.
"Eu me sentia mal se não postasse nada, mas decidi ficar mais distante das redes porque não tinha nada de conteúdo para mostrar. Foi libertador entender que, como influencer, vou até onde é confortável para mim. Tem gente que não se importa de se expor ao máximo, mas quem me segue se acostumou com isso: só vou postar se tiver algo novo, alguma viagem, fatos interessantes. É importante fazer o que me faz bem ou teria minha saúde mental abalada com a total exposição", explica.
Ela sabe que está em um lugar privilegiado em relação às pessoas que a seguem, mas evita ostentar demais. Quem está ali se reconhece e se identifica pela batalha, pela luta.
Meu lugar é o de inspiração. Quero me mostrar como uma pessoa que pode ser várias coisas
A busca por excelência e o samba
Mesmo frequentando há anos tantos eventos de medicina, Thelma percebe que é a única mulher preta dos locais em que está inserida.
"Antigamente não me reconheciam como anestesista porque a sociedade não aprendeu a normalizar. Na linha de frente, pediam para fazer coisas que não eram do meu ofício, ou duvidavam de meu potencial". A solução sempre foi mostrar que tinha capacidade.
A gente que é preto não basta ser bom, precisa ser excelente. E tem que continuar buscando excelência sempre
Thelma cresceu com a mãe falando que na sala de aula, não podia tirar menos que nota 7. Deu certo: "Primeiro, consegui quebrar o estereótipo da mulher preta universitária. Depois, da passista ser apenas um corpo burro. Mostrei que posso me divertir no Carnaval e o samba vem cercando tudo isso", diz.
Por isso, criou o evento Sambadela, ambiente em que o protagonismo vai pra pessoas pretas. A segunda edição do evento será dia 26 de novembro, em São Paulo. Desfila pela Mangueira e Mocidade Alegre e mergulha nesse universo desde o fim do ano até o fevereiro seguinte.
"Depois que passar o momento Carnaval, essa loucura que eu amo, vou voltar a anestesiar em expedições. Mas o samba faz parte do autocuidado", diz.
Por ter vivido em espaços brancos, demorou para entender o racismo. Aos 15 anos, passou por um enquadro policial e percebeu que não estava blindada do racismo. Mais tarde, fez a transição capilar, já adulta, para assumir os fios crespos. "Não é só algo estético. É autoconhecimento e me despi da vaidade porque não queria mais me sujeitar à química. Foi uma liberação ver o crespo nascer. A partir daí, comecei a me achar bonita com o cabelo curtinho e o letramento racial veio junto com o crescimento dos fios."
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Quero receberThelma reconhece sua importância para as futuras gerações —faz toda a diferença para as meninas se verem representadas em seu cabelo e cor de pele. "Parece clichê, mas eu sinto muita esperança nas futuras gerações. Há mulheres que dizem 'minha filha se inspira em você porque quer ser médica'. Isso é muito importante. Estou ali para mostrar que se eu, que fui abandonada com três dias de vida e depois adotada consegui, outras pessoas também conseguem", diz.
"As pessoas não estão mais baixando a cabeça. A gente tem que ocupar nosso espaço e lugar. Hoje, há mais grupos de médicos e médicas pretas e quando vejo pessoas que mostram desejo de ser antirracista, acho que o melhor é somar. Mas é um lugar de muita dor: não adianta decorar algumas frases e não seguir isso."
Eu trabalho de outra forma. Questiono a ausência de pessoas pretas na equipe e batalho para que influencers pretas ganhem cachê igual ao das brancas. Perder a paciência, eu só perco com quem é racista mesmo
Expedição de saúde e orgulho da profissão
Ao sair do BBB, em 2020, a anestesista descobriu que a pandemia estava em seu auge. Colegas de profissão na linha de frente, pessoas morrendo e fake news a respeito da ciência reinando absolutas no país. A decisão foi partir para Manaus, lugar que vivia o ápice da crise do oxigênio.
Foi sem falar com a imprensa para não chamar a atenção. No último dia, disseram que estavam receosos de tê-la na equipe, porque achavam que ela só ia querer fazer stories e atrapalhar o trabalho sério que salvava vidas no local. "Ficaram impressionados por eu saber fazer as coisas. Não sou a médica que foi para o Big Brother apenas, sou aquela que estudou nove anos para estar ali", disse.
Anos depois, em 2023, voltou a sentir falta de exercer sua vocação. "Amo câmeras e comunicação, mas não quero perder o conhecimento que adquiri em medicina. Quero achar uma forma de conciliar. Por isso, busquei ONGs para fazer expedições voluntárias. Fiquei mandando mensagens infernizando eles, que deviam pensar que eu não preciso estar ali e, se estou, é porque quero muito", diz. Nos hospitais públicos paraenses, montaram centros cirúrgicos. Thelma voltava exausta, mas feliz por manter-se ativa na medicina.
Uma das coisas que me orgulho na vida é ter conquistado minha profissão --apesar de tão elitilizada Thelma Assis, médica
A junção de medicina e comunicação lhe rendeu um posto na Globo, como comentarista de saúde do programa Bem Estar. Um salto daqueles: de entrar no BBB com medo do preconceito profissional a um trabalho na emissora e o feedback positivo na sociedade de medicina, dando palestras em hospitais e congressos e recebendo convites para fazer campanhas.
Ao faturar o prêmio máximo do reality, Thelma pensou que deveria abrir a própria ONG. "Trabalho social foi uma porta que abriu dentro do meu coração, é muito importante pra mim. Mas porque abrir uma nova ONG se há tanta gente fazendo trabalho legal? Seria mais útil ajudando os trabalhos que já existem. Do ponto de vista médico, entro com prazer em qualquer projeto social que se conecte com meu propósito. É uma oportunidade de retribuir a guinada que dei na minha vida —já fazia isso com medicina e agora faço junto com comunicação", conta.
Acreditar no que faz é e ajudar as pessoas, para ela, uma forma de autocuidado. "Fazer trabalho voluntário é prevenção pra demência e vivemos atualmente uma epidemia de solidão, principalmente nos idosos. Como se blindar disso tudo? Ajudando pessoas. Com certeza eu acredito nisso", diz.
Estética e envelhecimento
A paulistana, que já fez procedimentos estéticos e, inclusive, teve complicações após um deles, hoje defende corpos corpos naturais e garante que estrias e celulites devem ser exaltadas.
"O que aconteceu comigo foi uma consequência dos padrões que as pessoas colocam sobre as mulheres. Temos que ser perfeitas. Hoje, acho que tenho que valorizar meu corpo como ele é. Tem qualidade? A gente exalta. Tem o que comumente se chama por aí de defeito? Não tem que ter vergonha de mostrar. Nós temos fortalecido uma às outras para se preocupar com o corpo apenas do ponto de vista de saúde", diz.
O mesmo vale para o envelhecimento: o tempo passa rápido, mas o foco é saber como estamos passando o tempo. "Envelhecer não me preocupa, quero ter qualidade de vida e fazer o que gosto", conta.
A pressão pela maternidade, ela resolveu congelando óvulos. E segue afirmando ser do Carnaval, sua grande paixão. Frequenta avenidas de escola de samba há cerca de 20 anos e brinca com as amigas que isso não tem fim: estará na velha guarda um dia.
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