'Meu marido me agredia e o pastor dizia que era porque eu não orava'

A bancária Maria*, 37, sofria agressões do marido na própria casa, em Taboão da Serra (SP). Ao pedir ajuda ao pastor da igreja que frequentavam, foi considerada "culpada" pela violência e orientada a não se divorciar.

Só depois de uma internação, ela conseguiu deixar o relacionamento de 11 anos. Em outra igreja, encontrou acolhimento e cultos em que o pastor orienta: violência contra a mulher é crime e precisa ser denunciado. A Universa, ela contou sua história.

'Muitas humilhações'

"Tinha 17 anos quando comecei a me relacionar com o meu ex-marido, que conheci na igreja. Aos 21 anos, decidi morar com ele.

Nos casamos no civil e logo depois ele se mudou de país. Sustentamos o relacionamento a distância por cerca de um ano e quando ele retornou foi que realmente começamos a ficar juntos. E aí começaram as agressões.

Eram muitas discussões, humilhações —até da família dele. O pai dele era uma pessoa agressiva e acabei apanhando do meu sogro.

Naquela época, recorri ao pastor da igreja [um templo neopentecostal] e contei o que estava acontecendo. Ele me disse que eu não estava orando o suficiente, não estava buscando Deus e, por isso, eu poderia estar despertando essas agressões dele.

Acreditava piamente que o problema era eu, que eu tinha uma personalidade muito forte, que era muito nova e ainda não estava formada. Acreditava que tinha culpa.

Aos 24 anos, engravidei do meu primeiro filho e sofri muitas agressões na gestação. Uma vez, no inverno, ele chegou sorrateiramente e desligou a luz só para me assustar enquanto estava tomando banho. A água ficou gelada e tive uma crise de choro. Já estava com sete meses de gestação.

Outra vez, ele me jogou da escada e era comum que me batesse com toalha molhada para não deixar marca.

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Assim que tive o bebê, meus pais foram ao hospital e resolveram me acolher porque ficaram com dó da criança. Foi quando me separei pela primeira vez.

Saí de casa e retomei minha vida, mas meu ex-marido voltou, dizendo que tinha retornado à igreja, e resolvi reatar porque acreditei que ele tivesse realmente mudado.

Voltamos à igreja e o pastor disse que construir um relacionamento é muito mais fácil do que reconstruir, que reconstruir seria um desafio, mas apoiou que tentássemos. Ele ficou quase um ano tranquilo, sem nenhum tipo de agressão —até que tudo voltou.

Meu filho chegou a ver essas situações e começou a fazer terapia na época: me viu até apanhando com cabo de vassoura.

Além das agressões físicas, sofria uma pressão psicológica muito grande. Ele dizia que ninguém ia me querer, que meus pais não me toleravam. E juntou com a questão da igreja, porque eu sentia culpa... com isso de dizerem que a Bíblia condena o divórcio —o que não é verdade.

Uma psicóloga que frequentava a mesma igreja sempre falou para mim que eu nunca escutaria do pastor que era para sair dessa situação —mesmo que eu devesse fazer isso. Ela me encorajava a sair, me dava um suporte psicológico. Naquela igreja, tomar uma atitude assim era sinônimo de estar 'endemoniada', com problema espiritual.

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'Despertei após doença'

Acabei engravidando de um segundo filho e, um tempo depois, parei no hospital para tratar uma questão neurológica. Tive um AIT (Acidente Isquêmico Transitório) e fiquei na UTI. Esse foi o meu despertar.

O médico, na época, questionou o que estava me matando, o que tinha me deixado com tanto estresse, e percebi que se eu continuasse com ele estaria criando duas crianças que bateriam nas esposas achando que é normal —e pior: morreria, deixando meus filhos sem mãe.

Pedi para ele sair de casa, mas ele disse que não sairia e partiu para cima de mim, chamei a polícia. Tive de reconstruir minha vida do zero e mudei de igreja.

Na adolescência, tinha me batizado em uma igreja cristã reformada e resolvi voltar. Falei com o pastor o que tinha acontecido. E ele disse: 'se ele te machucou, se te violentou, ele deveria estar na cadeia. Você não tem que se questionar sobre isso porque é crime'.

Nessa igreja, há um grupo de apoio a pessoas divorciadas, que comecei a frequentar. Tinha mulheres que foram traídas, com maridos que fizeram violência patrimonial e as deixaram sem dinheiro, mulheres que tiveram de abandonar a profissão pelo casamento... São vários tipos de violência e a gente se apoiava.

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Hoje, sou casada com outro homem, estou em um relacionamento muito mais saudável e com meu terceiro filho. Continuo frequentando a igreja e professando minha fé, mas agora em um espaço acolhedor.

Já vi várias vezes meu pastor falando que violência doméstica é crime. Ele sempre frisa isso nos cultos. Lá não me sinto acusada, ninguém me questiona ou aponta o dedo para mim.

Espero que essa história possa contribuir para que mulheres que estejam na mesma situação saiam desse peso. Nada é eterno. A gente pode dar fim às coisas."

Em caso de violência, denuncie

Ao presenciar um episódio de agressão contra mulheres, ligue para 190 e denuncie.

Casos de violência doméstica são, na maior parte das vezes, cometidos por parceiros ou ex-companheiros das mulheres, mas a Lei Maria da Penha também pode ser aplicada em agressões cometidas por familiares.

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Também é possível realizar denúncias pelo número 180 — Central de Atendimento à Mulher — e do Disque 100, que apura violações aos direitos humanos.

Há ainda o aplicativo Direitos Humanos Brasil e através da página da Ouvidoria Nacional de Diretos Humanos (ONDH) do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MMFDH). Vítimas de violência doméstica podem fazer a denúncia em até seis meses.

* O nome foi trocado para preservar a identidade da vítima.

Errata:

o conteúdo foi alterado

  • O antigo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos agora é o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania. O conteúdo foi corrigido.

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