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Violência não letal contra a mulher cresce 19% nos últimos cinco anos

A violência física é que apresenta o maior número de registros todos os anos Imagem: iStock

Do UOL, em São Paulo

25/11/2023 04h01

Um estudo do Instituto Igarapé antecipado pelo UOL mostra que nos últimos cinco anos (2018-2022), a violência não letal contra a mulher cresceu cerca de 19%. Nos últimos dez, o aumento foi de 92%.

O levantamento foi realizado pela instituição com apoio da Uber. As violências não letais são aquelas que não resultam em morte. As mais praticadas contra mulheres são a física, sexual, psicológica e patrimonial.

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O relatório destaca crescimento nos registros de todas elas quando os dados de 2022 são comparados aos de 2018. Os dados foram coletados da plataforma EVA (Evidências sobre Violências e Alternativas para mulheres e meninas) do instituto — a ferramenta consolida os registros dos sistemas oficiais de saúde e dos órgãos de segurança pública do país.

É importante ressaltar que os números são de ocorrências, não de vítimas, já que uma mesma mulher pode ter denunciado mais de um tipo de violência que sofreu.

Foram registrados 277.535 casos de violência não letal em 2022: 141.914 registros de violência física (+8,3%), 76.016 de violência psicológica (+23,2%), 53.564 de violência sexual (+45,7%) e 6.041 de violência patrimonial (+56,4%). As principais vítimas são mulheres negras. Proporcionalmente, elas eram 52% em 2018. Em 2022, passaram a ser 56,5%.

Na maioria dos casos, os agressores são companheiros ou ex-companheiros dessas mulheres.

Violência não letal x homicídios

Vivian Calderoni, coordenadora de programas e pesquisas do Igarapé, destaca que o homicídio costuma ser o principal indicador de índices de violência. Neste sentido, as mulheres, de fato, não são maioria no Brasil. Mas elas são as principais vítimas de todos os outros tipos de violência, muitas vezes consideradas de "menor gravidade" porque não resultam em morte.

A violência contra a mulher se dá em outras dimensões também, e de forma muito severa. Quando as políticas públicas optam por olhar para os índices de homicídio, acabam por gerar um apagamento da violência contra a mulher, porque as mulheres são as maiores vítimas de todas as violências, com exceção do homicídio. É muito importante chamar a atenção..

Além disso, as violências não letais integram um ciclo que pode, muitas vezes, culminar em feminicídio. Quando se fala nesse tipo de crime — o assassinato motivado pelo gênero — os números são diferentes dos dados gerais de homicídio. Neste caso, houve salto de 18% nos últimos cinco anos — de 1,1/100 mil mulheres em 2018 para 1,3/100 mil mulheres em 2022.

Só no ano passado, foram registrados 1.430 casos de feminicídio no Brasil, ou seja, em média, quatro mulheres assassinadas por dia. Em 2018, os feminicídios representavam cerca de 27% das mortes violentas, em 2022, eram 35%.

Os principais tipos de violência não letais

No último ano foram registrados 141.914 casos de violência física contra mulheres. Em 2018, foram 131.009. Trata-se da principal forma de violência não letal praticada contra mulheres no Brasil.

A segunda maior é a psicológica. Foram 76.016 registros em 2022 ante 61.659 em 2018. Elas passaram de 62,7/100 mil mulheres em 2018 para 77,3/100 mil mulheres em 2022. Nos últimos dez anos, o aumento foi de 84,9%.

Neste caso, o aumento pode ser explicado, possivelmente, por uma maior percepção do que é violência de fato — não só aquela que deixa marcas físicas. Vivian avalia que muito dessa compreensão da violência psicológica ser "menos grave" é produto da cultura patriarcal.

A violência sexual é a terceira mais comum: 53.564 casos foram registrados em 2022, ante 36.795 em 2018. Neste caso, ainda que sejam maioria dos registros, a expressão não abrange apenas o estupro.

O levantamento considera a classificação da Lei Maria da Penha, que tipifica a violência sexual como qualquer conduta que "constranja a mulher a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos".

Se considerados os últimos dez anos, a taxa de violência sexual mais do que dobrou no Brasil: em 2013, era de 23/100 mil mulheres; em 2022, foi de 54,5/100 mil mulheres.

Violência patrimonial

A violência patrimonial é tipificada na lei Maria da Penha mas, muitas vezes, suscita dúvidas sobre o que ela realmente trata. Uma mulher é vítima de violência patrimonial quando tem seus bens retidos, subtraídos ou destruídos — isso vale para dinheiro, objetos de trabalho ou mesmo documentos.

Em 2022 foram registrados 6.041 casos. Dentre os tipos de violências não letais praticadas contra mulheres, a patrimonial é a com menor número de ocorrências. Por outro lado, é a que apresentou o maior aumento. O levantamento mostra que taxa de mulheres vítimas saltou de 3,9/100 mil mulheres em 2018 para 6,1/100 mil mulheres em 2022 — a maior já registrada na série histórica da base de dados sistematizada pelo Igarapé, que compila informações desde 2009.

Um caso recente recente que veio a público no último mês foi o da apresentadora Patrícia Ramos. Ela acusou o ex-marido, Diogo Vitório, de uma série de violências — dentre elas, a patrimonial. Patrícia diz que seu ex-marido exigiu o valor de R$ 400 mil para a assinatura do divórcio. Além disso, ele teria aberto uma conta no nome dela, sem que ela soubesse, para receber os cachês dos trabalhos da então esposa.

O estudo indica que mulheres negras eram 41% das vítimas de violência patrimonial em 2018, percentual que subiu para 47% em 2022. No caso de mulheres brancas, houve queda de 6% na proporção.

Segundo Vivian, é difícil determinar qual é o fator que explica um aumento tão considerável no número de registros. Pode ser que as vítimas estejam mais cientes do que é a tipificação, mas também que os agentes de segurança ou operadores de justiça estejam fazendo o registro de forma mais correta e precisa.

A especialista pondera que esse tipo de violência é um dos ensejadores para um ciclo ainda pior de violências. A melhor forma de combatê-la é por meio de políticas públicas que trabalhem a autonomia financeira da mulher, preferencialmente por meio da transferência monetária direta.

Pode ser que as mulheres chegassem anteriormente relatando uma situação de violência patrimonial e o operador da justiça entendesse que não é uma violência, não é um crime que não deve ser registrado, ou registrar como ameaça, ou como assédio moral.

O entrave da subnotificação

Em 2020, primeiro ano da pandemia da Covid-19 em todo o mundo, todas as estatísticas de violência contra a mulher — que vinham em uma crescente — diminuíram abruptamente. Isso não significa, no entanto, que menos mulheres foram vítimas, mas que muito provavelmente muitos casos foram subnotifcados, ou seja, não comunicados às autoridades.

Apesar da dificuldade que subnotificação traz para a análise estatística, o que se sabe é suficiente para entender a gravidade da situação e as suas dimensões. Neste sentido, Vivian afirma que é possível desenhar políticas públicas mais robustas do que as que existem hoje — sobretudo, as que são voltadas para a prevenção da violência.

É fundamental e faz parte do pacote de políticas públicas a melhoria de dados, transparência e a conscientização da população da importância de registrar as violências, até para que isso fomente o ciclo de políticas preventivas. O Brasil tem avançado mais nas políticas de proteção, que é quando já tem um risco. É fundamental, agora, que o investimento maior sejam nas políticas de prevenção, para mudar o cenário.

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