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'Não vou ficar com mulher doente': meu marido me deixou ao saber de câncer

Wanessa diz que marido pediu separação assim que ouviu sobre diagnóstico Imagem: Arquivo Pessoal

De Universa, em São Paulo

30/11/2023 04h00Atualizada em 20/12/2023 16h33

Wanessa Abreu, 46, recebeu o diagnóstico de câncer de mama em janeiro. A dentista dividiu a notícia com o marido, com quem era casada havia 15 anos, e foi surpreendida pela reação do homem, que pediu a separação na mesma hora. O ex-marido nega (leia nota abaixo).

"Ele disse: 'Bom, não vou ficar com mulher doente. Se você quiser que eu fique aqui para ajudar com as meninas, eu fico. Mas eu e você não vamos ter mais nada", diz a paranaense, que tem duas filhas com o ex, ainda crianças.

Casos de mulheres abandonadas pelos parceiros após a descoberta de uma doença grave não são raros. Em 2019, uma pesquisa das universidades de Stanford e Utah e do Centro de Pesquisa Seattle Cancer Care Alliance, dos Estados Unidos, indicou que a mulher tem seis vezes mais chances de ser deixada pelo marido após um diagnóstico complexo.

'Me vi sozinha'

Wanessa descobriu que seu tumor era maligno e com metástase no pulmão e nos ossos. "Me vi sozinha", diz. Sem apoio do marido, contou com a mãe, "que deixou toda a vida dela, no interior, e veio para Curitiba".

Menos de 20 dias depois da confirmação do câncer, o marido de Wanessa já tinha saído de casa. Ela passou a fazer terapia e teve de reduzir o volume de trabalho para cuidar da saúde —principalmente da mental, afirma.

Eu trato pelo SUS e fiquei quatro meses esperando para começar a químio. Enquanto isso, o homem tinha saído de casa e me deixado com duas crianças, sem conseguir trabalhar direito e com contas vencendo.

Wanessa descobriu que não tinha possibilidade de cura e hoje a expectativa é apenas controlar a doença.

"Soube que ia ser uma paciente paliativa e pirei de novo nesse diagnóstico. Mesmo diante de tudo isso, ele entrou na Justiça contra mim, querendo a dissolução de união estável e a guarda compartilhada das minhas filhas."

A dentista e o ex-marido já passaram por seis audiências de conciliação —na primeira, ela chegou a concordar com as demandas do ex, mas afirma que estava afetada pelo momento turbulento na saúde e, hoje, luta para reajustar os direitos das filhas.

Não tinha forças, estava totalmente fora de mim e achava que ia morrer no outro dia, então não discuti.

O câncer e outras agressões

Wanessa decidiu ir ao ginecologista depois que sua mãe percebeu um formato estranho no seio da filha. Com casos de câncer na família —a avó materna morreu de câncer de mama— Wanessa resolveu ouvir o alerta.

A gente estava na praia, quando minha mãe falou que meu seio estava estranho. Eu falei pra ela: 'Vejo que o mamilo inverteu, só que não sinto nada'. Porque eu não sentia mesmo, nódulo algum.

Durante a mamografia, Wanessa viu a técnica em radiologia repetindo diversas vezes o exame. Demorou alguns minutos para que o médico confirmasse o câncer.

"Comecei a chorar, mas o laudo não saiu no mesmo dia. Vim pra casa e falei com o meu marido: 'Olha, eu fui lá, fiz os exames, e pode ser um nódulo maligno'. E ele só respondeu: 'Não vai dar em nada'".

'Era maltratada'

Depois de se separar, Wanessa passou a analisar os anos que passou ao lado do ex.

A dentista conta que sofreu com uma compulsão por compras durante o casamento e que era humilhada pelo marido por não conseguir controlar o vício —sustentado 100% com o trabalho da dentista.

Trabalhei toda a pandemia. Ele não trabalhou tanto porque era chef de cozinha, ficava entre idas e vindas. Eu não via problema algum nisso, mas ele queria que eu guardasse dinheiro e não gastasse nada.

Segundo Wanessa, ela passou a entregar todos os seus ganhos nas mãos do marido, que dizia ter um destino para o dinheiro.

Ele me humilhava, dizia que eu era maluca. Só que hoje eu olho para trás e vejo que a compulsão que eu tinha era porque eu era tratada mal, nunca fui amada ou respeitada. Comprava para me sentir mais importante diante dessa situação.

Afetada pelas críticas do marido, a dentista passou a sofrer com crises de ansiedade e já não saía mais de casa, a não ser para trabalhar (veja aqui como identificar um relacionamento abusivo).

'Não queria ser mulher separada'

Com ajuda de psicólogos, Wanessa diz que passou a enxergar a relação "tóxica" que levava e como sua criação conservadora afetou sua decisão de não se separar do marido logo, apesar das constantes brigas.

Eu queria salvar um casamento que era falido porque não queria ser uma mulher separada, mas não tive um parceiro.

Ela, que se prepara para a formatura de uma terceira pós-graduação, destaca que nem mesmo sua independência foi capaz de protegê-la do trauma causado pelo ex.

"Minha rede de apoio são minhas duas filhas, minha mãe e meus dois cachorros. Esperava mais empatia do meu ex, mas hoje sou uma pessoa extremamente feliz. Minha casa é leve. Se eu quiser sair agora e tomar um sorvete, eu posso. Tenho paz mesmo tendo um diagnóstico de câncer."

Em caso de violência, denuncie

Ao presenciar um episódio de agressão contra mulheres, ligue para 190 e denuncie.

Casos de violência doméstica são, na maior parte das vezes, cometidos por parceiros ou ex-companheiros das mulheres, mas a Lei Maria da Penha também pode ser aplicada em agressões cometidas por familiares.

Também é possível realizar denúncias pelo número 180 — Central de Atendimento à Mulher — e do Disque 100, que apura violações aos direitos humanos.

Há ainda o aplicativo Direitos Humanos Brasil e através da página da Ouvidoria Nacional de Diretos Humanos (ONDH) do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania. Vítimas de violência doméstica podem fazer a denúncia em até seis meses.

Por meio de nota, a advogada Brenda Rafaeli de Lima, que representa o ex-marido de Wanessa, nega que ele tenha tomado a decisão de se separar ao saber da doença e que tenha proferido a frase "não vou ficar com mulher doente".

Resposta

O homem afirma que a decisão de separação ocorreu em comum acordo em agosto de 2022, antes do diagnóstico, e que permaneceu morando com a então mulher apenas por questões práticas, mas já dormindo em quartos separados.

Ainda segundo ele, a ex-mulher teria questionado repetidas vezes sobre quando ele sairia da casa.

"Em agosto de 2022 a situação chegou ao seu limite, começamos a dormir separados e as coisas foram ficando cada vez mais difíceis, com muitas discussões. Lembro que nesse mesmo ano passei o dia dos pais, Natal e Ano Novo sozinho, dentro da casa, pois a Wanessa tinha compromissos e viagens marcadas e eu não estava incluso nesses compromissos", disse o ex-marido, em nota enviada pela advogada.

Em novembro, segundo a defesa, os dois teriam acordado que o homem saísse de casa em janeiro de 2023, mas ele pediu uma extensão do prazo, até 15 de fevereiro, depois de não conseguir organizar a mudança a tempo.

"Contrariada, ela aceitou; eu não tinha muita saída. Foi no final de nossos dias juntos que surgiu a suspeita de câncer, que não teve relação nenhuma com a nossa separação. E eu sempre fui solícito à ela, a acompanhei no hospital em uma oportunidade para dar apoio, suporte, mas as coisas ficavam sempre mais difíceis, pois mesmo eu tentando ajudar, recebia maus-tratos dela, era tripudiado e isso refletia no meu relacionamento com as crianças, foi quando decidi realmente não mais tentar cooperar com ela e me preocupar somente com as necessidades das crianças", declarou o ex-marido.

Ele ainda afirma que buscou conciliação na Justiça em diversas audiências e que mantém os cuidados e responsabilidades com as filhas que teve com a ex-mulher.

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