Rayssa Bratillieri lida com fama com 'pé no chão': 'Meio muito egoico'
Dos palcos de Cambira, cidade de quase 10 mil habitantes no interior do Paraná, onde fazia aulas de teatro, aos mais de 1,5 milhão de seguidores no Instagram, a atriz Rayssa Bratillieri, 26, ainda se acostuma com a fama. Sai de casa de chinelos e moletom e se surpreende com pessoas cochichando sobre ela na rua ou tirando fotos.
Desde que atuou em "Malhação" em 2018, no seu primeiro papel de destaque na TV, a jovem conta que tenta não ser seduzida pelos holofotes e procura manter o foco na carreira. Por isso, a atriz, que agora vive a personagem Íris no remake "Elas por Elas", se incomoda com o interesse por sua vida pessoal.
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"É uma maneira de minimizar nosso trabalho, principalmente de uma mulher. Sempre é sobre o namoro dela, o corpo dela", disse à Universa. "Se for para demorar mais para as pessoas falarem de mim, espero que demore, prefiro guardar minha vida pessoal como tenho feito cada vez mais."
Na entrevista, ela conta sobre a sua trajetória, fama e como lida com redes sociais.
UNIVERSA: Você se muda para o Rio de Janeiro aos 17 anos para tentar ser atriz. Você já estava certa do que queria?
Rayssa Bratillieri: Com o olhar de hoje, acho que eu não estava certa, até porque nem sabia todos os prós e os contras da carreira. Sabe quando você é apaixonado pela ideia da pessoa e não pelo que a pessoa verdadeiramente é?
Me mudei para o Rio para estudar, comecei a ter aula com Hamilton de Oliveira, que é incrível, um professor muito rigoroso. Isso mudou minha visão e passei a me questionar o motivo pelo qual eu verdadeiramente queria ser atriz.
Logo depois, fiz teste para "Malhação" e passei para fazer meu primeiro grande personagem na televisão, que foi a Pérola.
Ainda estou no processo de entender minhas motivações. Meu maior medo sempre foi ser medíocre. Enquanto as coisas me tocam num lugar mais profundo, eu quero segui-las.
Mas, pensando hoje, não sabia verdadeiramente dos buracos e das belezas que isso poderia trazer. Se eu soubesse, talvez não tivesse vindo. Estava muito certa dentro do limite do que eu conhecia. Mas a ingenuidade faz a gente fazer coisas mais pelo coração.
Que buracos e belezas são esses sobre a profissão que você descobriu?
É um meio muito egoico, com muita vaidade. Talvez trabalhar com imagem e envolver fama inflame ainda mais nosso ego. E digo "nosso" porque eu também, com certeza.
Minha ideia de mundo era muito cor-de-rosa. Sou uma menina do interior, vim achando que todo mundo estaria muito aberto para trocar e seria muito solícito. E isso não é verdade.
"Malhação", por exemplo, foi um choque de realidade. Meu primeiro grande trabalho, ganhando dinheiro, com muita visibilidade. Foi muita terapia, estudo e autoconhecimento para conseguir não me deixar levar por isso e tentar perceber quando estou sendo egoísta ou muito vaidosa. Claro que essa parte existe dentro de mim, mas não quero dar voz a isso o tempo todo.
Quando você percebeu que deu certo?
Já fiz um filme no exterior e, por incrível que pareça, ainda não tenho a sensação que deu certo. E cada dia mais estou confortável com isso. Fiz duas novelas seguidas, "Malhação" e "Éramos Seis", e depois fiquei um tempo sem fazer. Nesse momento, percebi o quanto a noção de dar certo não faz muito sentido.
Quando fiz "Malhação, fiquei conhecida no Brasil inteiro e as pessoas, de repente, passaram a me amar, porque isso é um efeito televisão. Talvez naquele momento, pudesse ter achado. Mas cada vez mais isso vai caindo por terra. Agora estou de novo em outra novela, as pessoas voltaram a me amar, mas isso não me deslumbra mais. Estou com o pé no chão.
Essa coisa de dar certo é mais para os outros do que para você mesmo. Não sei que Rayssa eu vou ser daqui dois anos. Estou tentando me permitir tentar ser eu mesma e não o que as pessoas querem que eu seja.
Nos últimos anos, parece que há um interesse maior por remakes. Tivemos "Pantanal", "Éramos Seis" e, agora, "Elas por Elas", que você atua como Ísis. Na sua avaliação, por que existe esse interesse em resgatar essas histórias?
A [atriz] Isabel Teixeira falou algo que achei maravilhoso e é uma excelente provocação: o próprio Shakespeare chegou para gente como um remake. Até hoje reproduzimos essas histórias. Se não fosse o remake, não saberíamos de Shakespeare nem de Tennessee Williams ou Tchekhov, enfim, nenhum desses grandes autores.
E há uma importância em ressignificar e reajustar essas histórias passadas com nossos novos valores atuais, com novos significados para mulheres, pretos, gays. Ter novos romances, seja eles como forem. Isso é muito importante.
É único trazer uma história que já foi contada, reformulando e contemporizando, ir ressignificando a partir da perspectiva desse novo momento. Trazer o que já foi um grande sucesso e que conversa com o público de uma geração mais antiga, mas reformulando diálogos, trazendo novos contextos e novas formas de se falar.
Por exemplo, a personagem da Ísis na primeira versão da novela não tinha um ativismo, não questionava sobre uma causa animal que de cinco anos para cá vem se conversando muito mais. Fico feliz de fazer parte disso.
Em quais causas você mais se engaja?
Não tem como ser uma mulher e o feminismo não ser uma questão importante para mim. Não sei se pela minha geração ou se pelo meio artístico. Mas é um tema que para mim é importantíssimo debater.
Uma causa que me move muito e que talvez seja que me aproxima mais da Ísis é a questão ambiental, que me move há alguns anos. E agora estou mais próxima da causa animal do que estava antes, obviamente, porque hoje, todos os dias, tenho tentado estudar sobre ela e me aprofundar nela.
Como foi sua experiência atuando no exterior? Que diferenças você percebeu?
Foi difícil. Atuar em uma língua que não é a sua nativa é desafiador. Uma coisa é falar "manga", que é uma fruta que sempre tinha na casa do meu avô. Em inglês, não tinha essa conexão emocional. Mas tentei trazer essas conexões do que seria para mim estar falando aquilo em português.
Foi muito desafiador. Fui para China gravar no meio da pandemia. Estava muito frio e eu fazia muitas cenas com roupa curta, shorts, biquíni, roupas finas.
Também foi muito difícil para mim se adaptar à comida. Vários aspectos que aparentam ser glamourosos, mas que foi bem desafiador.
Fui para Los Angeles na pré-estreia do filme. Foi muito especial para mim, liguei para meus pais e nos lembramos de toda minha história.
Você pretende continuar com projetos internacionais ou esse desafio já foi suficiente?
Sou muito nova, ainda tenho muito caminho para percorrer. É bonito ver cada vez mais atores brasileiros furando essa bolha e abrindo espaço para contarmos nossa história, com nossa perspectiva. Quero fazer parte disso também. Mas não quero deixar de participar de produções brasileiras. Meu maior tesão seria participar de produções brasileiras que cheguem à Hollywood, ao Oscar, que consigam conversar com todo o mundo.
Em sites de busca, seu nome aparece muito relacionado com seu ex, seu atual, se você está namorando. Você se incomoda com o interesse das pessoas por seus relacionamentos?
Eu queria apagar meu Google e começar de novo. Se pudesse, eu faria. (risos)
Me incomoda e isso me tira do sério. Na verdade, o que me incomoda é a vida pessoal ser maior do que artística, no Brasil e no mundo. Não é o caminho que quero seguir.
Claro que entendo que faz parte da minha história as coisas que passei, o meu passado, as histórias que vivi, as relações que tive. Só que isso pode ser uma maneira de minimizar nosso trabalho, principalmente de uma mulher. Sempre é sobre o namoro dela, o corpo dela.
Quando fui para Los Angeles, fiz um vídeo satirizando isso, dizendo "Estou aqui e vou lançar um filme em Hollywood, mas vocês estão sabendo? Provavelmente não, mas se fosse um namorado novo ou uma foto de biquíni, estariam falando".
Se for para demorar mais para as pessoas falarem de mim, espero que demore, prefiro guardar minha vida pessoal como tenho feito cada vez mais.
Como você lida com as redes sociais?
Tem muita coisa inválida e desnecessária, mas é um lugar de troca muito interessante. Você pode seguir pessoas que quer dar mais ouvidos, procurar assuntos, seguir exatamente aquilo que quer se tornar, ou que você acredita e quer replicar.
Adoro redes sociais, mas cada vez mais sobre coisas que me tocam, vídeos informativos, sobre livros que estou lendo. Criei um canal de transmissão exatamente para conseguir me aproximar, principalmente porque muita gente que me segue vem de "Malhação".
São muitos jovens que estão formando opinião e eu gostaria muito de ter tido alguém que me falasse algumas coisas antes. Ser jovem é muito difícil, queremos muito agradar, estamos muito perdidos, ainda não sabemos quem somos e achamos que é muito sobre o outro. A maturidade faz com que você queira mais ser mais autêntico, seguir seus valores.