MC Soffia sobre mulheres no rap: 'Se a porta não abrir, a gente arromba'
MC Soffia tem só 19 anos, mas você não sente isso ao conversar com ela. Decidida, sem papas na língua e convicta de seu discurso, ela sabe muito bem o que está falando e a mensagem que quer passar.
Universa encontrou com Soffia no lançamento da primeira parte de seu álbum, "It Girl", que conta com seis faixas. Entre elas, você encontra desde uma pegada mais melódica aos raps clássicos, com letras bem explícitas. "Morria de vergonha de cantá-las, por causa do tabu", disse. A segunda parte do álbum chega em breve.
Com look impactante e tranças que formavam um coração em seu couro cabeludo, MC Soffia é a perfeita it girl, e diz que está vivendo um sonho.
Universa: Seu novo álbum se chama "It Girl". Você acha que música e moda se completam?
MC Soffia: Sim. Acredito que isso acontece quando te reconhecem, independente do que você está usando, pela sua estética. Muitas pessoas nunca escutaram minha música, mas sabem quem eu sou pela maneira como me visto. Às vezes, curtem meu estilo, mas não meu som.
Acho que a moda se encontra com a música porque cada artista tem uma personalidade. Tem quem goste de looks mais trappers, mais diferenciados, mais normais. Quanto mais o artista colocar sua personalidade, melhor para o público identificá-lo.
Em "Ref Delas", uma de suas novas músicas, você fala sobre ser exemplo para outras meninas. Você pensa no impacto que traz para a geração mais jovem? Sente a responsabilidade?
Não sinto como responsabilidade, porque para mim é tão divertido viver desse sonho, da música e poder ser referência paras meninas. Senti falta de ter essa referência, de ter em quem me inspirar, principalmente no rap brasileiro. Me inspirei em mulheres de fora, como Nicki Minaj, para criar minha personalidade. Então ser referência para elas, é incrível.
Você sente que a indústria está abrindo mais espaço para as mulheres do rap?
Sim, mas já deveriam estar abertas, né? Música é para todos, salva vidas. E mulheres também precisam estar nesse universo, não só os homens. Quanto mais de nós, melhor.
Existem muitas mulheres do rap que lançaram vídeos, mas não tem CD gravado até hoje. E são pouco ouvidas no Spotify. Muitas artistas mulheres que mereciam mais reconhecimento. Um dos problemas do mundo da música é que as mulheres são menos escutadas, até online. Precisamos mudar isso.
Você se apresentou com a Karol Conká no show de abertura das Olimpíadas de 2016. O que mudou nesses oito anos?
Acho que o meu conhecimento, em vários sentidos: do meu trabalho, da minha importância. Naquela época, achava que era uma brincadeira. Agora sei que é uma responsabilidade e preciso ter comprometimento com meus fãs.
As letras de rap, inclusive algumas que você canta, são bem explícitas. Você já teve vergonha de cantar por conta disso?
Morria de vergonha por causa do tabu que a sociedade tem a respeito de assuntos como sexo. Os meninos já falavam abertamente sobre o tema, mas meninas têm esse lado do receio. Quando cresci e pude falar mais sobre sexo, me inspirei principalmente na Karol Conká. Ela tem uma música que chama "Lalá", onde fala que as mulheres também querem ser bem tratadas na hora da transa, que também temos que ficar satisfeitas. Percebi que não há tabu em falar sobre nosso corpo.
Você é declaradamente não monogâmica. Quando percebeu que a monogamia não era para você?
Tinha muito medo de ser corna, sempre tive. E não quero ter o comprometimento de ter que ficar sempre com a mesma pessoa. Tenho que estar satisfeita com o que estou vivendo. Quando encontrar alguém, darei o meu melhor para essa pessoa e espero o mesmo, e entender que outros não vão fazer eu perder o amor que existe ali.
Vou querer pegar pessoas em festas, mas meu romance vai ser com ela. Estou me descobrindo ainda. Todo mundo é monogâmico, estou tentando encontrar alguém para que eu possa dizer mesmo se sou ou não sou.
Você é uma mulher preta, bissexual, não monogâmica e do rap. Sentiu que portas já se fecharam por carregar tudo isso com você?
Sinto que o preconceito é oculto. Existem lugares em que poderia estar e não estou, principalmente por ser preta e mulher.
Se a porta não abrir, a gente arromba, a gente explode e ocupa nosso lugar. O mundo foi feito por pessoas, com culturas, histórias. Não tem motivo para fecharem portas.
Qual é o momento da sua carreira que você tem mais orgulho?
É quando vejo as pessoas cantando minhas músicas. Isso, para mim, sempre foi o máximo. Fiz muitos shows onde as pessoas não cantavam, porque não me conheciam. Ver que o público me assistindo sabe as letras das minhas músicas é uma grande realização.
O clipe de "Let's Go" causou polêmica na internet por causa do uso de armas. Isso era previsto?
Não, colocamos armas porque combinava com a música e com a estética. E deu esse rebuliço. Não foi pensado, mas acho que todo caos é bem-vindo, para as pessoas conhecerem ainda mais meu trabalho. Não foi só a questão da arma e, sim, de uma mulher com uma arma. Tem homens que fazem shows armados e ninguém fala nada. Antes de falar de uma mulher, as pessoas deveriam pensar: 'Faríamos o mesmo se fosse um homem?'.