'Rosto derreteu': elas contam por que reverteram procedimentos estéticos
Embora não haja dados oficiais sobre reversões de procedimentos estéticos, o interesse pelo assunto vem aumentando no Brasil.
Nos últimos dois anos, as buscas na internet por termos como "tirar", "desfazer" e "reverter" harmonização facial cresceram mais de 90% no país, de acordo com dados do Google Trends fornecidos a Universa. Além disso, houve um aumento de 990% em buscas online sobre "como desfazer bichectomia", e de 260% sobre "como retirar preenchimento labial".
Erika Schneider, 32 anos, por exemplo, decidiu desfazer um preenchimento labial feito com ácido hialurônico e a harmonização facial por não ter gostado do resultado, além desejar voltar a ter um rosto mais natural.
A ex-bailarina do Faustão e participante do reality A Fazenda 13, que em conversa com Universa disse que a decisão para realizar as mudanças no rosto veio da pressão por um padrão de beleza na TV.
Erika conta que após fazer a reversão dos tratamentos teve a melhor sensação ao se olhar. "Ficou muito mais harmônico e bonito."
O cirurgião-dentista Fabio Barros concorda que as pressões vindas principalmente das redes sociais estimulam a busca desenfreada por procedimentos, o que leva a arrependimentos. Para evitar isso, o especialista em estética orofacial do Rio de Janeiro diz que recusa fazer certos procedimentos quando sente que a pessoa não está pronta para realizá-los.
A primeira coisa que eu pergunto para a paciente é: 'O que te incomoda e por quê?'. Se ela não souber, sugiro algo menos invasivo. O profissional precisa ouvir mais o paciente para entender se ele está preparado para um procedimento estético. Fabio Barros, cirurgião-dentista
Larissa Fonseca, psicóloga cognitivo-comportamental e membro da Sociedade Brasileira de Psicologia recomenda terapia antes de qualquer procedimento estético.
"Uma alteração da fisionomia faz a pessoa deixar de se reconhecer, e por isso ela precisa passar por um tratamento psicológico para rever e reavaliar seus motivos", explica.
O rosto 'derreteu'
Em 2018, a empresária Tarcila Queiroz Oliveira, 34 anos, até teve os seus anseios por um rosto mais fino atendidos, mas não foi informada sobre os riscos que poderia correr ao realizar a bichectomia e um preenchimento de PMMA (Polimetilmetacrilato).
A bichectomia é a retirada da bola de Bichat, um tecido adiposo (gordura) no interior das bochechas que, dependendo do tamanho, deixa um aspecto arredondado no rosto que não reduz nem com a perda de peso. Essa bola sustenta a bochecha e, sem ela, a pele cai.
E o cirurgião-dentista que realizou o procedimento em Tarcila não avisou sobre esse efeito colateral. Ao retirar a bola de gordura, a pele da empresária ficou flácida e, como ela define, "seu rosto derreteu".
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Quero receberComo a bichectomia é irreversível, para tentar amenizar a situação, no ano seguinte Tarcila fez preenchimento com PMMA na mandíbula e no mento (queixo) com um clínico geral que conheceu nas redes sociais, em posts de uma ex-panicat.
Novamente, diz não ter sido avisada de que o produto é extremamente perigoso à saúde quando usado fora das recomendações do CFM (Conselho Federal de Medicina), como no caso dela.
Tarcila teve inflamação, dores e nódulos no rosto. Em julho de 2022, fez a remoção parcial do PMMA, que não sai totalmente.
Esse processo me desestabilizou. Procurei psiquiatra e entendi que a busca pelo corpo perfeito é um problema de fora para dentro. As pessoas precisam ficar atentas para não se deixarem influenciar.
Tarcila Queiroz
'Não conseguia me olhar no espelho'
A carioca Maria Carolina Fernandes, 31 anos, fez bichectomia e lipo de papada sob influência de um bucomaxilar, que a atendeu para tratar problemas respiratórios e dentários.
O profissional recomendou uma cirurgia ortognática para corrigir sua mandíbula, e sugeriu aproveitar a oportunidade para realizar os procedimentos estéticos.
Em menos de um ano, Maria Carolina teve problemas de pele, espinhas e flacidez, o que afetou profundamente sua saúde mental. Sem poder reverter o procedimento, buscou tratamentos como estimulação de colágeno e botox para firmar a pele.
Não conseguia me olhar no espelho. Já fazia acompanhamento com uma psicóloga (por estar sempre insatisfeita com a própria imagem). A ortognática piorou a situação e a bichectomia contribuiu ainda mais para o problema, pois enfraqueceu a estrutura do meu rosto.Maria Carolina Fernandes
Em 2022, dermatologistas da Sociedade Brasileira de Dermatologia publicaram pesquisa apontando que metade das complicações em procedimentos estéticos registradas no ano anterior ocorreram pelas mãos de profissionais não habilitados.
Para evitar intercorrências, o cirurgião plástico Nicola Biancardi, especialista pelo Instituto Ivo Pitanguy-RJ, orienta a sempre buscar um profissional cadastrado na sociedade brasileira de sua categoria, onde é possível encontrar o registro de qualificação de especialista (RQE).
"Trauma para toda a vida"
Incomodada com o formato do nariz, a técnica em segurança do trabalho Vanessa*, de 34 anos, escolheu fazer uma alectomia (redução das asas nasais) com uma cirurgiã-dentista recomendada por uma amiga.
Como ficou insatisfeita com o resultado da primeira intervenção, foi sugerida a ela a colocação de fios de PDO (polidioxanona) para melhorar o aspecto da cirurgia e afinar a ponta do nariz. O resultado também não foi o esperado e o procedimento ainda a deixou com o nariz torto, além de sentir fortes dores.
Ao procurar pela profissional para relatar o problema, teve mais partes da lateral do órgão retiradas e mais fios de PDO colocados, com a promessa de correção e solução do problema.
Mas Vanessa seguiu sentindo dor, ficou com o nariz torto e passou a ter dificuldades para respirar. Ela conta que a partir de então foi ignorada pela cirurgiã, mesmo após várias tentativas de contato.
As alterações no rosto geraram um grande impacto emocional: Vanessa ficou com baixa autoestima e teve distorção de imagem, crises de ansiedade e dificuldade de interagir socialmente. Hoje, ela ainda tenta buscar um profissional que a ajude a reverter a situação.
É muito difícil conviver com essa situação, porque é um trauma que vou carregar para toda a vida, mas tento amenizar com terapia.
Vanessa*
A busca incessante pela perfeição física, por um padrão idealizado de beleza, tem mesmo levado pessoas à depressão e a transtornos de ansiedade e alimentares, segundo a psicóloga Anahy D'Amico.
Autora do livro "O amor não dói", ela orienta não separar os cuidados físicos com os da mente e trabalhar principalmente a aceitação das nossas imperfeições. "Tudo bem querer mudar algo, mas não pode ser o principal na vida da gente."
E antes de recomendar que a mulher faça um procedimento estético ou uma dieta, a sociedade deve entender que a cultura ensinou essa mulher a querer ser desejada antes de se desejar. E acolhê-la. É o que observa a escritora Naomi Wolf em "O Mito da Beleza", lembrada aqui pela psicanalista Carol Tilkian.
"A militância pelo corpo livre é incrível, mas muitas mulheres, no particular, recorrem a procedimentos estéticos, dietas restritivas e lipoaspirações para se sentirem bem por estarem bonitas ou magras. Isso só muda quando valorizamos nossas relações familiares, amizades e comunidade tanto quanto um amor romântico", finaliza.
*Nome alterado a pedido da entrevistada.
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