'Enchia a cara pra transar': sexo e álcool podem virar um combo perigoso
Colaboração para Universa
04/02/2024 04h00
A atriz paulistana Paula* se considera uma mulher livre, comunicativa e baladeira. Se conhece um homem interessante em uma festa e pinta um clima, ela não vê problemas em ir para a cama com o novo parceiro na mesma noite. No entanto, para que isso pudesse acontecer, a atriz dependia de algumas caipirinhas e cervejas a mais.
"Nunca transei pelas primeiras vezes com alguém sem que tivesse bebido. Se estivesse sóbria, ficava tímida, nervosa e rolava um bloqueio", conta.
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O "bloqueio" a que ela se refere é mais comum do que se imagina. Muitas pessoas têm dificuldade em lidar com a entrega e a intimidade que o sexo exige e, para poder transar, precisam beber. Os motivos são dos mais variados: insegurança, criação conservadora, um trauma do passado, medo de falhar na hora H. E aí, mediante tantas questões, só mesmo aquela aparente "autoconfiança" que o álcool traz para que o tesão fale mais alto.
"Quando é recorrente é perigoso"
Paula conta que a bebida sempre fez parte das preliminares em sua vida sexual. Foi assim desde os 18 anos, quando perdeu a virgindade.
"Minha primeira vez não foi nada romântica. Eu estava nervosa, bebi bastante e, um tempo depois, descobri que o cara tinha namorada", recorda.
Depois dessa decepção, passei a beber mais antes de transar com alguém. Fazia isso para me soltar, porque eu me cobrava demais. Tinha que ser boa de cama para conquistar o cara.
O fato é: para muitas pessoas, esse momento de estar frente a frente com o parceiro é um momento de prova, de estar sendo avaliado pelo outro. Não há problemas em beber um pouquinho para aliviar a ansiedade e a insegurança. Porém, quando é recorrente e em excesso, é perigoso.
Bebida ajuda a se soltar, mas limita o prazer
O sexo casual acaba aumentando a necessidade do consumo da bebida para transar. Existem três fases do sexo. Primeiro vem o desejo, que é mais subjetivo e tem a ver com a imaginação; depois a da excitação, que é mais física, falando no envolvimento entre os dois indivíduos; e o orgasmo. As pessoas ficam tão ansiosas com a coisa da performance para serem prestigiadas que elas querem ter a excitação sem ter o desejo. Não há a produção erótica. Daí, ela precisa estar alcoolizada para chegar de cara e ter uma relação sem ter um preparativo. É um fenômeno social.
A bebida, neste caso, ajuda a pessoa a se "soltar na cama", mas também limita o prazer. É como se a pessoa precisasse estar anestesiada. Se você se encontra assim no momento da transa, está limitado na questão sensorial, não usufruindo das sensações que o sexo pode proporcionar.
"Aprendi a ter uma conduta mais sadia em relação ao sexo"
A jornalista Fernanda* conta que perdeu a virgindade aos 14 anos e, desde então, nunca ligou muito para a questão da conexão com o outro na hora do sexo. Bebia para transar e transava porque bebia.
"Chegou um momento na minha vida, lá pelos 18, que comecei a precisar encher a cara para ficar com alguém. Foi assim por uns 10 anos. Até que fiquei com uma menina, com quem me envolvi mais profundamente", diz.
Essa relação me fez descobrir que, por anos e anos, eu fazia alguma outra coisa que me nego a chamar de sexo.
Fernanda não se define como homossexual, pois ainda está tentando compreender sua situação.
Hoje, fica mais com mulheres do que com homens, porém destaca que, em todos os casos, transa sem precisar beber. "Aprendi a ter uma conduta mais sadia em relação ao sexo. Se eu tivesse que definir o que eu fazia antes, diria que era um comportamento bastante destrutivo. Mas eu vi que não adiantava eu ficar disfarçando vontades com álcool porque eu simplesmente ia deixar de viver coisas boas, como vivo hoje", afirma.
Durante o período, ela conta que não teve nenhum relacionamento mais sério, mas, mesmo com os rapazes com quem transou mais de uma vez, atrelou a experiência à bebida em todos os momentos. Há dois anos Fernanda passou a se incomodar com o comportamento. "Hoje em dia eu evito. Já disse 'não' numa oportunidade em que eu queria, sim, mas preferi evitar transar bêbada para não recair."
Nem caretice, nem moralismo
Para romper com esse padrão nocivo de associação entre sexo e bebida, é preciso conectar-se com seu próprio tesão e até procurar terapia e acompanhamento profissional, caso se chegue a uma situação de vício.
Não precisa ser a ajuda específica de um terapeuta sexual porque, nesses casos, o sexo é apenas uma sequela para problemas mais profundos como baixa autoestima, autoimagem deturpada, carência ou insegurança.
O gatilho dessa necessidade de consumir álcool para transar é a falta de intimidade que se tem nesses encontros casuais. Isso porque o álcool aparece na tentativa de tampar esse buraco da intimidade que não deu tempo de construir. Às vezes, a necessidade de intimidade é não só com o outro, como também com o seu próprio desejo.
A gente transa porque a gente quer transar, e não porque apenas o outro quer. E, no final, esse tesão é muito mais poderoso do que qualquer bebida.
Fontes: Amaury Mendes Júnior, terapeuta sexual; Lúcia Rosenberg, psicoterapeuta
*Com matéria publicada em 29/03/2017. O nome da entrevistada foi alterado e substituído por um fictítio.