'Meu filho me ajudou a não levar a Verônica para casa', diz Tainá Müller
Tainá Müller, 41, é uma atriz de sucesso e a protagonista da série "Bom Dia, Verônica", que chegou a sua temporada final na Netflix arrastando uma legião de fãs. Mas seu principal papel na vida é ser a mãe do Martin, de sete anos. Foi ele que a ajudou a não levar o peso de sua personagem para casa, depois de quatro anos dedicada à trama.
"Em casa, tinha que viver o expediente de mãe, que sempre será meu principal papel", disse em entrevista exclusiva a Universa.
Premiada internacionalmente por sua interpretação da policial que lutava pela proteção das mulheres, Tainá está sofrendo com essa despedida de personagem, mas sabe que ela impactou e trouxe mensagens importantes para a tela.
Para a reportagem, ela relembrou momentos difíceis no set e falou sobre como mesmo sendo ficção é possível perceber que nós, mulheres, ficamos vulneráveis frente ao enfrentamento corporal contra um homem.
Universa: Você tem um filho de 7 anos e é uma mulher muito informada no antimachismo e no feminismo. Como você faz para criá-lo sem esse viés que é imposto naturalmente pelo mundo?
Tainá Müller: Acho que esse é o maior desafio da minha vida. Depois de tanto estudo pessoal e emocional para desconstruir o machismo e o patriarcado dentro de mim, não quero que meu filho reproduza o que eu não acredito
Agora que ele está crescendo, tomo cuidado nos mínimos detalhes para quebrar esses padrões. E estou em um momento em que me deparo com coisas que ele não aprende em casa. É triste e desalentador ver o peso desse sistema que ele está incrustado. Esse é meu principal trabalho.
Já teve situações em que precisou desmistificar algo? Ou quebrar alguma coisa que ele ouviu?
Estava conversando com ele hoje mesmo porque percebi que estava incomodado com alguma coisa, mas não queria dizer o que estava sentindo. Quero criar um filho que tenha contato com as suas emoções, porque acho que essa é a primeira máscara do machismo e não quero que ele seja prisioneiro disso.
Meu trabalho é criar um espaço de acolhimento e validação daquilo que ele sente, o que é uma dificuldade para os homens. Essa questão da falta de responsabilidade emocional e desconexão com o que se sente mostra como os homens não são criados para desenvolver esse sistema afetivo. Aí, quando descobrem uma suposta traição, matam. Se ficam bravos, atiram. Eles não podem ser quem são e não podem sentir, têm que o tempo todo provar sua virilidade.
"Bom dia, Verônica" foi uma série de grande sucesso criada no Brasil. O que você acha que falta para o nosso audiovisual ganhar mais reconhecimento, como acontece em outros países?
Dinheiro. Aconteceu muito investimento com a chegada dos streamings. Hoje, por exemplo, a indústria americana está em crise. Por aqui, não falta criatividade e tem um lugar muito especial, que é do brasileiro, de encontrar soluções que aumentam o valor da produção. Às vezes, uma cena parece caríssima, mas não foi. As decisões criativas trouxeram aquela impressão.
Para continuarmos a progredir precisamos de investimento e pessoas. O Brasil tem uma indústria que emprega muita gente e com grande potencial, que mostra o nosso valor cultural.
Você viveu a Verônica por muitos anos e até se emocionou na coletiva de imprensa ao se despedir da personagem. O que conseguiu aprender com ela?
Foram tantas coisas que é até difícil fazer essa análise. Ela me encontrou com desafios em diferentes momentos da minha vida, mas acredito que pessoalmente deixou claro a minha força e resiliência.
Fiz cenas desafiadoras, física e emocionalmente, com uma alta carga de intensidade dramática. Boa parte dessa jornada foi durante a pandemia ainda. Aprendi também como é forte a comunhão das mulheres, tanto no set de filmagem quanto na reverberação daquilo que mostramos em cena. Nós precisamos dessa identificação para trazer para o debate assuntos difíceis abordados na série.
Como você fazia para ir dormir todos os dias sem levar o peso do que vivia na ficção para o travesseiro?
Não foi fácil, principalmente durante a primeira temporada. Foram seis meses de trabalho e muitas horas de set por dia.
Às vezes, dormindo, eu ficava sacando a arma como a personagem o tempo todo.
O grande desafio para mim, na época, era que tinha um bebê de três anos, muito grudado em mim. Acho que meu filho me ajudou a não levar o personagem tanto para casa. Não podia me dar ao luxo de viver aquela atuação por método, onde o ator vive aquele personagem.
Em casa era "corta" porque tinha que viver o expediente de mãe, que sempre será meu principal papel. Chorei de cansaço muitas vezes, mas queria esse tempo de qualidade com meu filho. Ele ainda acordava de madrugada para mamadeira e ganhar colo. Queria dar conta de tudo, que é o grande dilema da mulher contemporânea com a maternidade, né? Foi bem desafiador, mas me sinto vitoriosa.
Você ganhou o Septimius Awards em Amsterdã no ano passado, na categoria de "Melhor Atriz". Qual a sensação de saber que seu talento também é reconhecido internacionalmente?
Os prêmios do Brasil me emocionam muito, porque as pessoas se mobilizam para votar. Mas essa premiação eu estava representando o Brasil, o que é muito bacana. É legal saber que outras culturas podem entender nossos conteúdos.
Apesar de o tema ser universal, a série mostra muito a realidade brasileira. Fiquei feliz em ver essa repercussão em culturas diferentes. Só mostra como temos um potencial imenso por aqui e pra mim, como atriz, esse é o maior dos sonhos.
Em algum momento os assuntos tratados na série te deram gatilho e você precisou respirar antes de continuar a gravar?
Em um dia de gravação da segunda temporada tive uma crise de choro antes de entrar no set. Estava acumulando muitas cenas de tensão, abordávamos um assunto que, para mim, é muito baixo, que é usar a fé das pessoas para abusar de mulheres. Tínhamos um caso muito recente no país acontecendo na época. Acabei dando uma desabada antes de fazer mais cenas. Fizeram uma sessão de reiki em mim, me deram florais, dei uma respirada e segui.
É difícil voltar a gravar depois de um baque desses?
Temos que fazer o que for preciso pelo trabalho, mas dependendo da cena, eu saía muito mexida. Aí meditava um pouco para dar uma limpada das emoções e me preparar para outra cena. Até assistindo eu sofria tudo de novo.
O Giane [Reynaldo Gianecchini] e o Rodrigo [Santoro] são meus amigos queridos, mas encarnaram personagens pesadíssimos e assustadores. Na hora do embate físico em cena, eu via aqueles homens e pensava que, por mais que a Verônica fosse forte e treinada, no corpo a corpo com um homem daquele tamanho, ficava vulnerável. E isso me tocava.