'Comecei a transição aos 38 anos com apoio da minha mulher e meus 7 filhos'
A programadora Michele Correa, 40, sempre soube que era mulher. Mas a maneira como o mundo se comportava com as pessoas LGBTQIAP+, e a criação rígida que teve em casa, fizeram com que ela guardasse esse segredo a sete chaves, vivendo, até seus 38 anos, uma vida heteronormativa.
Ela se casou, teve filhos, mas a uma certa altura sentiu que precisava contar para a esposa que queria passar pela transição. Ali, em vez de briga e rancor, ela encontrou apoio e acolhimento. Sua família, a esposa e os sete filhos, a apoiaram em todos os passos.
Nem tudo foram flores, já que Michele também foi vítima de preconceito e agressão. Mas, segundo ela, faria tudo de novo para poder ser quem é.
"Iniciei minha transição de gênero tarde, aos 38 anos. Não era algo que poderia fazer há 20 anos, porque nós vivíamos em um mundo completamente diferente. Hoje, me sinto à vontade para passar por esse processo.
Sempre me vi como mulher, mas a sociedade nos impõe que quem nasceu homem tem que seguir com esse gênero. Não há espaço para pensar sobre isso. Fui criada de forma muito rígida pelo meu pai. Então nunca falei sobre esse desejo.
Em 2009, me casei oficialmente. Junto com a Isabelle, 38, tive sete filhos, com idades entre 3 e 15 anos. Depois de 16 anos de relacionamento, cheguei ao ponto em que precisava conversar com ela sobre como me sentia. Foi muito difícil. Era tudo novo e complicado para mim. Demorei bastante para ter coragem de ter essa conversa. Para me aceitar.
Mas fui muito bem acolhida pela minha companheira e recebi apoio desde o começo. Inclusive, foi ela quem marcou minha primeira consulta no SUS para dar entrada no processo de transição. Minha vida de casada não mudou em nada depois da nossa conversa.
Também não tive problemas de acolhimento quando abri o jogo com meus sete filhos. Eles têm a cabeça aberta, não pensam como as pessoas de antigamente. Todos me chamam de mãe. Tinha medo que isso repercutisse na vida deles, principalmente na escola. Mas não aconteceu nada disso.
Comecei o tratamento para a transição na rede pública, mas fiquei apenas uns 2 meses no programa. Eu, minha mulher e as crianças mudamos de cidade recentemente, então precisei interromper. Estou procurando mais uma vez um médico do SUS para me atender neste novo local.
Com a minha família a história foi um pouco diferente. Como disse, fui criada de uma forma muito rígida pelo meu pai. Ele me rejeitou e eu o perdi. Minha irmã e minha mãe aceitaram muito bem.
Passar pela transição é enfrentar diversas esferas com seu novo 'eu'. Sou programadora e trabalho em home office, avisei as pessoas no trabalho também e foi, mais uma vez, muito tranquilo. Não sofri nenhum tipo de preconceito dos meus colegas.
No começo, foi mais difícil eles se acostumarem a me chamar por outro nome e gênero, mas deu tudo certo. Contudo, confesso que, às vezes, ainda preciso corrigir algumas pessoas.
Desafios e preconceitos
Fora da minha vida pessoal, nem tudo foi tranquilo. Quando comecei a transição, fui proibida de frequentar o banheiro feminino e o masculino na academia onde treinava, em Cachoeiras de Macacu, no Rio de Janeiro. Por isso abandonei os exercícios.
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Quero receberTambém fui agredida ao sair de um banheiro feminino em um barzinho na cidade. Um homem me abordou sem nenhum precedente, me deu um soco e caí no chão. Foi uma grande confusão. Fui até a delegacia e fiz um B.O., mas não deu em nada.
É complicado. No começo, quando estava iniciando a transição, achava que seria difícil sofrer preconceito na rua. Mas mesmo que isso acontecesse para o resto da minha vida, faria novamente, porque vale a pena abraçar quem somos.
Minha vida mudou. Agora sou mais feliz, posso sair na rua vestida do jeito que gosto e me sinto uma mulher de verdade. É muito gratificante ver meu nome na conta bancária, nos meus documentos.
Meu sonho atual é colocar silicone. Fiz uma vaquinha online para que, quem quiser, possa me ajudar com o valor dessa cirurgia, que é muito cara."
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