Por que tem gente que 'curte' um drama quando está apaixonado?
Heloisa Noronha
Colaboração para Universa*
08/03/2024 04h00
Crises de ciúme, barracos, chantagens emocionais, declarações de paixão intensas, brigas escandalosas, grandes declarações e provas de amor ainda mais exagerados, muitas vezes em público.
Alguns casais causam a impressão de que só conseguem se relacionar à base de doses generosas de drama, confusão e gritaria - não estamos falando, aqui, sobre relações abusivas, é claro. Mas e aí: trata-se de uma forma de chamar a atenção alheia? Um jeito de se retroalimentar para que o desejo nunca arrefeça? Um exemplo de amor disfuncional (não necessariamente abusivo, vale frisar)? Sim, pode ser tudo isso... Ou não.
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Envolvimentos afetivos têm características e particularidades próprias justamente porque os seres humanos são complexos. Porém, existem algumas hipóteses sobre o que sustenta as chamadas relações histriônicas que podem ajudar qualquer par a fazer uma autoanálise e perceber se deve mudar os rumos de sua vida em comum.
O outro preenche suas necessidades (mesmo inconscientes)
Cada casal tem uma forma de se relacionar, mas em geral nos relacionamentos com alguém que entendemos e que, de alguma maneira, preencha os requisitos que se encaixem em nossas demandas, seja elas conscientes ou não.
O par pode representar uma projeção da nossa sombra, aquele lado da personalidade que acolhe instintos que insistimos em controlar, como a raiva, o ódio e a inveja, entre outros. É por isso que pessoas dramáticas se envolvem e juntas fazem barulho: porque se reconhecem.
Os dois aprenderam a amar assim
Como boa parte dos comportamentos humanos é aprendido na infância, através da convivência com os pais ou cuidadores, uma possibilidade é que os dois se "inspiram" em modelos internalizados com os quais tiveram contato na própria família.
O exagero, a maneira de posicionar aos berros, as atitudes intempestivas, tudo isso ficou arraigado no inconsciente e se reproduz na idade adulta.
Há uma dificuldade de entrar de cabeça na relação
Bater o telefone na cara do outro, bloquear ou excluir das redes sociais, manter uma relação estilo ioiô... Para alguns casais, viver em conflito - ou forjá-los - representa uma forma instável de se relacionar e revela a dificuldade de ambos estarem inteiros no romance. Embora muita gente argumente que deseja viver na paz, na prática não conseguem. Parece que a relação nunca engrena, pois está sempre na berlinda.
As brigas distraem a relação e prejudicam a construção de um espaço de intimidade e cumplicidade. Então, não existe uma verdadeira satisfação no relacionamento, existe uma distância. Uma forma que encontram de aproximação acaba sendo o drama, os sentimentos exacerbados, o choro, as declarações de amor intensas e o sexo selvagem depois das tempestades emocionais.
O casal é reprimido emocionalmente
Esse modo de funcionar também pode ter sido originado na família de origem, onde já havia um problema com a boa comunicação - daquilo que se pensava e que se sentia. Quem é reprimido emocionalmente às vezes precisa iniciar uma discussão ou provocar uma briga para "vomitar" tudo aquilo que guarda dentro de si, como a falta de posicionamento em algumas situações e os "sapos engolidos" em outros.
A pessoa necessita de um motivo para explodir e aliviar, mesmo que momentaneamente, a tensão interna. Um provoca e o outro que reage na mesma vibe, sendo que às vezes os papéis se alternam. E, assim, um equilíbrio neurótico se mantém.
Há um transtorno não tratado
O Transtorno de Personalidade Histriônica é caracterizado por um padrão generalizado de excessiva emocionalidade e busca de atenção. Os diagnosticados, em geral, sentem prazer em fazer drama, mas não é algo que se possa controlar.
Geralmente esse tipo de personalidade também apresenta comportamento antissocial, Síndrome de Borderline e narcisismo. Alguns têm, também, sintomas depressivos e distimia. Muitas vezes essas pessoas se atraem e se identificam muito, por isso acabam tendo um relacionamento.
É possível romper o padrão?
Relações histriônicas podem durar anos; em alguns casos, a vida toda. Isso não significa, no entanto, que se trata de uma convivência afetiva de qualidade. Há o risco de o desgaste dos altos e baixos das situações causar adoecimento físico e emocional aos envolvidos. Existe amor, claro, mas a simbiose gera insatisfação, estresse, ruídos nos outros relacionamentos (pessoais, familiares, profissionais).
Bem dosado, o drama até contribui para a relação. É na hora da raiva que muitos casais abrem o jogo sobre mágoas, cobranças e ressentimentos e, passado o pico de adrenalina, podem conversar com calma e fazer os ajustes necessários, fortalecendo o vínculo. O excesso e a rotina à base de conflitos pode afetar drasticamente a saúde mental e, para alguns casais, evoluir para agressões verbais e físicas. Além disso, os rompimentos também costumam gerar novos episódios de drama, suscitando mais sofrimento.
No entanto, tudo isso deveria ser resolvido criando um diálogo aberto, para que nada disso chegue a pontos extremos.
O ideal é que, ao perceber o padrão, o casal busque a ajuda de um psicoterapeuta para uma terapia de casal e/ou individual. O tratamento permite identificar a origem dos comportamentos e o aprendizado de ferramentas emocionais para ressignificar a relação. No caso do Transtorno de Personalidade Histriônica, o uso de medicação também se faz necessário.
Fontes: Carmen Cerqueira Cesar, psicoterapeuta e terapeuta de casais, de São Paulo (SP); Pamela Magalhães, psicóloga e terapeuta de casal e família, de São Paulo (SP); Patrícia Atanes, psicóloga clínica, de São Bernardo do Campo (SP), e Priscila Gasparini Fernandes, psicóloga clínica e psicanalista, de São Paulo (SP)
*Com matéria publicada em 13/03/2021