Enfermeira de Israel expõe estupro como arma de guerra: 'Usam nosso corpo'

A enfermeira Michal Elon, 45, estava em uma ação voluntária com a família em uma base de treinamento militar de Zikim, no sul de Israel, quando foi surpreendida pelo ataque terrorista do Hamas na madrugada do dia 7 de outubro. Enquanto tentava auxiliar uma soldada ferida, Michal levou três tiros de um integrante do grupo extremista. As balas acertaram seu estômago, peito e a sua mão, deixando sequelas que até agora Michal está tentando superar.

Em recuperação, Michal decidiu integrar uma campanha criada pela organização Hadassah Internacional, chamada #EndTheSilence, e veio ao Brasil para promovê-la.

Investigação

A proposta é que a ONU investigue por meio de um comitê independente as violências sexuais cometidas pelo Hamas contra israelenses durante os ataques de 7 de outubro. Os ativistas acreditam as violações ainda estejam ocorrendo contra as vítimas sequestradas em Gaza.

Acredito que o corpo da mulher não deve significar nada em um conflito. Mas as pessoas usam nossos corpos, e é horrível que façam isso. [O corpo da mulher] não deve ser parte de uma luta, de uma guerra. Para mim, isso parece algo primitivo, que pensei que o mundo havia superado.
Michal Elon ao UOL

Michal, que é mãe de 10 filhos, incluindo meninas, diz que se sentiu motivada a ingressar na campanha após ouvir relatos de soldados e civis feridos sobre o que teria acontecido com as mulheres durante o ataque do Hamas. "É claro que quero parar com isso. Não apenas com o terrorismo, mas também todas as coisas sexuais horríveis que aconteceram", diz ela. Para Michal, a utilização do estupro como arma de guerra foi uma surpresa.

Não percebi naquele dia, levei tempo para entender o que estava acontecendo (...). Apenas quando os reféns, as mulheres, começaram a falar, então entendi que há muitas coisas que não eram aceitáveis.
Michal Elon ao UOL

A petição online visa arrecadar assinaturas para levar ao secretário-geral da ONU, António Guterres. A proposta é a de que a entidade tome ações concretas em face às denúncias contra o Hamas sobre crimes sexuais contra israelenses. Os ativistas reclamam da demora da organização para tomar uma ação.

Estudantes fazem vigília, em 9 de outubro de 2023, em memória aos mortos no kibbutz Alumim em um ataque do Hamas
Estudantes fazem vigília, em 9 de outubro de 2023, em memória aos mortos no kibbutz Alumim em um ataque do Hamas Imagem: Prakash Mathema/AFP

Em fevereiro, a ONU contabilizou que 134 pessoas continuam sequestradas pelo Hamas, podendo estar sujeitas a distintos tipos violências. Ao todo, a ofensiva do grupo extremista deixou 1.140 mortos em solo israelense, incluindo pessoas de outras nacionalidades.

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No ataque, a ONU classificou que há "informações claras e convincentes" da prática de violência sexual por parte do Hamas, incluindo a prática de estupro coletivo e violência sexual seguida de morte.

Já na Faixa de Gaza, a ONU Mulheres estima que mais de 9 mil mulheres tenham sido mortas pelas forças israelenses. A organização afirma que o número pode ser ainda maior, já que há corpos que ainda não foram resgatados e estão sob os escombros. Ao todo, estima-se que o confronto já deixou mais de 30 mil mortos no território palestino.

O Escritório do Alto Comissário da ONU para os Direitos Humanos relatou preocupação com a condição de mulheres e meninas na região, que estariam sofrendo "ataques deliberados e assassinatos extrajudiciais" enquanto buscavam refúgio por parte das forças israelenses. A entidade ainda cita que pelo menos duas mulheres palestinas detidas teriam sido estupradas.

O que diz ONU sobre violência sexual na guerra?

Israelenses pedem libertação de amigos e familiares reféns do Hamas
Israelenses pedem libertação de amigos e familiares reféns do Hamas Imagem: Fabíola Perez/UOL

A missão visitou Israel e a Cisjordânia, conversando com familiares de vítimas e sobreviventes, representantes de instituições e autoridades governamentais, além de testemunhas do ataque terrorista de 7 de outubro.

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Os agentes tiveram acesso a mais de 5 mil fotos e 50 horas de vídeos dos ataques de 7 de outubro, fornecidos tanto por agências estatais quanto por fontes independentes.

O relatório aponta que os crimes sexuais ocorreram em ao menos três lugares: onde era realizado o festival musical Supernova e seus arredores, na rodovia 232 e no kibutz de Reim.

A ONU também cita dificuldade de comprovação dos crimes por alguns motivos, entre eles o número limitado de sobreviventes e testemunhas, as difíceis condições para colher evidências forenses devido ao grande número de vítimas e a dispersão das cenas dos crimes, já que o contexto era de "hostilidades persistentes".

Além disso, o relatório ainda diz que os "corpos recuperados sofreram queimaduras destrutivas, o que tornou a identificação de possíveis crimes de violência sexual impossíveis."

A missão não conseguiu conversar com vítimas de violência sexual, mas reconhece que as sobreviventes "ainda estão enfrentando um nível avassalador de trauma."

A ONU classificou que "há motivos razoáveis para acreditar" que foram cometidos atos de violência sexual durante os ataques do dia 7 de outubro, incluindo estupros coletivos. O relatório descreve que foram encontrados corpos, a maioria sendo de mulheres, "totalmente nus ou parcialmente nus da cintura para baixo", o que "pode ser indicativo de algumas formas de violência sexual".

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O relatório também diz que "há motivos razoáveis para acreditar" que houve vítimas de estupro seguido de morte no festival de música Supernova.

O documento ainda cita que encontrou "informações claras e convincentes" de que as vítimas que continuam sequestradas tenham sido sujeitas a diversas formas de violência sexual e tortura, o que leva a crer que "tal violência possa estar em curso".

Na Cisjordânia, o relatório cita que houve uma "situação de dramática deterioração da situação dos direitos humanos após os ataques de 7 de outubro". A ONU alega que houve um aumento de violência e de operações por parte governo israelense, resultando em detenções em massa de palestinos.

A ONU afirma haver "preocupações sobre o tratamento cruel, desumano e degradante dos palestinos detidos, incluindo o recurso crescente a diversas formas de violência sexual."

Os atos incluem "toques indesejados em áreas íntimas, desvelamento forçado de mulheres utilizando Hijab [vestimenta religiosa muçulmana], espancamentos, inclusive nas áreas genitais, ameaças de estupro contra mulheres e contra membros femininos da família (no caso de homens), e nudez forçada prolongada."

O relatório ainda cita que soldados de Israel estariam tirando fotos de mulheres detidas e compartilhando em seus telefones pessoais, além de estarem privando-as do acesso a produtos menstruais.

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A missão não foi à Gaza, e cita que "há informações muito limitadas" se a violência sexual esteja acontecendo na região.

Mulher palestina com seus filhos, feridos em bombardeio, no hospital Shifa hospital na cidade de Gaza
Mulher palestina com seus filhos, feridos em bombardeio, no hospital Shifa hospital na cidade de Gaza Imagem: Mohammed Al-Masri - 23.out.23/Reuters

'Estupro de guerra'

Prática é considerada crime de guerra pelo Tribunal Internacional Penal. A violação dos corpos das mulheres não é uma prática recente em guerras, com registros que datam a Antiguidade. Em 1988, com o Estatuto de Roma, que estabeleceu o Tribunal Internacional Penal, a violência sexual foi tipificada como crime contra a humanidade. Em 2008, por meio da Resolução 1820, o Conselho de Segurança classificou a prática como crime de guerra. Foi a primeira vez em que a violência sexual foi considerada uma ameaça à paz e segurança internacional.

O estupro como "tática de guerra" pretende deixar o adversário ainda mais vulnerável. A ONU define que as violações cometidas durante a guerra muitas vezes visa "aterrorizar a população, desmembrar famílias, destruir comunidades e, em alguns casos, mudar a composição étnica da próxima geração."

A violação pode causar traumas emocionais, danos psicológicos e é uma ameaça à saúde da mulher. As vítimas podem ser infectadas com doenças sexualmente transmissíveis, sofrerem lesões físicas, além de estarem sujeitas a uma possível gravidez indesejada. A ONU Mulheres ainda afirma que o medo da violência sexual pode impedir que mulheres e meninas participem da vida pública, incluindo no que diz respeito ao acesso à educação.

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A primeira condenação do Tribunal Internacional Penal por esse tipo de crime foi em 2016. O acusado foi Jean-Pierre Bemba, antigo vice-líder da República Democrática do Congo, que se envolveu no conflito da vizinha República Centro-Africana. Ele foi responsabilizado pelos crimes cometidos pelas suas tropas e condenado a 18 anos de prisão. Depois de 10 anos recluso, ele foi absolvido em 2018 na segunda instância após o TIP concluir que não era possível comprovar que foi ele quem ordenou as tropas congolesas a cometerem os crimes contra a humanidade, incluindo os de violência sexual.

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