Psicóloga sofre com dores por 17 anos até descobrir e tratar endometriose
A psicóloga Gabriela Rosa, 32 anos, levou 17 anos até descobrir que tinha endometriose e passar por uma cirurgia. Sofreu com dores intensas dos 14 aos 31 anos. Nesse período, ouviu de diferentes médicos que as cólicas eram normais e faziam parte do 'combo' de ser mulher. Uma ginecologista até insinuou que ela poderia ter transtornos psicológicos ou que havia sofrido algum tipo de abuso sexual.
Desacreditada, Gabriela se habituou a conviver com dor até que em 2023 encontrou uma médica que a acolheu e a operou. "Pela primeira vez fui vista como um ser humano que precisava de acolhimento e de cuidado".
A seguir, ela divide sua história com Universa.
"Os sintomas começaram na minha primeira menstruação aos 14 anos de idade, sentia muita cólica, tinha fluxo intenso, náuseas, vômito, distensão abdominal e alterações no intestino. Na época estudava, mas faltava alguns dias na escola e nos outros ia me arrastando. Minhas amigas já tinham menstruado, mas nunca tinham relatado algo assim, achava estranho, mas segui minha vida.
Todos os anos fazia os exames ginecológicos, como o papanicolau, e dava tudo normal. Comentava com os ginecologistas sobre as dores, mas eles diziam que era normal e que fazia parte do pacote de ser mulher.
Como uma faca entrando lentamente
Com o passar do tempo as dores foram aumentando e se tornando cada vez mais incapacitantes. Sentia pontadas e a sensação era a de uma faca entrando lentamente em mim. Às vezes perdia a respiração e achava que ia desmaiar. Tomava vários remédios, mas não adiantava.
Em 2020 comecei a sentir dor para fazer xixi durante a menstruação e depois toda vez que ia ao banheiro. A dor era tão forte que tinha medo de fazer xixi. Mesmo os exames de urina dando negativo, os médicos tratavam o problema como infecção de urina e com antibiótico.
Passei com uma ginecologista, mas ela insinuou que eu poderia ter algum transtorno psicológico e que as dores poderiam ser decorrentes de algum tipo de violência ou trauma sexual, como se eu tivesse sofrido algum abuso ou estivesse em um relacionamento ruim e fizesse sexo sem vontade. Ela recomendou o uso de vibradores para dessensibilizar a região, mas nada do que ela disse fazia sentido.
Procurei um Centro de Saúde Integral à Saúde da Mulher, mas passei por uma experiência horrível. A pessoa responsável pela triagem perguntou por que eu estava ali. Expliquei a situação, mas ela minimizou o meu caso, disse que na sala de espera havia mulheres com câncer, com problemas raros no útero, com gravidez de risco e que o serviço era para esse tipo de paciente.
Fiquei constrangida, mas decidi esperar e fui atendida após três horas. O médico fez algumas perguntas, me pediu uma ressonância da pelve e fui diagnosticada com endometriose aos 29 anos, em 2021.
Cheguei a duvidar que sentia dor
Eu me habituei a viver com a dor por anos, mas nesse processo fui tão desacreditada que cheguei a me questionar se eu realmente a sentia e se não era coisa da minha cabeça. Fiquei aliviada de saber o que tinha e imaginei que meus problemas tinham acabado, mas eles se agravaram.
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Quero receberNo auge da doença tive um grande impacto na minha saúde física, mental e social. Não tinha ânimo para fazer as coisas, recusava muitos convites para sair, tinha alterações de humor, ficava triste e deprimida.
Sofri violência física durante a realização de alguns exames - claro que já fui atendida por profissionais empáticos e cuidadosos que me respeitavam, mas outros não se importavam e faziam de qualquer jeito. Uma vez um médico foi tão bruto ao fazer um exame de toque que me contorci na maca, saí do consultório sangrando e aos prantos. Fiquei destruída.
Após o diagnóstico, coloquei o DIU, a cólica cessou porque parei de menstruar, mas a dor para fazer xixi aumentou. Levei minha queixa ao ginecologista, mas ele dizia que não tinha o que fazer e que ia melhorar.
Percebi que não poderia continuar vivendo dessa forma, passei a ler artigos científicos e a estudar sobre endometriose para saber qual a melhor conduta em relação à doença.
Estabeleci algumas pequenas metas, como conseguir um pedido de exame para o mapeamento correto das lesões e conseguir um bom médico através de um ranking que eu fiz dos melhores profissionais que atendiam pelo meu convênio. Entrei em uma rotina que topava qualquer consulta em qualquer horário, mas encontrei profissionais ruins.
Já tinha perdido a esperança quando agendei uma consulta com uma médica que tinha operado uma conhecida. Ela se interessou pela minha história e me ouviu com a maior paciência do mundo.
Como médica e paciente que já teve endometriose, a doutora prontamente se empenhou em me ajudar. Pela primeira vez fui vista como um ser humano que precisava de acolhimento e de cuidado e não apenas como um corpo cheio de lesões que precisava de uma cirurgia.
A médica me pediu exames complementares e me indicou fazer algumas atividades auxiliares. Comecei a fazer meditação, ioga, acupuntura, fisioterapia pélvica, exercício físico, acompanhamento nutricional e continuei fazendo terapia.
Quero ajudar outras mulheres
Em setembro de 2023 fiz a cirurgia robótica de endometriose. Meu caso era grave e complexo: tinha três nódulos na bexiga, lesões no intestino, no diafragma, no apêndice e ligamentos do útero. Tive uma modificação anatômica em que a bexiga estava repuxada para o lado esquerdo.
A cirurgia foi bem-sucedida, tive uma recuperação tranquila e nunca mais senti dor. Minha vida melhorou 100% e minha visão de mundo mudou. Direcionei a minha carreira como psicóloga clínica para atender mulheres nos diversos contextos em que estão inseridas, principalmente na promoção de saúde e bem-estar.
Assim como fui protagonista do meu processo, quero ajudar minhas pacientes a construírem força e resiliência para enfrentar qualquer adversidade.
Para mulheres com endometriose, meu conselho é guiem o seu próprio caminho, façam as mudanças necessárias, se comprometam com vocês mesmas e busquem ajuda de qualidade. Não precisa ser perfeito, o importante é começar de algum lugar e não desistir.
Tire 7 dúvidas sobre endometriose
1 - O que é endometriose?
A endometriose é uma doença ginecológica inflamatória, sistêmica e dependente de hormônios, definida como a presença de endométrio em localização anormal ou ectópica, isto é, fora da cavidade uterina. O processo inflamatório e a rigidez dos órgãos causam dor. Esse acometimento envolve até nervos pélvicos, o que pode tornar as dores ainda mais intensas. A condição é observada em mulheres reprodutivamente ativas, na fase entre a primeira menstruação e a menopausa. Também pode acometer homens trans.
2 - O que causa?
Há muitas teorias para explicar a causa exata da endometriose, mas nenhuma é definitiva. Entende-se que a causa seja multifatorial e inclua fatores genéticos; menstruação retrógrada (as células endometriais fluem para trás através das trompas de falópio e para dentro da cavidade abdominal durante a menstruação); teoria da imunidade celular (sugere que uma deficiência na imunidade de cada célula permite a proliferação do tecido endometrial fora do útero), entre outros.
3 - Quais os sintomas?
Os principais sintomas são cólicas intensas durante o ciclo menstrual (dismenorreia). A dor pode ser pélvica anterior ou ter irradiações para qualquer parte do corpo, como região lombar, glúteos e pernas.
Dor durante a relação sexual com penetração vaginal (dispareunia). Pacientes queixam-se de dor pélvica pós coito e durante o orgasmo. Pode ocorrer queda de libido.
Quadros de disfunções miccionais, como dor para urinar, como se fosse uma infecção de urina, mas não é causada por bactérias ou vontade de fazer xixi toda hora, e incontinência urinária.
Alteração do hábito intestinal, como diarréia e constipação, dor para evacuar, sensação de esvaziamento incompleto e sangramento quando as lesões intestinais atingem a mucosa.
Há diminuição da fertilidade, dificuldade para gestação espontânea, queda precoce da reserva ovariana e menor taxa de sucesso em processos de reprodução humana.
Cerca de 7% das mulheres podem ser assintomáticas.
4 - Por que a endometriose causa dor durante a relação sexual?
Porque ocorre a inflamação nos órgãos reprodutivos e em toda a pelve. As lesões frequentemente estão localizadas atrás da vagina, o que causa dor mecanicamente quando o pênis encosta nessa região na penetração profunda.
Quando a dor é crônica, todo o assoalho pélvico (conjunto de músculos, ligamentos que dá sustentação a pelve e auxilia a função sexual) fica contraído e dolorido.
5 - Como é feito o diagnóstico?
Inicialmente o diagnóstico é clínico baseado no conjunto de sintomas. O exame físico com palpação, toque vaginal e até retal em alguns casos pode auxiliar. O médico pode solicitar exames de imagem, como ultrassom transvaginal e/ou ressonância magnética da pelve.
6 - Quais os tratamentos?
O tratamento para a maioria das pacientes é clínico e se divide entre hormonal e não hormonal. Grande parte vai ter controle dos sintomas e vai conseguir engravidar naturalmente se quiser.
Há diversas abordagens que podem ser indicadas, como fisioterapia do assoalho pélvico, psicoterapia, acompanhamento nutricional, atividade física regular, acupuntura, ioga, mindfulness.
Pacientes com endometriose têm maior risco de desenvolver ansiedade e depressão devido a dor crônica, angústias, questões envolvendo fertilidade. Nesse sentido, cuidar da saúde mental é fundamental.
A cirurgia é indicada em situações específicas:
- Quando os sintomas dolorosos não melhoram com o tratamento clínico de forma efetiva.
- Para auxiliar na melhora da fertilidade em casos mais avançados ou em casos em que houve falha no tratamento de reprodução humana.
- Quando os exames de imagem detectam obstrução intestinal, obstrução ureteral, endometriomas maiores que 6-7 cm.
- O tratamento cirúrgico deve ser realizado por equipe multiprofissional, experiente e de forma minimamente invasiva (videolaparoscopia ou cirurgia robótica).
7 - De que forma a endometriose afeta a vida das mulheres?
É preciso entender o fardo da endometriose por ser uma doença que atinge a paciente, sua família e a sociedade como um todo. Mulheres com esta condição apresentam maiores índices de absenteísmo na escola e trabalho, mais presenteísmo (quando o funcionário está presente fisicamente no trabalho, mas não é produtivo), maiores custos para a saúde pública e privada, maior dependência química de analgésicos.
Uma em cada 10 mulheres tem endometriose no mundo, são 7 milhões só no Brasil.
Há um atraso de sete a 10 anos no diagnóstico e início de tratamento. Cada uma pode passar por quatro a seis profissionais de saúde levando suas queixas até ser realmente ouvida, diagnosticada e tratada. Há prejuízo pessoal, profissional, sexual e acadêmico. Muitas sofrem traumas e humilhações que serão difíceis de reverter.
A doença não tem cura, mas com o controle adequado, a mulher ficará assintomática e poderá realizar o que quiser, sem nenhuma restrição.
Fonte: Bárbara Murayama, médica ginecologista formada pela Universidade de Mogi das Cruzes, especialista em endoscopia ginecológica pela Unifesp com dois títulos de especialização pela Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia. É professora de ioga credenciada pela Yoga Alliance, com foco no atendimento individualizado, integrativo e humanizado da mulher com endometriose, miomas e/ou adenomiose.
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