Ela é doula de divórcio e ajuda mulheres a viverem o 'parto' da separação
Dois processos intensos de transformação pessoal vividos pela paulista Anna Gallafrio, 42, se tornaram objeto de estudo e motivação profissional: a gravidez e a separação.
Veterinária corporativa até 2009, Anna engravidou do primeiro filho naquele ano e encontrou grupos femininos que a introduziram ao papel das doulas —profissionais responsáveis por orientar mulheres durante a gravidez, parto e pós-parto. Aos 30, em 2012, ela própria se formou doula e passou a atender gestantes, em Ubatuba (SP).
Mas foi após um outro processo de mudanças, iniciado em 2016, que ela decidiu se tornar ajuda de outro tipo: passou a atuar como "doula de divórcio".
'Estou passando por algo parecido'
Ela se separou do pai de seus dois filhos, depois de um relacionamento de oito anos. Na época, assim que divulgou a notícia em suas redes sociais, recebeu mensagens de mulheres curiosas sobre a separação.
"Posso dizer que do dia 1, quando comuniquei que a gente tinha se separado, já recebi contatos dizendo: 'como foi para você?', 'estou passando por algo parecido', 'acho que estou me separando'. Isso com amigas, mas também com antigas clientes", contou ela em entrevista a Universa.
Recém-separada, Anna passou a ser procurada para sessões de "escuta e mentoria" por mães, com idades entre 40 e 50 anos, que ela havia atendido ainda no início da carreira como doula para as gestações. Mas as demandas que recebia já não estavam relacionadas apenas à maternidade.
Mais demanda
Com a alta de divórcios no Brasil no primeiro ano de pandemia —aumentaram 16,8% de 2020 para 2021, segundo o IBGE—, Anna viu crescer expressivamente a quantidade de mulheres que recorriam a ela em busca de ajuda em seus processos de separação.
Acho que uma em cada 10 me procurava para isso até 2020. Hoje, são 7 em cada 10.
Depois de se aprofundar em estudos sobre psicologia das relações, questões jurídicas, gênero e saúde mental, além de participar de encontros com advogadas de família, ela recentemente atualizou seu portfólio e redes sociais com a autodenominação "doula de divórcio".
Este ano, aceitei o nome 'doula de divórcio' porque mulheres que acompanhei na gestação, no primeiro parto, no parto do segundo filho, e até em algumas perdas também, começaram a me falar: 'você está sendo a minha doula de divórcio também'. Então, pensei: 'quero pegar essa fatia do divórcio como algo explícito', e resolvi nomear assim.
Anna Gallafrio
Uma ponte entre a mulher e profissionais
Fosse pela chegada de um filho ou por um processo doloroso de separação, Anna passou a cumprir seu papel de doula "sendo uma ponte entre profissionais técnicos e a mulher que está passando por transformações".
Ou seja, seu atendimento não substitui acompanhamento psicológico ou de profissionais do direito, mas ajuda a mulher a se orientar no meio de tantas informações.
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Quero receberNos casos de divórcio, o atendimento começa com uma videochamada, em que a cliente conta sua história e leva demandas para Anna, que, a partir da escuta, sugere encaminhamentos sobre os "próximos passos" a serem dados no processo.
Busco trazer clareza para elas, com indicações de profissionais, como advogadas e psicólogas, orientações de movimentos estratégicos práticos e do que ela precisa compreender e nomear sobre suas necessidades para comunicar ao parceiro.
Mulheres chegam com questões: 'Não estou sendo cruel?'
Entre as clientes de Anna, há diferentes perfis: mulheres casadas que encontram caminhos para permanecer e ter diálogos melhores com o companheiro, as que estão em processo de separação, "na burocracia da coisa", e aquelas que passam por violência doméstica, traição, alienação parental, e várias formas de assédio depois que comunicam o seu desejo de se separar.
Segundo a profissional, há ainda casos em que a violência sofrida não é explícita, ou não existe, e que a mulher diz: "mas eu casei com um cara legal, ele não me bate, nunca me traiu, nunca peguei nada nesse sentido, será que posso me separar? Tenho legitimidade nessa escolha? Não estou sendo cruel?".
Mulheres em luto e o 'homem real'
De plantão para um parto no momento da entrevista, Anna contou o que aprendeu ao acompanhar mulheres em processos de separação e divórcio nos últimos anos.
Para ela, entre as relações heteronormativas, tanto os relacionamentos românticos como as separações envolvem muitas questões sobre como as mulheres são ensinadas sobre o amor e em qual "pedagogia afetiva" estão inseridas. "Ou seja, de como eles aprendem a amar, em contraponto a como a gente aprende".
A gente aprendeu a se relacionar e a amar em uma mesma escola. Aprendeu a colocar a relação afetiva, sobretudo com um homem, no centro de tudo. Ter uma relação com um homem é uma questão identitária para a mulher, é como um título, uma medalhinha.
Anna cita ideias de uma de suas referências, a professora e psicóloga Valeska Zanello, cuja produção científica sobre gênero e saúde mental ganhou visibilidade nos últimos anos.
"Ela [Zanello] fala sobre como a gente passa anos da nossa vida orbitando em volta de cultivar um relacionamento ou curar de uma relação que acabou com um homem. Então, ou por tê-lo, ou por não tê-lo, é uma questão que lota os consultórios [de psicologia]".
Anna também cita que as relações passam por desafios após a chegada dos filhos, quando, muitas vezes, o homem não se engaja na criação e há sobrecarga da mulher.
"O descuido que os homens têm em relação a elas e em relação aos filhos é algo muito comum de perceber depois da maternidade. Então, é um luto muito grande, que une as mulheres, se deparar com um homem real."
Paralelo entre gravidez e separação
Há uma percepção comum entre a mulher gestante ou em puerpério e aquela que decide se separar, acredita Anna. "As duas sabem que haverá dor, ruptura, mudanças, mas que tem vida depois disso."
Segundo ela, seu trabalho como doula "convencional" e "de divórcio" consiste em estar do lado de uma mulher e permitir que o processo aconteça, "que ela sinta a dor, mas que também sinta prazer, e que encontre o caminho para ser quem ela quiser".
Talvez não vá ser tão fácil e, na maioria das vezes, não é, porque a gente está lidando com uma idealização e com a vida real, tanto no parto —porque tem o parto idealizado e tem o parto que eu vou viver—, como com o que vai acontecer no divórcio. Acho que, no casamento, não tem como fugir de uma idealização. A gente imagina como vai ser uma relação e, depois, tem de lidar com a vida real, com os lutos, e com o que é possível fazer a partir daí.
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