'Temos o direito de não sermos guerreiras sempre', diz Mônica Martelli
É impossível ser triste ao lado da Mônica Martelli, 55, por causa do seu jeito leve de ver a vida. Mas isso não a impede de mostrar suas fragilidades. "Entendi depois de 'Homens são de Marte e é pra lá que eu vou' que a minha missão na Terra era colocar para fora minhas dores, alegrias e experiências e, com elas, de certa forma, ajudar os outros", disse em entrevista a Universa.
Nova embaixadora da Downy, nosso encontro aconteceu em um evento onde ela pôde conhecer alguns fãs e tinha ouvido de uma mulher há pouco tempo que um de seus filmes a ajudou a enfrentar o divórcio. Que sem ele, não teria tido a coragem de dar o primeiro passo pela separação.
O que produzo afeta diretamente a vida do próximo e funciona como uma forma de cura para mim.
E, olha, que de cura ela entende. Para a reportagem, Mônica falou sobre as dificuldades de acompanhar a mãe em seu tratamento de câncer (pela terceira vez) e sua vida familiar como dona de casa.
Universa: Você é embaixadora de uma marca de amaciante. Como é sua rotina de cuidados com a casa? Tem tempo de se envolver?
Mônica Martelli: Sou uma mulher branca e privilegiada e tenho uma pessoa que me ajuda, mas escolho tudo que entra na minha casa. Olho a decoração, o edredom, o cheiro dos produtos que quero, porque sou muito ligada a fragrâncias.
Ser embaixadora de uma marca como a Downy tem tudo a ver comigo. Cheiro é algo que nos remete a muitos momentos em nossas vidas: prazer, acolhimento, alegrias. Até o perigo tem cheiro, né? Eu tenho uma relação muito forte com fragrância, tem sempre um cheirinho na minha casa.
Mas em algum momento da sua vida você certamente não teve ajuda em casa. E aí, já aconteceu algum desastre?
Nossa, tenho muitas histórias assim. Tinha uma máquina de lavar que andava e era impossível de conter quando ela começava a bater. Falava que tinha um espírito lá dentro. [risos] A máquina tinha vida própria, comecei a ficar com medo dela. Passei a lavar as roupas na mão.
Também já coloquei água para esquentar na chaleira e esqueci. Amo chá, mas fui fazer outra coisa e, quando voltei, já tinha fumaça em tudo. Digo que sou um perigo porque sou esquecida, mas é porque temos tantas outras coisas na cabeça e queremos ser produtivos o tempo todo. Enquanto esquento água, vou tirar a maquiagem e daí volto para o chá, sabe?
Além do cheiro, no que mais você se envolve no dia a dia da sua casa?
Moro com a minha filha Julia e com a minha mãe, nesse momento, que estava passando por um tratamento contra o câncer. Sou praticamente mãe solo, então tento estar presente em todos os momentos. Por exemplo: o cardápio é outra coisa que sou muito ligada, porque quero que a gente tenha refeições saudáveis. Presto atenção na fonte de onde estou comprando e de onde está vindo o que estou consumindo.
Você tem alguma memória olfativa muito forte que marcou sua vida?
Vários cheiros me lembram momentos do passado. O do mar me dá uma sensação de pertencimento, porque nasci na beira da praia com a maresia. O de pão francês me lembra as tardes da minha infância, que tinha lanche com pão, manteiga e leite.
Cheiro de pétalas de rosa me dá um prazer momentâneo, algo que busco muito. Antigamente, a gente se planejava para saber quando nos sentiríamos bem. 'Em julho, posso passar uma semana na serra', mas não precisamos esperar. Podemos ter pequenos momentos de prazer todos os dias. Uma toalha cheirosa depois do banho já acalma o estresse.
Tenho em minha memória também o cheiro de bolo assado na cozinha, que lembra muito a minha infância, de quando eu morava em Macaé. Esses cheiros e momentos nos ajudam a desacelerar desse mundo que quer que sejamos produtivos o tempo todo.
Você é conhecida por seus papéis na comédia, mas fora da atuação, você é uma pessoa naturalmente bem humorada ou esse é só seu lado artístico?
Essa pessoa que está falando com você é a mesma no trabalho, no palco do teatro ou no no set de um filme.
Sou assim, tenho essa energia e sou engraçada. Acho que isso acontece por causa do meu jeito de falar e a forma como vejo o mundo, sabe? Tenho essa forma de olhar a vida com humor constante. Mas, claro, quando estou sofrendo não sou assim. Se estou com a minha mãe, na quimioterapia, não consigo ter esse jeito, mas depois sempre buscamos tirar uma risada daquela situação e ver a vida com humor.
Sua mãe passou por tratamento contra o câncer algumas vezes. O que é mais difícil para você, como filha, que acompanhou esse processo?
Todo processo é horroroso e a palavra câncer assusta muito. Na hora que você recebe o diagnóstico já é uma porrada para toda a família, depois é preciso enfrentar o tratamento. E estou falando na visão de uma acompanhante que estava ao lado da pessoa mais importante da minha vida, que é minha mãe.
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Quero receberEla é minha inspiração em tudo o que faço. É difícil lidar com a finitude da vida, porque você está ali, ao lado de uma pessoa lutando contra uma doença que mata. É como se toda hora a gente estivesse se preparando para o final, mas você nunca está pronta.
Ficamos naquele eterno luto e você passa por todo processo rezando e tentando colocar a pessoa pra cima. É muito difícil. E, olha, que minha mãe é muito diferenciada. Ela tem um pacto com a vida, gosta de viver. É envolvida em diversos projetos e tem sempre algo em perspectiva. Eu a acompanhei em todas as sessões de quimioterapia. Eram seis horas na sala, sentada em uma salinha, recebendo o remédio na veia. Começava a falar com ela sobre o futuro, viagens, livros, para estimulá-la.
É muito difícil quando os papéis se invertem e você começa a cuidar da pessoa que cuidou de você a vida toda.
Você comentou sobre sua mãe dizer que não quer mais ser chamada de "guerreira", o que eu pessoalmente concordo muito. Qual a sua visão disso?
Quando minha mãe me disse isso, bateu de um jeito diferente. Ainda mais porque enxergo a minha mãe como uma guerreira. Quando ela ficou doente ouvia isso o tempo todo. Não suportava mais.
Foi importante para mim entender que a gente pode ser frágil, mas vivemos em um mundo que não aceita isso, quando a fraqueza e a fragilidade fazem parte da vida. Tem dias que não sou guerreira, estou caída, fraca e doente. Estou precisando de ajuda e não estou bem. A gente pode estar triste por causa de algum problema, fim de um relacionamento, briga com o filho. E temos esse direito.
Exigem que a mulher esteja sempre 100% em todos os papéis que exerce. E somos julgadas por isso e apontadas o tempo todo: 'Oh, largou a casa/marido/trabalho, olha no que deu.' O que cria essa necessidade de ser uma mulher forte o tempo inteiro. É importante desmistificar e tirar a gente desse lugar de guerreira.
Você tem uma filha adolescente. Ela está em uma fase que acha legal ter uma mãe famosa ou não quer que você poste fotos dela de jeito nenhum?
Ela diz que se eu postar ela vai me denunciar. [risos] Eu preciso implorar de joelhos, dizer que é importante para mim. E ainda assim, ela olha a foto e, às vezes, não deixa. Mas tem horas que ela me libera. [risos]
A adolescência é uma fase da vida, com milhões de hormônios explodindo, inseguranças e um mundo se abrindo, sem termos as ferramentas para lidar. A gente chega na menopausa sem saber lidar com essa mudança hormonal, mesmo já fazendo 30 anos de terapia.
Ontem mesmo a Julia me perguntou se eu ia sair com aquela roupa e comecei a rir, porque foi tão adolescente mal humorado que chegou a ser caricato. É importante entender que é uma fase e que não adianta bater de frente. Claro que existe um direcionamento e muito diálogo, mas ela está em um momento em que quer falar mais com as amigas, que vai a festas. Quando chega e eu pergunto como foi ela só diz 'legal'. Nós também já fomos adolescentes. Você tem que ir entrando na conversa aos poucos e, no final, ela se abre.
Você fala da sua vida amorosa com muita tranquilidade e diz que se apaixonou aos 50 anos. Você recebe mensagens de fãs dizendo que isso as ajudou a abrir os olhos para o amor?
Falo tudo sobre minha vida porque entendi depois de 'Homens são de Marte e é pra lá que eu vou' que a minha missão na Terra era colocar para fora minhas dores, alegrias e experiências e, com elas, ajudar os outros. Hoje mesmo ouvi de uma pessoa, que veio tremendo falar comigo, que a ajudei durante a separação por causa do filme 'Minha Vida em Marte'.
O que produzo afeta diretamente a vida do próximo e funciona como uma forma de cura para mim. Acho importante essa troca. Falo bastante com essa mulher com mais de 50 anos que enfrenta diversos preconceitos, inclusive o de sair da idade reprodutiva, o que nos torna 'velhas' . Que nova mulher é essa? A gente tem que se ajudar e levantar umas às outras.
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