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'Pulei de altura de 4 m para fugir de estupro e sonho em voltar a andar'

Simone Machado

Colaboração para Universa, em São José do Rio Preto (SP)

18/04/2024 04h00Atualizada em 18/04/2024 13h06

A cabeleireira Juliane Lacerda, de 39 anos, pulou do primeiro andar de um prédio para fugir de um estupro, em Goiânia. O caso aconteceu no dia 29 de janeiro de 2021 e, desde então, ela luta para se recuperar de uma grave lesão na coluna e sonha em voltar a andar sozinha.

Ela contou sua história a Universa.

'Sabia que não era apenas um assalto'

"Naquela sexta-feira, acordei cedo, como de costume, e logo fui para o salão de beleza de que eu era dona. Por volta das 10h30, terminei o atendimento da primeira cliente da manhã.

Enquanto eu e uma funcionária aguardávamos a chegada da próxima cliente, sentamos cada uma em um lugar do salão para responder às mensagens de WhatsApp e fazer novos agendamentos.

Não percebi a aproximação e a entrada do criminoso. Quando me dei conta, ele já estava dentro do estabelecimento, trancando a porta da entrada com a chave. Naquela época, estávamos retomando os trabalhos após períodos de isolamento por causa da pandemia de covid-19 e eu precisava deixar a porta sempre aberta por recomendação das autoridades de saúde.

Quando vi aquele homem trancando a porta já sabia que não seria apenas um assalto. Eu já havia sido assaltada 12 vezes e aquele comportamento não era de quem apenas iria roubar celulares e dinheiro.

Permaneci sentada e em silêncio. O homem pediu para a minha funcionária fechar as cortinas do salão para que do lado de fora ninguém conseguisse ver o que estava acontecendo.

Ele estava armado com uma faca e em um primeiro momento foi para cima da minha funcionária pedindo que ela tirasse a roupa. Em segundos, ela estava seminua, com ele passando a mão em seu corpo e segurando uma faca próxima ao seu pescoço.

'Saí correndo e subi as escadas'

No instinto de ajudar, pensei que se eu corresse para o andar de cima ele viria atrás de mim e a soltaria.

A escada era em espiral e, por ele não conhecer o local, demoraria mais do que eu para conseguir chegar ao primeiro andar. Mas eu tinha consciência de que, chegando lá, eu teria de pular, se não ele me mataria. Foi isso que fiz.

Saí correndo e subi as escadas. Ele veio logo atrás.

'Caí e não senti as pernas'

Juliane logo após ter pulado de uma altura de 4 metros Imagem: Arquivo Pessoal

Ao chegar ao primeiro andar, abri uma janela de correr e pulei de uma altura de mais ou menos quatro metros. Ao tocar o chão, perdi as forças nas pernas e caí sentada. Na hora, eu já não senti mais minhas pernas e sabia que algo de grave havia acontecido.

Vendo a situação, o bandido fugiu levando nossos celulares.

Fui socorrida e levada ao hospital. Após exames, foi constatado que eu havia fraturado a primeira vértebra da coluna e os dois calcanhares. Passei por cirurgia e permaneci por 14 dias internada.

Devido à fratura na vértebra, os médicos me disseram que dificilmente eu voltaria a andar. Foram dias desesperadores, em que eu sentia muita dor e cheguei a pedir a Deus para não sobreviver.

'Minha vida mudou totalmente'

Quando tive alta e voltei para casa, minha vida mudou totalmente. Eu precisava usar fraldas e não conseguia fazer nada sozinha, precisava de acompanhamento o tempo todo. Era como se eu voltasse a ser uma criança e precisasse reaprender tudo, como comer sozinha e me sentar.

Com um filho, na época com 13 anos, minha família passou a se revezar nos cuidados com a gente. Minha mãe, irmã e duas tias se revezavam. Como elas moram no interior do estado, viajavam 250 km e passavam períodos de 15 dias em casa. Elas pausaram a vida delas por nós.

Nesse período, comecei a usar cadeira de rodas e a fazer sessão de fisioterapia praticamente todos os dias.

Alguns meses depois, com a ajuda das fisioterapeutas, consegui ficar em pé pela primeira vez. Com o passar dos meses, fui recuperando a força muscular e me adaptando à minha nova rotina.

Dois anos após o ocorrido conversei com a minha família e decidimos que era o momento de ter minha independência novamente e passei a ficar sozinha em casa com meu filho.

Juliane Lacerda teve lesão na coluna ao fugir de um estupro Imagem: Arquivo Pessoal

Devido às limitações, precisei fechar o salão e passei a trabalhar com vendas na internet para complementar a renda. Estou afastada pelo INSS já que não consigo ficar por muito tempo em uma mesma posição devido às dores. Minha vontade é encontrar um emprego de meio período para me recolocar no mercado de trabalho.

Hoje faço academia todos os dias acompanhada de uma sessão de fisioterapia. A atividade é necessária para que eu ganhe força muscular e minhas pernas consigam sustentar o meu peso.

Para andar, ainda uso muletas e órteses nos pés. Já dei alguns passinhos sozinha e tenho a esperança de voltar a caminhar. Após três anos, minha vida ainda não voltou a ser como antes.

'Vida limitada por homens'

Vejo que o que aconteceu comigo é a realidade de muitas mulheres —que têm suas vidas limitadas por homens.

Eu não vejo melhora no comportamento dos homens em relação às mulheres se não houver mudanças de leis. É muito difícil ser mulher no Brasil e às vezes até sinto que, em muitos casos, a gente precisa se calar para não ser exposta e sofrer ainda mais."

Criminoso preso

Cerca de 20 dias depois do crime contra Juliane, o suspeito, um jovem de 22 anos, foi detido por policiais da Rotam (Ronda Ostensiva Tática Metropolitana).

Já havia um mandado de prisão preventiva contra ele, também pelo crime de estupro. O homem estava sendo procurado por policiais da 2ª Deam (Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher).

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