'Ninguém sabia como seria o mundo depois da pandemia. Eu seria mãe'
Luciana Bugni
Colaboração para Universa
23/04/2024 14h51
"Quando fiz 40 anos, decidi que queria ter filhos e pedi para minha médica na Alemanha tirar o DIU. Como boa alemã, ela me falou que eu já era velha e já tinha passado da hora. Mas eu sabia que era a hora certa. Engravidei rápido, mas perdi o bebê com oito semanas. Passou um ano e no Réveillon de 2019 para 2020, coloquei como meta que era o ano de engravidar. Comecei um tratamento para fazer inseminação artificial. Mas aí veio a covid e, na semana que ia fazer o procedimento, surtei e falei que não ia. Não queria ter um filho com o mundo tão louco, sem saber o que vinha pela frente. Desisti.
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Como não mandamos no destino, eu engravidei naturalmente no mesmo mês. Demorei para descobrir pois era março, quando ficamos um mês sem sair de casa, em lockdown total. Eu não achava que estava grávida. Achava que era hormônio desregulado já que nunca fui muito regrada mesmo. Só fiz o teste de farmácia porque meu marido insistiu ao achar estranho que eu, uma chocólatra, começasse a ficar enjoada com o cheiro de chocolate. Eu estava grávida mesmo!
Eu nunca me imaginei grávida e acho que isso foi ótimo, pois com certeza teria sido tudo diferente. Minha gravidez toda foi em lockdown total ou parcial, meu marido não pode ir a nenhuma consulta, eu estava sozinha em todas as vezes que vi o ultrassom e nem pude filmar ou tirar foto para que ele visse. Chá de bebê, também não tive; fotografia de gravidez, só selfie. Minha mãe nunca me viu grávida, tampouco nenhuma das minhas amigas mais próximas do Brasil. Nada disso era possível.
Na Alemanha, há todo um processo burocrático. Tem que escolher o hospital com antecedência, fazer visitas, participar de programas. Mas durante a pandemia tudo foi cancelado e os protocolos mudavam o tempo todo. Passei a gravidez sem saber como ia ser quando o meu filho fosse nascer. Mesmo com todas as restrições, consegui fazer todos os exames pré-natais. Tive dificuldades como comprar máscaras em um período em que as farmácias ainda não vendiam o produto — tivemos que negociar com o farmacêutico uma máscara que os funcionários usavam e paguei a fortuna de 20 euros. Naquele momento de insegurança, foi quase um milagre.
A dor do parto antes do parto
Como já tinha mais de 40 anos fiquei com medo de ter pressão alta e diabetes. Não tive nada disso, e sim uma pedra no rim. Dizem que dói tanto quanto a dor do parto. Não sei dizer se é verdade, pois fiz cesárea antes de entrar em trabalho de parto, mas garanto que pedra no rim no último trimestre de gravidez é muito difícil. Não podia tomar remédio para dor e ainda corria o risco de o meu filho nascer prematuro. Pouco depois, descobri que tinha pouco líquido amniótico. Tive que chamar a ambulância, pois estava com muita dor e fui para o hospital.
O meu filho, que até então não tinha nome, estava com 29 semanas. Ainda era muito cedo para nascer, mas os batimentos cardíacos dele estavam muito acelerados e alterados. Como eu estava com muita dor, foi a primeira vez que deixaram meu marido entrar comigo em um exame. Foi o momento mais emocionante: ele começou a conversar com minha barriga, dizendo para ele ficar tranquilo, que a mamãe estava bem e tudo daria certo. Nesse momento, os batimentos estabilizaram e foi lindo ver que a conexão pai e filho já existia.
Dessa semana até a 36ª, quando ele nasceu, eu ia duas vezes por semana ao hospital fazer o acompanhamento dos exames, com a melhor máscara e morrendo de medo de pegar covid.
Na 32ª semana, depois de mais umas crises, consegui expelir a pedra do rim. Otto, que durante toda a gravidez teve o apelido de Covidson, nasceu com 36 semanas e cinco dias.
Minha única expectativa na gravidez era ter parto normal. Eu havia me preparado... li livros, fiz exercícios em casa. Chorei quando me dei conta de que, provavelmente, este não seria o meu caso. Fiquei com medo de perder meu filho, me senti impotente. A médica perguntou se eu tinha medo da cirurgia, mas não era isso. Temia que meu filho sofresse e eu fosse capaz de sentir que ele estava sofrendo, parasse de se mexer ou morresse. Talvez seja um medo de todas as grávidas.
Era o pico de casos da segunda onda... Mas deu tudo certo na cesárea. Fiquei sozinha com ele na primeira noite e depois, nas três seguintes, meu marido ficou conosco. Foi o melhor parto que eu poderia ter. Foi feliz, emocionante, respeitoso, humano e globalizado — se falava alemão, português, inglês e espanhol na equipe. Bem universal, do jeito que eu gosto.
Acho que a gestação sempre é diferente do que a gente imagina, mas se preparar, ler, fazer cursos e conversar com outras pessoas de forma aberta ajuda muito. Ao falar online com outras gestantes, vi que tínhamos dúvidas parecidas. Eu sabia que provavelmente teria uma cesariana, pois no curso que eu fiz falaram dos principais motivos em que ela é indicada. Então, mesmo com medo e triste, eu sabia o porquê. Me senti mais empoderada.
Aprendi que, com filho, a gente nunca sabe o que vai acontecer. Engravidei mesmo não indo fazer a inseminação artificial, em plena pandemia. E tive o parto mais humano, respeitoso e tranquilo mesmo com milhões de restrições e complicações. Hoje, acho que não podia ter melhor momento para ter ficado grávida. Enquanto ninguém sabia dizer como o mundo seria pós-pandemia, eu sabia exatamente no que meu novo mundo se transformaria: eu seria mãe."
Beatriz Mello, analista de dados, 45 anos, mãe de Otto, 3