'Tive dois filhos após ouvir que nunca poderia engravidar por ter miomas'
Luciana Bugni
Colaboração para Universa
23/04/2024 14h34
"Eu queria muito engravidar, mas ouvia desde os 16 anos que nunca poderia ter filhos devido a miomas uterinos. Fiz uma cirurgia para a retirada de sete deles, mas voltaram. Três meses depois de casada, estava passando por uma fase de finalização de mestrado na Alemanha e tinha muita dificuldade para dormir. Procurei um serviço com psicólogos e psiquiatras e quem me atendeu perguntou se havia a chance de estar grávida. Fiz o teste de farmácia com o meu marido e não acreditei no resultado positivo.
Conheça os conteúdos exclusivos de Materna com acesso ilimitado.
Fomos juntos ao ginecologista na manhã seguinte, para fazer exame de sangue, e ele me ligou pra dar o resultado: 'Frau Borges, Sie sind sehr schwanger (senhora Borges, a senhora está bem grávida!)'. Eu vim para a Alemanha para fazer um mestrado, sem bolsa de estudos, apenas com recursos próprios. O euro disparou na época e eu mais trabalhava que estudava.
Assim que soube do resultado positivo, voltei a fazer exercícios. Não queria engordar muito na gravidez. Mas quando fui descer de um aparelho na academia, torci o tornozelo. Foram duas semanas de cama, com a perna para cima, sem poder colocar o pé no chão. Na época, eu dava aula de alemão como língua estrangeira na universidade. Quando fui informar à secretária que estava grávida, ainda estava no primeiro trimestre. Em vez de me parabenizar, ela disse que ainda havia muito tempo para dar algo errado. Um amigo, quando contei que estava grávida, falou de cara: 'mas você vai tirar, né?'. Eu não ia.
Na semana em que voltei a trabalhar após a torção, na sexta semana de gestação, tive um sangramento ativo. Fui medicada e proibida de trabalhar. Tinha contratos como estudante e, por isso, não tinha direito a alguns auxílios do governo. Em umas das internações, recebi um e-mail da minha então chefe apenas me comunicando que não havia conseguido financiamento para a minha vaga. Fiquei desempregada durante a gravidez. Só voltei a estudar e trabalhar quando meu segundo filho completou 1 ano.
Passei a gestação toda com medo de um abortamento espontâneo, e cada vez que fazia xixi, achava que ia achar sangue na calcinha. Meus miomas estavam competindo com o feto no crescimento, e eu passei a ter contrações na 20ª semana. Passei por várias internações, inclusive tomei hormônio para acelerar o amadurecimento dos pulmões. A situação mais difícil era me sentir impotente e culpada: achava que eu tinha feito algo errado e causado sofrimento ao feto. Não havia feito nada.
Nas internações, fiquei na área oncológica, porque não havia leito na obstetrícia. Não foi uma fase tranquila. A sensação de estar em risco era deprimente. Eu tinha muito medo, fiquei muito sozinha, já que meu marido trabalhava o tempo todo e estava em fase de finalização do doutorado. Ele é israelense e, como eu, não tem família na Alemanha. Eu só queria minha mãe para cuidar de mim. Éramos nós dois e a rede de amigos que se revezavam para me visitar, cozinhar, me alegrar. Foi maravilhoso quando minha mãe veio do Brasil para ficar comigo por um período.
Se eu tive uma gravidez turbulenta, a partir da 36ª semana, eu não tinha nada e me sentia muito bem, disposta. A bolsa estourou e nem percebi: na 41ª semana fui internada para fazer uma cesárea. Eu nem sei exatamente no que me apegava para ter força... Só pensava que não poderia causar nenhum mal ao bebê e fiz muito repouso pra ficar tudo bem. Deu certo! Minha filha nasceu quando eu tinha 36 anos.
Quando ela era pequena, tentei engravidar do segundo, mas possivelmente porque eu amamentava em livre demanda por dois anos e meio, não rolou. Meu ginecologista me encaminhou para uma série de exames em uma clínica de fertilização, porque, segundo eles, eu já era velha. Desmamei e, na fase de coletas de exame para escolha do tratamento adequado, engravidei naturalmente.
Felizmente, a segunda gravidez foi maravilhosa! Entre as duas gravidezes eu fiz uma cirurgia para retirada dos miomas e creio que isso contribuiu muito. Após o parto, quando peguei meu filho no colo, percebi que ele não pegava o peito e estava meio azulado. Chamei a enfermeira, que o levou imediatamente para a pediatra e ele ficou uns dez dias na UTI neonatal com problema de saturação de oxigênio... Fico nervosa só de lembrar!
Quando penso hoje em tudo que passei, me acho muito corajosa e meio maluca por ter engravidado novamente.
É importante se informar muito sobre gestação, parto e, principalmente, sobre amamentação. Fui muito insistente e amamentei meus dois filhos por quase dois anos e meio cada um. Sei que estou numa situação privilegiada e pude ficar em casa entre a primeira gravidez e o primeiro ano do meu segundo filho. Confie no seu corpo!"
Ellen Borges, educadora, 43 anos, é mãe de Benjamin, 4, e Sofia, 7