Stalking é crime: obsessão, como a de 'Bebê Rena', pode levar à prisão
De Universa, em São Paulo*
29/04/2024 17h30
A minissérie de sete episódios "Bebê Rena", que se tornou uma das mais vistas no último final de semana na Netflix, conta a história real de perseguição do protagonista e criador da produção, Richard Gadd.
Gadd foi alvo de stalking ao longo de quatro anos. Ele recebeu 41.071 emails, 350 horas de mensagens de voz, 744 tuítes, 46 mensagens no Facebook, 106 páginas de cartas e diversos presentes. Entre os recebidos, ele ganhou remédios para dormir, um gorro de lã, uma cueca samba-canção e um brinquedo de rena —apelido que ganhou da stalker e que batiza o título da série.
No Brasil, pode levar à prisão
No Brasil, a lei que criminaliza o stalking (palavra para "perseguição", em inglês) foi sancionada em abril de 2021.
A punição para o crime de stalking é de prisão em reclusão de seis meses a dois anos e multa.
A pena pode pode ser aumentada se o crime for cometido contra criança, adolescente ou idoso, e contra mulher por razões da condição de sexo feminino.
Apesar de ser um crime recente, o tema ganhou debate público a partir da década de 1980, com o aumento de perseguições que as celebridades sofriam com os paparazzi e tabloides.
No X, antigo Twitter, o comediante Whindersson Nunes contou que já foi alvo do crime. "Já passaram pela minha vida quatro pessoas como da série 'Bebê Rena', três mulheres e um homem. O cara me via como um Deus, a vida só daria certo se eu guiasse o caminho. A outra, uma senhora que me manda mensagens há cinco anos (até hoje)", contou.
"Quando eu assisti a essa série, eu consegui entender que algumas pessoas tem um fascínio pela pessoa em vez de amor ou carinho, não sei como amedrontar alguém pode demonstrar amor", continuou o comediante.
Quando a obsessão vira crime?
O termo stalkear é frequentemente utilizado para se referir à prática de ver o perfil de uma pessoa nas redes sociais, mas é importante ressaltar que a mera curiosidade não configura infração penal.
O crime de stalking é definido como perseguir alguém, reiteradamente e por qualquer meio, ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade. Artigo 147-A do Código Penal
O caráter mais importante da perseguição é a prática reiterada e obsessiva. Por exemplo: uma mulher recebe flores de um ex-namorado diversas vezes, sente-se incomodada e diz a ele que não gostaria mais de receber esse tipo de presente. O envio de flores, por si só, não é um crime. Mas o envio reiterado, que gera medo, angústia, a sensação de estar sendo vigiada e de não ter intimidade respeitada, pode se enquadrar no delito.
"É pela repetição que aquilo que poderia ser apenas um incômodo se torna insuportável, podendo resultar em traumas irreversíveis", explica a advogada criminalista Izabella Borges, cofundadora do Sentinela Delas, especialista em violência de gênero. "A forma de agir do perseguidor é um parâmetro relevante, mas deve ser analisado em conjunto com a quantidade de vezes que ele atua e a forma como a vítima percebe essas ofensivas."
Esse crime é complexo, porque o perseguidor pode mesclar ações, praticando atos lícitos, como o envio de flores, e criminosos, como invadir a residência da vítima ou criar identidades falsas para vigiá-la. Há uma infinidade de formas de atuação. Izabella Borges, advogada criminalista
Na sua experiência como advogada, Borges avalia que a Justiça tem enquadrado como stalking casos em que a perseguição é mais evidente, assim como os danos ou potenciais danos decorrentes do comportamento do perseguidor.
"Por se tratar de um crime novo e complexo que pode envolver condutas lícitas e ilícitas, os agentes públicos tendem a enquadrar como stalking, de forma mais imediata, aqueles casos em que o sujeito age no campo da ilicitude, como quando há ameaça, porte de arma ou crimes contra a honra."
Para se considerar um crime, a integridade física ou psicológica da vítima deve estar ameaçada, pontua Patricia Peck, advogada especialista em direito digital e professora da ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing). "Ainda fala em perturbação da esfera de liberdade ou privacidade, o que nos remonta tanto ao direito constitucional da liberdade e da privacidade quanto ao direito civil de ter sua privacidade respeitada", diz.
A internet acaba se tornando um dos principais meios para coletar qualquer tipo de informação de alguém. "Perfis de rede social abertos e a exposição excessiva de informações pessoais na rede podem facilitar a ação do stalker", alerta a advogada.
*Com informações de reportagem publicada em 20/05/2022 e 08/09/2022