'Sou negra e tenho cabelo afro': desemprego afeta mais as jovens negras

Emily Santos de Lima, 18, busca emprego desde que saiu do seu primeiro trabalho, em uma empresa de telemarketing, em fevereiro. Moradora da Vila Formosa, zona leste de São Paulo, ela conta que a tarefa tem sido difícil. E o fato de ela ser uma jovem negra de periferia, com dois irmãos mais novos, dificulta ainda mais esse processo de encontrar um emprego com carteira assinada.

Sou negra, tenho cabelo afro, sinto que tudo isso complica um pouquinho mais em entrevistas.

"A gente entrega currículos, faz entrevista e parece que nunca dá certo", afirma ela, que procura trabalho na área de atendente em mercados ou vendedora em loja. "Qualquer coisa que eu possa ajudar minha mãe com as coisas aqui de casa. Preciso ajudar porque fica puxado para ela sozinha."

Emily Santos de Lima busca trabalho CLT há três meses
Emily Santos de Lima busca trabalho CLT há três meses Imagem: Acervo pessoal

Dados do relatório "Mude Com Elas", da ONG Ação Educativa, mostram que o subemprego e informalidade ainda é um dos principais desafios socioeconômicos para jovens mulheres negras.

No final de 2023, o desemprego de jovens mulheres negras —na faixa etária entre 18 e 24 anos— era de 18,3%. O percentual de homens brancos nessa condição era de 5,1%.

Jovens mulheres negras têm menos proteção CLT. Apenas 44% delas têm carteira assinada, enquanto metade dos jovens brancos tem o registro.

Elas recebem média 2,7 vezes menos que homens brancos. Enquanto as mulheres negras têm salário médio de R$ 1.582, os homens brancos recebem R$ 4.270.

No grupo jovens mulheres negras, 23,4% frequentam ou já terminaram uma graduação. Enquanto o número de mulheres brancas na mesma situação é de 39,8%.

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O salário das jovens negras chega a ficar abaixo até da renda média dos brasileiros, que é R$ 2.982.

É um abismo. Entre 2021 e 2023, houve redução nas desigualdades do país, de uma maneira geral. Mas quando você vai comparar com esse público, as desigualdades até mesmo se aprofundaram. Fernanda Nascimento, coordenadora do "Mude Com Elas"

Ela explica que o projeto quer contribuir com dados para pensar estratégias de incidência em políticas públicas e diálogo institucional para superação dessa desigualdade. "A produção desse material é para chamar atenção para a situação das jovens mulheres negras no mercado de trabalho, que estão no trabalho informal, trabalho não remunerado ou no trabalho do cuidado", afirma.

A desigualdade tem uma cara. Ela tem cor, sexo e faixa etária. Mas quando você olha para as políticas públicas, sejam elas de juventude ou para as mulheres, não existe recorte. É uma população que está em um limbo para as políticas públicas. Fernanda Nascimento, coordenadora do "Mude Com Elas"

Nascimento afirma que é preciso pensar o mercado de trabalho a partir da juventude. "Olhamos sempre na perspectiva do mundo do adulto e não estamos olhando para essas jovens meninas que estão em subempregos, e como isso influencia para elas não estarem nas escolas, muitas vezes", diz.

Mais de 20% das jovens negras não estudam nem trabalham

No grupo de pessoas de 14 a 29 anos, 10,6% das mulheres negras trabalham e estudam, enquanto 23,3% estão fora da força de trabalho e não estudam. Considerando as mulheres brancas da mesma faixa etária, 15,4% trabalham e estudam e 15,4% estão fora da força de trabalho e não estudam.

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Várias situações contribuem para essas meninas permanecerem nesse lugar. Mesmo com políticas pensadas para a população negra, por exemplo a política de cotas, que inseriu muitas jovens negras nas universidades, isso ainda não alterou completamente a realidade de meninas, porque muitas nem chegam até lá. Fernanda Nascimento, coordenadora do "Mude Com Elas"

"Muitas estão no trabalho do cuidado, doméstico, cuidando dos irmãos mais novos. Sobra pouco tempo para se inserir no mercado de trabalho, que é pouco flexível quando se pensa em carteira assinada", diz Nascimento.

Outro desafio, ela aponta, é o racismo e sexismo. "Isso reverbera dentro dos espaços de trabalho", diz.

Emily relata que já passou por situações racistas em entrevistas de emprego. "Querendo ou não, ninguém fala sobre o cabelo de pessoas que têm os fios lisos. Mas uma pessoa de cabelo afro grande, mostrando o cabelão, a gente recebe comentários. Já ouvi coisas como 'mas você quer que cresça mais?', referindo-se ao meu cabelo", conta.

Enquanto procura trabalho para ajudar com as contas de casa, Emily tem o desejo de prestar faculdade e trabalhar na área da saúde. "Ou ser jogadora de futebol profissional", diz.

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