O que pecados capitais têm a ver com mulheres nunca se sentirem suficientes
A autora e jornalista Elise Loehnen já foi editora da Goop, marca da atriz Gwyneth Paltrow, e coautora de diversos livros. Mas agora chega às prateleiras com sua primeira criação própria: em "Bem-comportadas: Os sete pecados capitais" (Editora Sextante) ela reflete sobre as cobranças feitas às mulheres.
"Mulheres e crianças conquistadas em conflitos e transformadas em pessoas escravizadas, servas e concubinas foram as primeiras propriedades do patriarcado", diz a autora no prólogo de sua obra. Para Universa, ela contou que começou a pensar sobre a saúde emocional das mulheres há 20 anos.
"Esse livro surgiu do reconhecimento de que, apesar de fazermos tudo certo e alcançarmos altos níveis acadêmicos em nossa carreira, ainda não nos sentimos capazes o suficiente. Mulheres são programadas para serem boas. Homens para terem poder", diz a autora.
Em conversa com a reportagem, Loehnen explicou a analogia que fez com os pecados capitais e as cobranças às mulheres.
Preguiça: "Nunca podemos nos sentir cansadas, mesmo com jornadas duplas ou triplas"
"Existe essa ideia de que a mulher tem que estar a serviço dos outros, nunca focada apenas nas suas necessidades", diz Loehnen. Jornada dupla (emprego + cuidados com a casa) associada à criação dos filhos comumente se torna uma obrigação da mulher. E, com tanta tarefa, não há tempo para o cansaço.
Um estudo feito pelo Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), mostrou que 38 milhões de lares brasileiros são mantidos por rendas femininas —mais da metade do total do país.
Se separarmos por raça, por exemplo, a dependência dos salários das mulheres fica ainda mais evidente: 56% das mulheres negras lideram seus lares financeiramente.
"Poucas famílias conseguem viver apenas com um salário. Mas ao tomar a decisão de trabalhar é como se as mulheres abrissem mão de cuidar de suas famílias. Elas sabem que precisam, mas têm que evitar que filhos e trabalhos domésticos sofram com essa escolha", explica Loehnen.
E quando os homens assumem essas funções, ganham pontos extras por bom comportamento. A obrigação nunca é deles. "Ajudar" é um bônus.
Ainda existe essa ideia de como o homem é um bom pai ou marido por cuidar dos filhos e como algumas mulheres têm sorte por eles lavarem uma louça. Elise Loehnen
Inveja: "Como ela se atreve?"
A autora acredita que a falta de sororidade é, na verdade, uma inveja inconsciente que sentimos daquelas mulheres que estão fazendo algo considerado transgressor. "Acontece quando uma de nós é vista se permitindo fazer algo diferente, quebrando padrões, ameaçando nossa identidade de 'mulheres boas'", diz Loehnen.
É como se acontecesse o rompimento de um pacto. "É como se pensassem: 'Como ela se atreve a quebrar barreiras enquanto eu sigo confinada?'", diz.
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Quero receberContudo, a autora acha importante deixar claro que isso é um reflexo cultural. Mulheres são, há séculos, manipuladas para competir com outras mulheres. E esse é um comportamento que, por mais que tenha evoluído, ainda está longe de ser apagado.
Orgulho: "Ceder é frustrante, mas é mais seguro"
O que não faltam são termos para explicar como as mulheres são repetidamente diminuídas no mundo corporativo. Tem o mansplaining, que é quando um homem explica algo que já sabemos, e o gaslighting, que é uma forma de manipulação com abuso psicológico. Não à toa, frequentemente não temos espaço em nossas vidas para mantermos nosso orgulho intacto.
Para não ser diminuída ou menosprezada, é mais fácil ceder ideias para outras pessoas e deixar que elas a levem o crédito.
Nestes casos, não é incomum que os louros de grandes insights caiam nos ombros dos homens.
Para a autora, mulheres enxergam esse ceder mais fácil do que começar um conflito —colocando em risco, por exemplo, a posição dentro da empresa. "É frustrante pra caramba. Mas também é mais seguro', concluiu.
Gula: "Ozempic nos levou à estaca zero"
"Muitas mulheres estão usando Ozempic para perder peso. E emagrecer, geralmente, vem acompanhado de uma cobrança moral: 'Hoje não fui boa e furei a dieta, mas amanhã vou fazer tudo certo'", diz Loehnen.
Novamente, as mulheres buscam se encaixar em um padrão imposto pela sociedade, e a qualquer custo.
A autora destaca que com a chegada do uso de medicamentos para emagrecer em larga escala, voltamos à estaca zero em tudo aquilo que conseguimos evoluir quando o assunto é body positive.
"Não há história mais antiga do que a relação das mulheres com a comida. É cultural. Sinto que estamos dentro de um grande experimento, porque não sabemos o efeito que um remédio para diabetes pode causar em nosso corpo daqui uns anos", diz.
Ganância: "Sou muito competente para essa vaga"
Uma pesquisa da Universidade Duke, nos Estados Unidos, mostrou que, ao contrário do que se acredita, as mulheres são, sim, boas negociadoras. Elas buscam sempre chegar a um acordo, mesmo que para isso não sejam tão assertivas.
A autora concorda. "Mulheres são ótimas negociadoras, principalmente quando estão lutando por algo para outras pessoas. Nós somos empáticas, prestamos atenção nas emoções, somos menos impulsivas", diz Loehnen.
Mesmo assim, ela diz que há estudos mostrando que quando somos enfáticas demais naquilo que queremos, os resultados não costumam ser positivos.
Quando somos muito assertivas sobre o que acreditamos ser nosso valor, somos penalizadas.
E ela está certa: de acordo com uma pesquisa do LinkedIn, mulheres se candidatam 20% menos em relação aos homens a novas oportunidades de emprego, pois esperam cumprir todos os requisitos do empregador. Para eles, 60% da capacidade para a vaga é mais do que suficiente.
"Nós temos potencial, só precisamos arriscar mais", diz Loehnen.
Luxúria: "Somos sexy, mas não podemos gostar de sexo"
Não é incomum ouvirmos comentários negativos sobre livros de romance. Há até quem os chame de "pornô de dona de casa". Tudo porque, além de serem escritos por mulheres, falam abertamente sobre sexualidade e os desejos femininos, que são tão reprimidos.
Falam dos romances, mas e os quadrinhos? E o fato de a indústria estar dominada por filmes de herois que são tão leves e fantasiosos quanto, mas que de alguma forma são mais aceitáveis?
E até mesmo os romances nos colocam em uma posição de esperar o momento certo para corrermos atrás do prazer. "O desejo vai aumentando até que os personagens se veem em uma situação que a pegação apenas acontece. Fomos condicionadas a esperar para que o desejo aconteça na hora certa", completa.
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