Taís Araújo é convidada especial de premiação para diretoras em Cannes
Neste ano, só 4 diretoras de cinema vão subir os icônicos 24 degraus da escadaria do Palácio do Festival, em Cannes, como finalistas da seleção oficial de um dos festivais internacionais de cinema mais aclamados do mundo: Payal Kapadia (Índia), que dirigiu "All We Imagine As Light"; Andrea Arnold (Reino Unido), de "Bird"; Agathe Riedinge (França), que fez "Diamant Brut"; e Coralie Fargeat, de "The Substance" (França).
Mesmo com o júri presidido pela atriz e diretora Greta Gerwig, o número indicadas voltou a diminuir: em 2023, a competição, cuja seleção oficial incluía 19 filmes, bateu seu próprio recorde ao indicar seis produções dirigidas por mulheres (por volta de 30% de todos os filmes indicados). Por fim, Justine Triet, realizadora de "A Anatomia de uma Queda", foi quem levou o principal prêmio do evento, tornando-se a terceira mulher a ser agraciada com a Palma de Ouro em 76 edições do Festival de Cannes. Antes de Justine, Jane Campion havia recebido o prêmio em 1993 por "O Piano" e Julia Ducournau havia ganhado por "Titane", em 2021. Uma grande vitória? Ainda não. Estamos entre idas e vindas até conseguir a equidade de gênero.
O papel das mulheres no Festival de Cannes, a mais tradicional competição de cinema do mundo, criado em 1946, tem sido objeto de debates nos últimos 10 anos. Em quase 80 anos de história, grandes artistas como Sophia Loren, Jane Fonda e Juliette Binoche passaram pela competição, mas, na maior parte das vezes, ocupavam o espaço de intérpretes ou "objetos" para desfilar vestidos e joias valiosas. Ações afirmativas têm sido necessárias para incrementar o protagonismo por trás das câmeras, principalmente no papel de diretoras, na história mais recente do festival.
Desde 2021, por exemplo, o trabalho de diretoras de curtas-metragens têm sido prestigiado no prêmio Lights on Women's Worth Award, iniciativa que tem o apoio irrestrito de L'Oréal Paris. A marca, que é uma importante parceira do Festival de Cannes desde 1997, criou a premiação para celebrar uma profissional promissora da seleção oficial de curtas-metragens de Cannes, categoria criada com a La Cinef, além de fazer uma doação de 20 mil euros para apoiar o trabalho dessas diretoras. O evento já premiou realizadoras como Aleksandra Odic, por "Frida" (Alemanha), em 2021; Mai Vu, por "Spring Roll Dream" (Vietnã), em 2022; e Fatima Kaci por "The Voice of Others" (France), em 2023. Neste ano, a celebração acontece na sexta-feira (24), no jantar do Cinema de Demain. As brasileiras Taís Araújo e Gabriela Carneiro da Cunha são algumas das convidadas, junto com Elle Fanning, nova jurada do Lights on Women's Worth Award, Viola Davis, Helen Mirren e Eva Longoria.
Salto alto obrigatório era só um dos problemas
Em 2018, 82 mulheres marcharam de braços dados pelo tapete vermelho do Festival de Cannes. A manifestação foi organizada pelo movimento 5050x2020, que busca a equidade de gênero na indústria e nas principais competições de cinema. Liderada por Cate Blanchett, presidente do júri do festival naquele ano, o grupo representava o número total de diretoras que puderam subir as escadarias do Palácio do Festival como uma das indicadas à Palma de Ouro ao longo de toda a história do festival. Em um discurso lido na ocasião, Blanchett lembrou que, em contrapartida, mais de 1600 diretores homens haviam participado da seleção oficial do Festival de Cannes até aquele momento. "Não teríamos como colocar todos aqui", falou a atriz.
A manifestação foi o ápice de uma discussão que havia se iniciado três anos antes, em 2015. As mulheres começaram a questionar o seu papel dentro do festival quando profissionais foram impedidas de entrar no Palácio do Festival por não estarem usando sapatos com salto alto. De acordo com os relatos, os seguranças diziam que estava fugindo ao dress code do evento. A situação rendeu um pedido de desculpas por parte da organização do evento. No ano seguinte, em 2016, Julia Roberts e Kristen Stewart subiram as escadarias descalças em sinal de protesto. Cate Blanchett voltou a fazer o mesmo no ano passado.
Os desafios, no entanto, vão muito além do restrito dress code para as mulheres: segundo dados do Conselho Nacional de Cinema da França, em 2022 apenas 30% dos filmes foram dirigidos exclusivamente por mulheres. Isto porque o dinheiro é um obstáculo bastante importante, já que o orçamento médio de um filme realizado por uma diretora é de 3,7 milhões de euros, 21% a menos do que os de produções feitas por homens. Esta disparidade financeira impede o acesso das mulheres a grandes projetos. Tanto que, em 2021, nenhum filme com orçamento superior a 10 milhões de euros foi dirigido por uma diretora.
Mas não temos apenas más notícias. Segundo o Conselho Nacional de Cinema da França, 30% das diretoras de documentários são mulheres, já que este é um gênero que dá mais espaço e poder às vozes femininas. Subir as escadas do poder na indústria cinematográfica ainda é difícil, porém com a pressão das profissionais e comprometimento do mercado, esta subida por se tornar mais rápida.
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