Ela adotou irmãos de 8 e 11 anos: 'Tive medo de nunca ser chamada de mãe'
Entre tentativas frustradas, a possibilidade de fazer uma fertilização in vitro e até um bebê prometido, mas que a mãe desistiu de 'doar' após o parto, Maisa Costa demorou 13 anos para realizar o sonho de ser mãe.
Em 2020, a professora de matemática de 42 anos, e o marido, o lavrador Maurílio Guedes, 51, adotaram dois irmãos por meio da busca ativa por adoção, uma ferramenta facilitadora para que crianças e adolescentes que não se encaixam no perfil desejado pela maioria dos pretendentes à adoção (como grupos de irmãos e crianças mais velhas ou com alguma deficiência) consigam uma família. A seguir, Maisa conta sua história:
"Eu e o Maurílio tivemos um namoro rápido na adolescência e depois na vida adulta. Em 2007, nos casamos e começamos a tentar engravidar. Toda vez que via uma mulher grávida ou ia a algum chá de fraldas ficava me perguntando quando chegaria minha vez.
Após dois anos tentando de forma natural vivia um luto e uma tristeza a cada teste negativo. Em 2009, iniciamos uma investigação para entender o que estava acontecendo. Fui diagnosticada com ovários policísticos, mas o médico disse que possivelmente a causa principal por não engravidar não era essa.
Nessa época pensamos em adotar, mas o Maurílio fez um transplante de rim, teve rejeição ao órgão, ficou debilitado e tivemos que dar uma pausa no sonho de nos tornarmos pais. Um tempo depois, uma amiga falou sobre a possibilidade de fazermos uma inseminação artificial. Passamos com um especialista, fizemos exames e descobrimos que quando o Maurílio teve caxumba na adolescência, o vírus afetou seus testículos e ele ficou infértil.
O médico explicou que ainda poderíamos considerar a FIV, mas teríamos que usar o banco de doador de espermas. Poderíamos escolher o perfil que desejássemos, mas eu e meu marido não tivemos interesse. Além disso, estava acima do peso e teria que emagrecer cerca de 15 kg para ter uma gestação saudável.
Mãe biológica desistiu
Na cidade onde moro todos sabiam da nossa luta. Uma moça que estava grávida pela quarta vez disse para minha irmã que não teria condições de sustentar a bebê e que poderia "doá-la" para nós. A ideia era registrar a criança no nosso nome depois que ela nascesse, mas eu e meu marido não sabíamos que essa prática era considerada um delito.
Aceitamos a proposta, fiquei empolgada, mas meu marido falou para mantermos o pé no chão porque se não desse certo ia ser frustrante. Acompanhamos o pré-natal, pagamos alguns ultrassons, compramos enxoval, montamos o quartinho, mandamos fazer produtos personalizados com o nome Ana Flávia, ganhamos presentes de amigos, familiares, meus alunos organizaram um chá de fraldas.
Assisti ao parto, mas no dia que a bebê nasceu a mãe biológica disse que não entregaria a menina. Foi um choque, mas tive que aceitar.
Busca ativa de adoção
Após esse baque entramos oficialmente para o processo legal de adoção em 2020. Tínhamos preferência por duas crianças de 0 até 6 anos, mas durante as etapas fizemos dois cursos de uma ferramenta facilitadora chamada 'busca ativa por adoção' para que crianças e adolescentes que não se encaixam no perfil desejado pela maioria dos pretendentes à adoção (como grupos de irmãos e crianças mais velhas ou com alguma deficiência) consigam uma família.
Pouco tempo depois, a responsável pela busca ativa do grupo de apoio de adoção de Goiânia 'Conviver' enviou a foto de dois irmãos que estavam disponíveis para adoção, uma menina, que na época tinha 11 anos, e um menino, que tinha 8.
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Quero receberContei a novidade para o meu marido, ele se animou em conhecer as crianças, mas fiquei resistente devido à idade da menina. 'Tá doido? Ela tem 11 anos, já tem a personalidade formada. Nunca vai me chamar de mãe e você de pai.'
Meu maior medo era ela não nos respeitar e os dois rejeitarem o Maurílio por ele ser cego e por fazer hemodiálise, mas eles o acolheram bem.
Os encontros presenciais estavam suspensos por conta da pandemia, conversávamos com as crianças pelo WhatsApp todos os dias à noite sobre a rotina delas no abrigo e na escola. No dia em que fomos buscar nossos filhos, a Mel estava chorando em frente ao portão no chão porque achou que não íamos mais. O Iran dormiu no colo do Maurílio quando fomos para o hotel.
Crianças regrediram
Tirei seis meses de licença-maternidade para ficar com as crianças. O primeiro mês foi o mais desafiador, elas regrediram e voltaram a se comportar como bebês. A Mel e o Iran pediram para mamar no peito, na mamadeira, usar chupeta, voltaram a fazer xixi na cama, queriam que a gente desse banho neles
Achava estranho dar o peito, o Maurílio ficava com vergonha de dar banho na Mel, mas a psicóloga do grupo de apoio pós-adoção nos orientou a atender aos pedidos deles, disse que era temporário e que fazia parte do processo.
No começo eles obedeciam a tudo o que a gente mandava, provavelmente porque achavam que se desobedecessem poderíamos 'devolvê-los' para o abrigo. Depois disso, os desafios foram mudando de acordo com o tempo e a idade e nós fomos educando e impondo nossos valores e limites, sempre deixando claro que nós lutamos para tê-los conosco.
Demorei 13 anos para realizar o meu sonho, por muito tempo achei que a única forma de preencher o vazio do meu coração era gestando, mas, como mãe, posso afirmar que existem muitas crianças que querem e precisam de um lar e de uma família."
Saiba mais sobre a adoção
1 - O que é busca ativa na adoção?
É um recurso facilitador para que crianças e adolescentes, que estão com encaminhamento para adoção e ainda não encontraram pretendentes cadastrados com perfil compatível com os seus, consigam uma família.
Embora a busca ativa tenha se iniciado informalmente, na maioria das vezes realizada por grupos de apoio à adoção (GAA), ela passou a ser reconhecida, formalizada e instrumentalizada por aplicativos criados especificamente para que o trabalho se tornasse mais efetivo.
Atualmente, a ferramenta encontra-se ativa do SNA (Sistema Nacional de Adoção), além de ser realizada por equipes técnicas, pelos GAA e aplicativos chancelados pelos Tribunais de Justiça dos Estados aos quais estão vinculados.
2 - Quais os requisitos e critérios para participar da busca ativa na adoção?
É necessário que os pretendentes estejam devidamente habilitados para adoção e que manifestem o desejo de serem contatados diante da existência de perfis mais ampliados, o que geralmente significa crianças mais velhas - acima de 8 anos, apesar de não ser uma regra-, adolescentes, grupos de irmãos ou crianças/adolescentes com questões de saúde graves.
3 - Quais as etapas da busca ativa na adoção?
A busca ativa tem início após autorização judicial. As equipes técnicas e/ou agentes parceiros entram em contato com os pretendentes à adoção que manifestaram o interesse em receber perfis mais ampliados.
São passadas informações como características, histórico e sempre que possível vídeos e fotos da criança/adolescente. Há o acompanhamento de equipe multidisciplinar que será responsável por entrevistar os pretendentes e verificar se a ampliação de perfil reflete o desejo de parentalidade.
Uma vez manifestado o desejo de prosseguir com o processo, os encontros e estágio de convivência seguem o mesmo modelo utilizado para toda e qualquer adoção, com o acompanhamento da equipe técnica e planejamento individual, levando em conta as peculiaridades de cada caso, interação e criação de vínculo entre futuros pais e filhos.
4 - Quais os principais desafios dos futuros pais e filhos?
Partindo do pressuposto de que a busca ativa se destina a crianças e adolescentes com perfis "menos desejados", é importante que a família esteja mentalmente aberta e se prepare para atender possíveis necessidades, principalmente diante de casos que podem envolver algum tipo de deficiência física ou intelectual.
É fundamental que os pais frequentem as reuniões de pós-adoção, como forma de estarem em locais seguros para troca de experiências, medos e angústias.
No caso das crianças e adolescentes, elas passam por mudanças de comportamentos como a regressão, buscando viver partes da infância que gostariam de ter vivenciado em família. Podem ainda apresentar comportamentos desafiadores, desobedecer e desafiar os novos pais para se certificar de que a adoção é para sempre, ainda que elas desobedeçam.
5- Uma mãe que entrega seu filho após o nascimento (adoção direta) a uma pessoa/casa/família está cometendo um crime? A prática é legal ou ilegal?
A adoção de crianças e adolescentes é feita via sistema de justiça, o que significa que todo pai/mãe adotivo precisa primeiramente se habilitar, seguindo o procedimento legal estabelecido no Estatuto da Criança e do Adolescente.
A entrega direta dos pais biológicos a uma outra pessoa ou família não constitui crime, mas é considerada uma prática irregular. Se, por um lado, a entrega não configura crime, por outro, pessoas que recebem crianças nessa situação não podem registrá-las em seu nome, pois isso se configura um delito, conforme está previsto no artigo 242, do Código Penal
Vale ressaltar que existem casos excepcionais de adoção direta levando em conta vínculo já estabelecido entre os conhecidos, e que entregas inicialmente irregulares são regularizadas por decisões judiciais devidamente fundamentadas. No entanto, não podemos tornar a exceção pela regra.
Fonte: Jussara Marra, presidente da Angaad (Associação Nacional de Grupos de Apoio à Adoção).
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