'Não posso ver filmes de parto': Patrícia Poeta sofreu violência obstétrica
Em 2002, Patrícia Poeta, a apresentadora e jornalista da Globo, vivia nos EUA como correspondente internacional. No país, deu à luz seu filho, Felipe Poeta —hoje, com 21 anos.
Anos depois, a profissional bem-sucedida e conhecida nacionalmente entendeu ter passado por violência obstétrica em outro país. Um número também alarmante no Brasil, onde 45% das mulheres que tiveram filhos pelo SUS (Sistema Único de Saúde) foram vítimas do problema e 30% das atendidas em redes privadas, de acordo com dados da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz).
Em entrevista a Universa, Poeta fala sobre o caminho doloroso de se reconhecer como vítima de uma violência somente há três anos, negando primeiramente como algo cultural, relembra momentos de sua carreira e da pressão estética ligada a mulheres na carreira televisiva.
Universa: Quando e como você se deu conta de que sofreu violência obstétrica?
Patrícia Poeta: Você não percebe a violência até ter entendimento. Muitas vezes, só acha que foi um "parto ruim". Mas, com o passar do tempo e as informações, como o relato de outras mulheres, percebi realmente o que aconteceu.
Tive meu filho fora do país, estava trabalhando nos Estados Unidos como correspondente internacional. Com 41 semanas, um dia fui para o hospital fazer mais um exame, daqueles que você faz quando a criança está para nascer —e dali não saí mais.
Lembro de falar para a minha família, que tinha ido me visitar, que tomaria café na volta, já que tinham virado rotineiros aqueles exames. Não levei nada, mala de bebê ou qualquer coisa para o nascimento do Pipo [Felipe Poeta].
Dali em diante várias experiências seriam vividas. Uma delas, a mais marcante e mais linda da minha vida: foi o nascimento do Felipe, meu bem mais precioso e amado. A outra seria a experiência de ter dois partos para um único filho, como eu digo.
Como foi essa sensação de "dois partos", por quais situações você passou que podem ser consideradas violência obstétrica?
Foram 14 horas para que o bebê nascesse de parto normal. Coisa que não tinha chance de acontecer. Nessas horas, de cinco em cinco minutos, a dor, com o parto induzido e sem anestesia, era extrema. E, apesar de passar por tudo aquilo e pedir por medicação, nada me foi dado.
Alguns podem dizer que é algo cultural. Não é! Nessa hora, o que deve prevalecer é o bem-estar da gestante e a saúde de ambos. Pois o médico e as enfermeiras mantiveram a decisão de seguir assim até chegar ao ponto da saúde e a vida do Felipe estarem em risco. Um absurdo.
Depois de todas essas horas sofrendo, fui levada para uma sala de cirurgia. Começava um novo parto, no dia seguinte. Dessa vez, cesariana. Nessa hora, a sensação que tinha era de que não existia mais. Não tinha sobrado nada de mim. Sensação de não ter mais forças.
Era como se tivesse passado por uma tortura. Meu coração estava mais acelerado do que nunca. Tinha medo, muito medo de tudo que tinha vivido nas últimas horas e do que poderia acontecer.
Tenho um trauma tão grande que até hoje não consigo ver filmes, documentários de parto. Criei uma espécie de bloqueio.
Qual foi o fato que chegou até você ou informação que fez a sua ficha cair a respeito da violência obstétrica que sofreu?
Até então, sempre justifiquei falando que era coisa da cultura de outro país, que muitas mulheres passavam por situações parecidas nos Estados Unidos, que era algo "normal".
Até que, em conversas, vendo depoimentos de outras mulheres, percebi que nada justificava aquilo. Fui estudar o posicionamento da Organização Mundial de Saúde quanto à violência obstétrica e aí caiu a ficha: eu tinha sido vítima, sim, desse tipo de violência.
Confesso que não gostaria de fazer parte dessa estatística, mas é algo real. Não dá pra ignorar. É cruel você ter a percepção de que nossas decisões, muitas vezes, não são respeitadas nem na hora do parto.
Qual foi a sua reação ao se dar conta de que viveu violência obstétrica?
Revivo aqueles momentos e penso: 'E se algo tivesse dado errado?'. Me questiono por que não fiz diferente, por que não me fiz mais forte para ser ouvida, e aí caí em outro erro: o de se culpar por algo que não é de sua responsabilidade.
Naquele momento, tanto a grávida quanto a família ficam nas mãos dos médicos e enfermeiras. É importante destacar que não são todos os profissionais que são assim. Pelo contrário! Vimos na pandemia quantos profissionais maravilhosos temos na área de saúde, mas alguns realmente marcam negativamente um dos momentos mais importantes para uma mulher.
E digo que é relevante falar sobre isso para que outras mulheres saibam seus direitos e não passem pelo mesmo trauma que passei. É importante para que hospitais e maternidades preparem profissionais, partos e ambientes mais empáticos tanto para gestante quanto para a família.
Todas as mulheres que desejam ter um filho podem passar por esse problema?
A violência, seja ela obstétrica, física ou psicológica, quando envolve a mulher, não tem classe social, cor, idade ou credo: todas nós estamos suscetíveis a ela.
Vivemos numa sociedade que não foi construída, pensada para nós. Tanto é que, muitas vezes, estivemos em segundo e terceiro plano —como figurantes.
Ser mulher é resistência e resiliência. É carregar dentro de si um instinto de sobrevivência. É estar sempre alerta e vigilante. Nem na hora do parto dá pra relaxar.
Você tem tratado esses traumas gerados atualmente de alguma forma?
O pai do Felipe foi muito parceiro e presente naquele momento. Mas fico pensando como é para mulheres que não tiveram seus parceiros ali para auxiliá-las?
Cada uma de nós tem que achar uma forma de se expressar e colocar isso para fora. Não existe regra. Hoje, converso sobre esse assunto com outras mulheres e me sinto mais confortável para contar essa experiência.
Felipe é minha cura! Toda vez que olho para ele, lembro o quanto tive que ser forte por ele, o quanto eu pensava que tinha que aguentar, não só por mim, mas por ele.
Ali você desenvolve também um sentimento de proteção, de garra, de força como nunca tinha sentido antes. Eu tinha que defender minha cria, lutar por ela. Só eu sei o quanto de esforço fiz para tê-lo em meus braços.
Falando sobre sua carreira. Há oito anos você anunciou que desceu seu manequim de 40 para 36. Estar na televisão é de uma certa forma estar exposta a uma pressão estética?
Não ligo para esse tipo de pressão. O importante é estarmos bem, nos sentirmos bem. Aprendi a comer direito durante a semana. Antes, não postava as minhas atividades físicas, então, as pessoas só me viam caminhando na praia em fotos de paparazzi.
Agora, ficou claro que faço musculação, aeróbico e dança. E não é para emagrecer. É pela saúde, mesmo. Física e mental. Depois da minha experiência de quase-morte, minha saúde virou prioridade.
Todas as mulheres passam por pressões estéticas, principalmente porque vivemos em uma sociedade machista. A diferença é que na carreira pública, na TV, as mulheres estão mais expostas e as pessoas se acham no direito de te julgar, quer você queira ou não.
Já ouvi comentários de pessoas sobre meu corpo, em épocas que estava mais magra, por exemplo. Comentários pesados, fazendo comparações, me atribuindo doenças que nunca tive.
Essas suposições viraram temas de programa que passavam a tarde debatendo meu corpo. Chegou ao ponto de uma empresa usar minha imagem para vender remédio na internet. Isso tudo sem minha autorização. Tanto que processamos essa empresa e ganhamos. Jamais faria campanha de remédios para emagrecer. Temos que ser responsáveis pelo que divulgamos e recomendamos.
O importante é você se gostar com o corpo que tem, se sentir bem, plena por dentro e por fora. Estar bem de cabeça, o resto fica irrelevante.
Você já se sentiu pressionada pela busca de um corpo mais esbelto?
Claro. Acho que toda mulher já passou por isso. Quando era adolescente sofri muito, fazia dietas horrorosas e até perigosas. Vivemos numa sociedade onde a mulher é mais valorizada por sua estética do que por seu conteúdo.
Fomos criadas para estar atrás dos homens, como diz aquele ditado horrendo e errôneo: atrás de todo homem bem-sucedido tem uma grande mulher. Enquanto essa mentalidade não mudar, vamos continuar sofrendo pressões e julgamentos por nossos corpos. Mulheres irão morrer em mesas de cirurgia procurando uma perfeição estética que não existe.
Hoje, você sente que há uma maior diversidade na televisão? De corpos, etnias e origens?
Temos que evoluir e faz parte dessa evolução uma TV onde as pessoas possam se ver e se identificar. O Brasil é um país de misturas de origens. Temos de tudo um pouco aqui e essa é a beleza do nosso país.
Acho de extrema importância essa diversidade na tela. A beleza não está só nos padrões europeus, mas também nos indígenas, negros, asiáticos, e ainda na liberdade de sermos o que quisermos.
Veja aí a Gabriela Medeiros, uma mulher linda e talentosa que está em Renascer, falando de uma pauta tão importante quanto a mulher trans.
Outro exemplo é a dona Laura Cardoso, uma mulher que passou por muitas coisas, abriu portas para muitas de nós e nunca desistiu. Uma beleza madura, experiente, vivida, mas que vive num país onde a mulher envelhecer é um atestado de exclusão. E ela não se deixou encaixar nisso.