Ódio às mulheres migrou da imprensa para as redes sociais, analisa autora
A internet se popularizou na década de 1990 e, desde seu surgimento, ela impacta —ou pelo menos reflete— muito no comportamento da sociedade. Blogs, fóruns, bate-papos e redes sociais se tornaram populares disseminadores de notícias sem filtro. E quais foram suas maiores vítimas? As mulheres.
A autora e jornalista britânica Sarah Ditum resolveu fazer uma análise da mídia na década de 2000, quando os blogs e os tabloides tiveram um boom. Sua pesquisa deu origem ao livro "Toxic: Mulheres, fama e a misoginia dos anos 2000" (BestSeller), em que ela descreve como essa foi a época mais hostil para as mulheres.
"No começo da internet, a sociedade estava aprendendo a se comportar com essa tecnologia. Ainda era um conceito pouco nítido e as pessoas enxergavam o que faziam ali como algo além da vida longe das telas", disse Ditum com exclusividade a Universa.
Ela analisou como a imprensa se comportou com celebridades específicas como Paris Hilton, Britney Spears, Lindsay Lohan, Jennifer Aniston, Janet Jackson, entre outras. Todas foram vítimas da hipersexualização, invasão de privacidade e pressões sociais de beleza de uma forma agressiva e constante.
"Todas têm uma história muito específica desses tempos que vivemos para contar", diz Ditum.
Quem não se lembra dos registros da Britney raspando o cabelo em 2007 e partindo para cima dos paparazzi com um taco de beisebol? Ou como uma sex tape da Paris Hilton foi vendida sem o conhecimento da socialite?
A jornalista usou um site chamado Wayback Machine para revisitar links de sites que já morreram e analisou jornais e revistas dessa década por dois anos. "Há algumas coisas que realmente não gostaria de ter visto, como um nude da Vanessa Hudgens, que estava em um blog de forma completamente livre. Na legenda diziam que ela era uma 'garotinha adorável'. Algo inimaginável pra mim", diz.
Muita coisa mudou?
Ditum acredita que o ápice do comportamento agressivo começou a mudar em torno de 2013. "Quando a legislação acompanhou as novas tecnologias e começou a ter julgamentos para crimes virtuais, como pornô-vingança", diz.
Segundo a autora, até mesmo o jornalismo tradicional parou de engajar em notícias de forma mais agressiva a partir desse momento. Mas para ela a maneira como as mulheres são tratadas não mudou tanto.
Podemos nos lembrar de dois momentos envolvendo o futebol americano para demonstrar que essa mudança não é tão grande assim.
Em 2004, Justin Timberlake rasgou a roupa de Janet Jackson durante a apresentação no show do intervalo do SuperBowl, o que a deixou com os seios de fora. A artista (mulher) foi massacrada. O cantor (homem) nunca falou com clareza sobre como tudo o que aconteceu naquele palco foi problemático.
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Quero receberPassados 20 anos, Taylor Swift, uma das artistas pop mais aclamadas do momento, começa a namorar um jogador de futebol americano. A transmissão dos jogos, vez ou outra, a mostra na televisão e nos telões do estádio. Imediatamente, a reação é dizer que "ela destruiu o esporte", enquanto ele está arrasando por conseguir conquistá-la.
A misoginia não desapareceu, ela apenas se transformou e migrou para lugares novos, como as redes sociais. Sarah Ditum
Kate Middleton x Daniel Alves x Brasil
Recentemente, o Brasil acompanhou ao mesmo tempo duas notícias encaradas de maneiras bem distintas: o afastamento de Kate Middleton de seus trabalhos reais, e o surgimento do rumor de que ela estava sendo traída, quando na verdade enfrenta um câncer; e a saída de Daniel Alves da prisão, sob coro de diversas pessoas que alegam sua inocência.
Existe um interesse mórbido nesse tratamento misógino com as mulheres. Cris Fibe, jornalista, colunista de Universa e autora do livro "João de Deus: O abuso da fé" (Globo Livros)
Experiente em cobertura de gênero, Fibe diz que a sociedade se apega a questões subjetivas para julgar e apedrejar as mulheres. "Isso facilita descredibilizar aquelas que fazem denúncias contra estupradores. Principalmente quando os chamamos de 'monstro', como se ele fosse apartado da sociedade, justificando a violência. Quando na verdade isso é um problema diário", explica.
Ela ainda traz outro exemplo para mostrar como as mulheres seguem —até hoje— sendo tratadas de forma diferente pela mídia e pela sociedade.
"O caso da sobrinha que levou o tio que morreu dentro do banco. Num primeiro momento, não sabíamos nada sobre o que tinha acontecido, mas existiam veículos de TV cobrindo o dia todo o assunto dando um peso desnecessário para a notícia e apedrejando essa mulher preta", diz.
"Do outro lado, temos o assassinato cometido pelo motorista de um Porshe que, por muito tempo, passou impune, não fez bafômetro e demorou dias para ser preso", analisa Fibe.
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