Aborto de menina estuprada virou briga com cidade toda e igreja há 25 anos

Há 25 anos, uma família enfrentou uma cidade, igrejas e a Justiça ao buscar um aborto legal para uma criança que engravidou após ter sido estuprada por vizinhos.

O que aconteceu

Caso aconteceu em setembro de 1998, na cidade de Israelândia, localizada a 200km de Goiânia. A família só descobriu que a criança de 10 anos estava grávida após ela desmaiar e ser levada ao hospital, onde exames constataram a gravidez.

A garota vinha sendo estuprada desde os 7 anos, por dois vizinhos da família, um de 65 e outro de 52 anos. Assim que descobriram a situação, os pais denunciaram os criminosos e decidiram submeter a filha a um aborto.

A cidade em que eles viviam, no interior de Goiás, tinha cerca de 3 mil habitantes — e grande parte deles se mobilizou contra a decisão da família. Segundo o jornal O Globo, assim que a notícia se espalhou, a família passou a sofrer assédio moral de vizinhos, que chegaram a organizar uma romaria na porta da casa deles pra protestar contra o aborto.

Igreja também tentou interferir. Ainda de acordo com a publicação, o bispo da região mandou rezar uma missa pela vida do feto e disse durante uma celebração que o aborto naquele caso seria como jogar uma criança no lixo, enquanto o padre da paróquia local chegou a perguntar ao pai da vítima se ele teria coragem de cortar o pescoço da filha, comparando as duas situações.

Um promotor de Justiça também tentou trabalhar para impedir a vítima de ter acesso ao aborto -- um direito garantido por lei. Justificando com laudos médicos que a gestação colocava a garota em risco, um juiz da comarca local emitiu um parecer favorável à cirurgia. Depois disso, um promotor público apresentou recurso -- que o Tribunal de Justiça de Goiás rejeitou.

A lei brasileira permite o aborto em três casos: gestação após estupro, risco de morte para a mãe e fetos anencefálicos. Não há restrição de tempo para o procedimento em nenhum dos casos.

O assédio e as dificuldades não fizeram a família da criança mudar de ideia. Então, eles foram a São Paulo para realizar o procedimento no Hospital Jabaquara. Houve protestos na porta do prédio e uma médica se disse contra a cirurgia.

"Ela tem direito legal de interromper essa gravidez". Na época, o ginecologista Jorge Andalaft Neto, médico que integrava a comissão do Programa de Abortamento Legal do módulo 12 do PAS (Programa de Atendimento à Saúde), disse à Folha de S.Paulo:

A família já foi informada da decisão e optou pelo aborto. Essa era uma gravidez indesejada, tanto pela família quanto pela menina. Ela tem direito legal de interromper essa gravidez.

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Somente em 3 de outubro a criança foi submetida a uma microcesariana com anestesia geral. Na época, a gravidez já tinha atingido 18 semanas. "Estou aliviada", descreveu a mãe da vítima. "O pesadelo acabou", afirmou o pai.

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