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Ex-funcionária denuncia líder da Bola de Neve: 'Queria sentir meu corpo'

Mariana Fernandes e Ranieri Costa

De Universa, em São Paulo

21/06/2024 15h04

Paolla (sobrenome preservado), 39, denunciou o líder da Bola de Neve, Rinaldo Luiz de Seixas Pereira, por importunação sexual. O caso aconteceu em 2017, quando era funcionária dele na igreja, mas ela só registrou boletim de ocorrência no dia 10 de junho de 2024, depois que Rina, como é conhecido, foi denunciado por violência doméstica e psicológica pela esposa, a pastora e cantora gospel Denise Seixas.

À reportagem, a assessoria de Rinaldo negou as acusações. "O apóstolo Rinaldo Seixas nega qualquer prática violenta e confia na apuração isenta e técnica de todos os fatos pela Polícia Civil e Ministério Público. O apóstolo se afastou voluntariamente da direção da Igreja Bola de Neve. Com muita serenidade, aguarda que sejam realizadas investigações imparciais e justas e tem convicção de que, ao final, será comprovada sua inocência".

Paolla contou que trabalhou diretamente com Rinaldo. Contratada pela Bola de Neve, ela foi registrada como auxiliar administrativa e logo passou a frequentar a casa de Rinaldo. Após a morte dos pais, ela encontrou em Rinaldo o que chama de "pai espiritual". Em entrevista exclusiva a Universa, Paolla conta sua história.

"A igreja ensina a servir aos líderes"

"Comecei a trabalhar na Bola de Neve em setembro de 2009. Primeiro, na área financeira, depois tive câncer e me deixaram no departamento de boas-vindas da igreja. Um tempo depois, disseram que o apóstolo Rina precisava de alguém para ajudar nos livros e com as pregações e fui chamada para essa função. Passei a trabalhar na casa dele na parte da tarde.

Com o tempo, ele começou a se interessar por mim. Queria saber quem eu era, o que eu fazia, a minha história. Começou a ter mais contato.

Como a casa é grande, ele ficava na academia, no andar de cima, eu ficava no andar do meio e as outras funcionárias no andar de baixo. Então, ele sempre gritava: 'Me traz água, comida, pega meu celular'. E como eu ficava no andar do meio, sempre pegava e levava para ele.

Ele então tentava se aproximar nessas horas. Começou bem sutil, com ele pedindo alongamento. Um dia ele pedia para puxar o braço dele, depois fazer massagem na lombar, pegar no pé. Depois queria que eu ficasse sentada com ele no sofá e ficava contando história, falando de filme.

Esses pedidos me incomodavam, mas a igreja ensina que você tem que servir a eles [líderes], porque está fazendo para Deus.

Nunca gostei muito de toque, mas como ele era apóstolo, meu pastor, meu pai espiritual, eu fazia. Para mim, a igreja e o pastor eram parte da minha vida.

"Deita no meu peito, sou seu pai"

Ele me chamava no andar de cima e dizia que estava se sentindo sozinho. 'Pô, eu tô tão carente. Tô tão mal hoje, com dor. Fica aqui um pouquinho comigo'. Me chamava para deitar no sofá e assistir filme com ele. Odiava quando ele dizia: 'Deita aqui no meu peito, eu sou seu pai. Cuida do papai'.

Nessa época, eu não entendia o que estava acontecendo. Não sabia se aquilo era de verdade, se estava louca, se ele realmente me via como filha e eu estava fantasiando. Eu mesma duvidava que ele quisesse algo comigo, porque sempre achei a pastora linda [esposa de Rinaldo].

Sempre respeitei muito a casa dele, era apenas uma funcionária, intrusa ali e não olhava ele como homem.

Mas as coisas foram aumentando. Eu senti a mão dele fazendo massagem, a mão dele aqui perto dos meus seios, tocando na minha bunda. Eu sentia ele me manipulando e dizia para ele parar.

Ele pediu para eu ficar de bruços para ele poder fazer uma massagem. Lembro que na minha cabeça eu falava: 'eu sou uma boneca, eu sou uma boneca, não está acontecendo nada, não estou sentindo nada'.

Foram quase quatro anos trabalhando naquela casa, eu já estava irritada, nervosa e arredia. Ele ligava ou mandava mensagem a qualquer hora do dia, mesmo aos finais de semana.

Paolla relata que Rinaldo a puxou pelo braço, deixando uma marca. Imagem: Arquivo Pessoal/ Paolla

Aí, uma noite, ele me mandou mensagem, como sempre, pedindo para eu passar na casa dele, porque precisava de um livro e ia pregar. Chegando lá, a casa estava toda escura. Naquele dia tinha um congresso de mulheres e lembrei: 'Nossa, as meninas não estão aqui, não tem ninguém na casa'.

Ele me chamou para subir e pegar o iPad. Aí começou: 'Deita aqui'. Me puxou para o peito dele. Eu falei: 'Me solta, seu animal'. Eu já estava no meu limite.

Ele me deixou ir embora, não sei o que iria fazer. Chegando em casa, vi que ficou a marca no meu braço e tirei uma foto.

'Desabafei e o áudio vazou'

Nessa fase, eu pedia a Deus para morrer. Não entendia o que estava acontecendo.

Passou um tempo, ele veio falar comigo: 'Aconteceu uma situação com a gente, você ficou constrangida, mas eu te vejo como filha'.

Depois de uns 20 dias, a secretária dele saiu de licença maternidade e fui remanejada para o escritório. Quando ela voltou, eu disse que não voltaria mais na casa dele e ele concordou.

Estava sofrendo muito, nunca tinha contado isso para alguém. Não achava justo expor aquela situação e não queria que ninguém perdesse a fé. Aí, procurei uma psicóloga e comecei a me tratar.

Recentemente, desabafei e um áudio meu vazou. Começaram a me culpar. Agora eu preciso contar o que realmente aconteceu. É uma cura pra mim e para outras pessoas também."

Fim de contrato e dependência financeira

Universa apurou que Paolla trabalhou registrada na igreja evangélica Bola de Neve até o dia 7 de junho de 2024, quando entrou na Justiça com um pedido de rescisão indireta. A rescisão indireta se assemelha à demissão por justa causa, mas, no lugar do empregado, é o empregador quem comete a falta grave que impede a continuidade da relação de emprego.

Questionada sobre o motivo de ter continuado como funcionária da igreja, Paolla fala em dependência financeira.

"Pela segunda vez, eu tinha perdido toda a minha família. Pela segunda vez, eu estava sozinha de novo na vida. Então, lógico, morro de medo de passar fome, de não conseguir pagar a conta."

A advogada Jane Louise, que representa Paolla, defende que sua cliente passou por abuso religioso, moral e sexual. "Os processos correm em segredo de Justiça, mas, no caso dela, além de abuso moral e sexual, tem diversos direitos trabalhista não cumpridos."

Viviane Costa, teóloga, pastora e mestre em ciências da religião, explica que é comum que os líderes religiosos desempenhem o papel de representantes do divino e criem uma relação de confiança e autoridade com os fiéis. Mas, em casos de abuso religioso, "a relação que deveria ser de serviço à igreja, passa a ser de se servir dela, tanto individualmente como coletivamente".

Seja em caso de abuso financeiro, sexual, moral, o abusador demora a ser percebido como tal pela vítima, mais ainda a ser denunciado. Viviane Costa, teóloga, pastora e mestre em ciências da religião

A relação de dependência espiritual, emocional ou até mesmo financeira, diz Viviane, costuma levar, com bastante recorrência, a uma manipulação da pessoa abusada, que compromete a percepção de que se está numa relação abusiva.

O abuso religioso não está tipificado como crime na legislação brasileira, mas os tribunais costumam utilizar os incisos VI e VIII, do artigo 5º da Constituição Federal, para garantir a liberdade religiosa.

"A liberdade religiosa não se restringe ao direito de culto e fé. Utilizar o poder de liderança espiritual para submeter alguém às suas vontades, assediando a vítima, que se sente coagida a fazer o que sua liderança exige, é considerado abuso e assédio religioso", afirma a advogada Renata Cézar, atuante na área de direitos humanos.

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