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'O hétero top me odeia': ela criou o personagem Cadu e o bordão vapo

Com quase 3 milhões de seguidores do Instagram, Lara Santana começou no teatro ainda criança Imagem: Brenda Sangi

De Universa, em São Paulo

30/06/2024 04h05

Dos 24 anos de vida, 20 são de carreira artística. Lara Santana subiu ao palco pela primeira vez ainda criança, por incentivo do pai, que tem uma oficina para formação de atores.

Tudo que aprendeu para estar em cena ou na coxia, em frente às câmeras ou nos bastidores da produção ajudou a formar a criadora de conteúdo que é hoje: criativa, divertida e intencional.

Mas alguém imagina que ela fez técnico em estradas e pensou em cursar engenharia civil? A Universa, a capixaba conta parte dessa trajetória e fala da criação de um personagem que a internet odeia amar, e vice-versa: o hétero top Cadu.

Universa: Seu pai tem uma escola de formação de atores. Qual é o impacto desse ambiente e apoio familiar pra sua construção profissional?
Lara Santana:
Acho que só faço o que faço hoje por causa da minha família. A primeira vez que subi num palco, tinha quatro, cinco anos de idade. Tinha semanas que fazia sete aulas: teatro, teatro musical, oratória, TV e cinema, tudo isso pra uma adolescente de 12 anos de idade. Na época, era normal.

Hoje vejo que tive uma infância e uma adolescência muito privilegiada por ter pais que me apoiam tanto na carreira artística e que me deram tanta base.

Porque uma coisa é você fazer um curso de teatro depois de começar a criar vídeo. Outra coisa é você, desde pequena, estar inserida nesse meio e sempre tentando aprender mais.

Aprendi sobre roteiro, atuação, improviso, a ficar na frente e atrás das câmeras, porque toda vez que tinha gravação, tinha que ficar lá, mesmo quando não eram minhas cenas. De tanto estar ali, ia absorvendo. Depois fiz publicidade, que hoje é uma coisa que uso muito nos vídeos.

Você sempre pensou que esse seria seu caminho ou já quis mudar de ramo?
Quase fiz engenharia civil (risos).

Viver da arte sempre foi um sonho, mas olha que loucura: mesmo meu pai vivendo da arte, tinha muito medo de acreditar nesse sonho.

Como sou de Vitória (ES), tinha medo de falar 'quero muito ser atriz' e isso não acontecer. Então sempre vi isso como: se acontecer, vai ser muito irado, mas se não acontecer, tudo bem, vou encontrar outras coisas em que também vou me realizar. Só que toda vez acabava voltando pra isso.

Mas esses surtos de engenharia: sempre gostei muito de estudar, fiz o ensino médio no IFES (Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Espírito Santo), uma das instituições que a galera mais quer entrar. Fiz técnico em estradas, que é super voltado pra exatas, e falei que ia fazer engenharia.

Graças a Deus, meu pai ficou super triste e falou 'pô, você não quer fazer cinema?'. Fiquei um tempo nesse surto, mas depois passou.

Tem um vídeo no canal do seu pai no YouTube em que ele fala que o sonho de todo ator é marcar o seu território com um bom personagem. Você sente isso com o Cadu? Como é pra você ter criado um personagem que se destaca por si só?
É muito doido, porque quando fiz o personagem, não imaginei que ia fazer tanto sucesso, achei que ia ser um vídeo só. Foi na época do BBB, que criei vários personagens, só que esse a galera gostou muito e viralizou bastante.

Cadu, o hétero top, foi o personagem que mais ganhou as graças do público Imagem: Brenda Sangi

Depois de alguns meses, fiz o segundo vídeo com ele, deu muito certo de novo e estou até hoje fazendo vídeos do Cadu.

As pessoas me encontram na rua e fazem vapo, me mandam vídeo de bebê que as mães pintam no rosto deles o bigodinho e põem o escapulário. No Carnaval, nem sei quantos stories me marcaram de gente que foi fantasiada de Cadu. Nunca imaginei que ia ser uma fantasia de Carnaval, sabe? Acho muito louco.

Como você criou o Cadu e como alimenta esse personagem no dia a dia?
Foi no ano passado, em janeiro, quando eles soltaram aqueles vídeos de apresentação dos participantes do BBB. É muito engraçado, porque parece que tem um elenco que sempre está ali, parece que tem a cota hétero top, a cota patricinha, a cota esquerdomacho.

Fiz vários vídeos de personagens clichês que sempre entram no BBB, acho que uns seis, sete vídeos, e todos deram muito certo, a galera gostou muito, mas o do Cadu viralizou muito mais.

E a inspiração de todos eles são pessoas reais. Obviamente não é uma só que eu me inspiro, são várias. Fiquei vendo vários vídeos de ex-BBBs ou de pessoas que eu acho que têm essa vibe.

Do zero ao vapo: Cadu entrou para o meio musical cantando trap Imagem: Brenda Sangi

Hoje, alimento o personagem com histórias do cotidiano, de gente que me conta coisas: uma amiga minha conta alguma coisa que passou, alguém manda um direct me contando, ou eu vejo mesmo ou me mandam vídeos de alguns caras fazendo umas coisas que, meu Deus, que vergonha. A gente nunca tira coisa do nada, é sempre baseado em fatos reais.

Acho muito engraçado quando alguém me fala: 'impossível que esse tipo de cara existe'. Nem exagero nos vídeos, tem vezes que pego a fala, copio e colo, de tão surreal que os caras realmente fazem.

Infelizmente, tenho que consumir muitos conteúdos de hétero top, porque não tem jeito, a gente tem que se inspirar em pessoas reais. É triste. Aí quando a gente sente muita vergonha alheia, a gente não usa.

Tenho muita preocupação em ser um conteúdo que não seja muito apelativo.

Obviamente, um conteúdo ou outro a gente pesa um pouquinho a mão, mas acho que na maioria eu tento deixar um conteúdo só pras pessoas rirem. Fico feliz quando me falam que meu conteúdo é leve, essa é a palavra que tento transmitir.

Você recebe comentários de pessoas que teoricamente seriam o Cadu?
Os hétero top me odeiam (risos). Quando o vídeo sai um pouquinho da bolha e chega nessa galera, eles normalmente falam: 'mulher e humor: mais um dia sem rir' ou 'ah, isso que chamam de mulher do humor? Meu Deus, se a mina for fazer humor, ela vai passar fome'. É sempre alguma coisa associando que mulher não tem graça, eles apelam pra esse tipo de comentário. Só ignoro.

Mesmo fazendo algo leve, não tem como escapar, né?
Sempre tento observar de onde vem esse comentário, quem é a pessoa que está falando isso sobre mim. Não é ignorar todos os comentários, porque tem muitas coisas legais que as pessoas falam e tem feedbacks que a gente precisa aprender. Mas o que tento sempre entender pra não ficar mal com os comentários é saber de onde ele está vindo, também pra não ficar me superestimando.

Na internet, uma hora você recebe um comentário que você é a pessoa mais incrível do mundo, genial; depois, você recebe um comentário de 'meu Deus, você é a pior pessoa do mundo'. Quem sou eu: a melhor pessoa do mundo ou a pior? Não sou nenhum dos dois, sou humano.

Como você vê a conquista do espaço do humor pelas mulheres?
Fico feliz porque vejo que estamos evoluindo. Quando a gente olha pra história do humor e da mulher no humor, vê que foi algo bem gradativo. Quando a gente pensa em comediantes mulheres antes dos anos 2000, a gente fica pensando. Hoje, já tem nomes enormes.

Fico muito feliz. Estou numa geração que teve outras pessoas que tiveram que capinar o terreno e passar por muito mais preconceito e muito mais machismo do que passo hoje.

Obviamente, a gente ainda não vive uma sociedade igualitária, perfeita, que valoriza a mulher no humor, mas estamos num progresso. Fico feliz com as coisas que a gente já tem conquistado, com todas as mulheres que já têm entrado nesse cenário e olho para o futuro com uma boa perspectiva.

Acho que quanto mais mulheres fazendo humor de qualidade, mais a gente vai conseguir ganhar espaço e vencer esses preconceitos.

Como foi pra você entender a Lara como uma marca e um negócio?
Nunca fiz pensando que ia ser só uma brincadeirinha. Sempre olhei pra isso querendo fazer dar certo. No começo, fiquei um ano fazendo conteúdo sem viralizar e não foi fácil. Foram muitos, muitos, muitos vídeos que não engrenavam.

Com intencionalidade e leveza, Lara Santana ganha espaço no humor Imagem: Brenda Sangi

Às vezes, vejo gente falando: 'ah, o segundo vídeo que eu postei viralizou e depois que fui entender o que estava acontecendo'. Comigo não foi assim. Desde o começo tive que ser muito intencional e estudar muito o que estava fazendo e tentar sempre melhorar.

Sempre criei conteúdo de forma intencional. Gosto de estudar e de fazer as coisas com estratégia, então sempre olhei para a criação de conteúdo de forma intencional e me olhando como uma futura marca, como uma empresa.

Quando fechei a minha primeira publicidade, tinha 3.000 seguidores e falei: 'mano, esquece tudo, vamos viver disso, vou fazer dar certo'.

Quando você fecha as publicidades, as marcas direcionam se querem a Lara ou o Cadu, ou você decide?
Depende. Tem marca que me dá mais liberdade, e eu brigo muito pra ter liberdade nas publicidades, porque gosto muito de fazer e gosto de fazer bem feito. E depende do briefing. Às vezes é uma marca que eu acho que tem um feat muito grande com o Cadu.

Tem marca que pede o Cadu e tem marca que fala que não quer o Cadu, porque acha que é polêmico. E tem marca que fala: 'quero o Cadu, mas ele não pode fazer comentário machista, não pode dar em cima de ninguém, não pode, não pode, não pode'. Aí eu acho que quer só uma blusa preta e alguém falando 'vapo', não o Cadu (risos).

Quando a marca tem muitos 'nãos', normalmente não coloco o Cadu, porque não gosto de descaracterizar o personagem. Também não forço vídeos do Cadu, de inventar qualquer coisa só porque ele viraliza. Gosto sempre de fazer algo que estou a fim, que falo que é bom.

Gosto de fazer coisas que acredito, que vou me divertir fazendo também. Sempre penso no que vai funcionar mais e o que combina mais com a marca.

Você fez vídeos com a Nicola Coughlan, atriz de Bridgerton, como Cadu. Como é o bastidor de se apresentar como Cadu nos lugares?
Me sinto a Hannah Montana, sabe? Chego nos lugares de um jeito, aí eu boto a blusa, faço o bigode, depois tenho que tirar. Aonde vou, tenho que levar uma blusa preta, um lápis preto, um escapulário, um lencinho e maquiagem.

Fico com um pouco de vergonha, às vezes, com medo das pessoas não entenderem. Tanto que fiz isso na minha lua de mel: no meio de um resort em Cancún, só americano, tinha um brasileiro lá, e eu com aquele negócio. 'Meu Deus, tenho um problema' (risos).

Dá um pouquinho de vergonha quando tem que gravar em um lugar público, mas já me acostumei, sendo bem sincera. Depois que ligo o botãozinho do personagem, não ligo pra nada mais, aí a vergonha vai embora.

Foi assim com esse projeto recente do MC Cadu?
Esse projeto foi uma grande viagem. Estava conversando com uma amiga, que falou de um amigo nosso que tinha largado medicina pra ser cantor de trap. Falei que é muito a cara do Cadu fazer isso, de só ter mais um motivo pra gastar o dinheiro do pai e fazer um álbum meio ruim mesmo.

A ideia do projeto não é 'nossa, carreira musical', porque não sei absolutamente nada de música, mas queria fazer mais um projeto pra me desafiar criativamente, pra ser algo que vou me divertir.

A gente criando as músicas foi muito engraçado, foi muito engraçado gravar os clipes (que são três), então realmente foi um projeto pra ser uma memória boa, pra daqui a alguns anos, quando a gente olhar pra trás, falar: 'nossa, caraca, lembra que a gente fez uma música?'. A gente já sabe fazer vídeo do Cadu, só que música a gente nunca fez pra um personagem. E fazer coisas diferentes me anima.

Você falou que faz tudo de forma intencional. Você pensa na intenção da mensagem também que o Cadu quer passar?
Acho que sim. Apesar do foco ser a pessoa rir, acho que todos os vídeos carregam um pouquinho de crítica, porque a gente está criticando um certo comportamento. Tem uma música só do projeto que acho que dá uma alfinetada maior, que trata um pouco mais sobre machismo.

Mas além de ser algo pra você rir, também é uma crítica a um tipo de pensamento, a um tipo de comportamento. Isso é bem legal, gosto de fazer coisas que não são tão superficiais.

E ainda falando do trabalho e de família, vi o Matheus, seu marido, reproduzindo as 'heterotopices' do Cadu nos vídeos, brincando. Como é ter um aprendiz de Cadu em casa?
Fico muito feliz porque ele me apoia muito em tudo que vou fazer. Hoje ele trabalha comigo e cuida da parte financeira da empresa, da área administrativa. Nas gravações dos clipes, ele estava em todas, botando luz, indo de um lado pro outro pra pegar coisa, ligando máquina de fumaça. Hoje ele é meu braço direito, acho muito bom dividir tudo com ele.

Mas tadinho, ele é tão bonzinho, ele não é nada o Cadu. Às vezes falo pra ele mandar alguma cantada para os vídeos, ele fica pensando um tempão. Ele é o oposto do Cadu, graças a Deus.

E dos personagens que você criou, o que tem de você ou não neles?
Cada um tem um pouco, tem alguma história, mas sempre tento separar muito o que é personagem e o que é Lara, principalmente por vir do teatro e gostar de criar personagens. Acho que sou muito diferente, na verdade --espero não ser sem noção igual ao Cadu (risos)-- e é isso que deixa tão legal.

Quando vou gravar com algum criador de conteúdo, eles falam 'nossa, você se transforma, parece outra pessoa'. E que bom, estou fazendo um trabalho bem feito.

O que você acha que faz dar certo esse engajamento e que te ajuda a construir a sua carreira futura?
Acho que faz dar certo a identificação, é muito importante. E também fazer as coisas com muita verdade e ser apaixonado pelo que faz. Sou muito apaixonada pelo que faço, gosto muito de criar vídeo, então faço tudo com muito carinho, com muita verdade, muita paixão.

Acho que as pessoas sentem quando é algo só por fazer, pra viralizar e ficar famoso, e quando você faz com carinho mesmo, com amor, porque você gosta de fazer aquilo.

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