'Perdi bebê e fui colocada em sala com grávidas; quis morrer com meu filho'
Perder um filho planejado e desejado não foi nada fácil. Eu estava fragilizada e com medo do que estava por vir. Quando me colocaram na sala de pré-parto, desejei morrer junto com meu filho. Aquelas mães não tinham culpa do meu sofrimento, mas eu as detestava naquele momento.
Este é o relato de Juliana Separavic, de 39 anos, sobre a perda de seu bebê, com 5 meses de gestação.
A dor da gravidez interrompida se tornou "traumática": ela teve de aguardar a chegada do médico para a confirmação do óbito na mesma sala de pré-parto onde outras gestantes estavam. "Tive de ficar na sala de pré-parto pois era troca de plantão em uma sexta-feira e não tinha médico disponível para constatar o óbito do bebê."
Estavam todas no cardiotoco [cardiotocografia, exame que avalia a vitalidade fetal antes do nascimento] ouvindo os corações dos seus bebês, e eu chorando a perda do meu.
Juliana Separavic
Os sentimentos que Juliana experimentou eram intensos e conflitantes. "Eu sentia raiva daquelas mães no começo. Chorava e me questionava o tempo todo. Eu sentia inveja, raiva. Depois, sentia raiva de mim por estar com raiva delas."
A situação de Juliana, ocorrida em 2015 em um hospital privado de São Bernardo do Campo (SP), evidencia uma falha no sistema de saúde: a falta de sensibilidade e estrutura para lidar com mães que perdem seus bebês.
Uma nova lei em São Paulo tenta corrigir o problema: a regra prevê a separação de espaços para mães enlutadas nas maternidades do estado.
É cruel deixar mulheres que estão sofrendo uma perda perto de outras mulheres esperando seus bebês chegarem. De alguma maneira, essa lei tranquilizou meu coração, pois agora sei que menos mulheres vão passar pelo o que eu passei.
Juliana Separavic
Se houvesse a separação de espaços quando Juliana perdeu seu bebê, ela acredita que sua experiência teria sido menos traumática. "Eu não teria desenvolvido ansiedade e minha segunda gestação teria sido bem mais fácil. Eu chorava toda vez que tinha de entrar na maternidade."
'Peguei sofrimento e transformei em estudo'
Em meio à dor, Juliana encontrou uma maneira de transformar o sofrimento. Inspirada pelos ensinamentos de seu pai, que sempre a incentivou a aprender com as adversidades, ela decidiu se tornar doula e ativista da humanização do parto.
Sofri tanto a perda do meu filho, tanto. Peguei esse sofrimento e transformei em estudo, porque queria saber o que tinha acontecido comigo e como eu poderia ajudar outras mulheres. Depois de me mudar de país, conheci o mundo da humanização.
Juliana Separavic
Hoje, nos EUA, Juliana é doula de parto e pós-parto e ajuda mulheres a terem uma experiência de nascimento respeitosa e positiva. Ela também atua como doula do luto, oferecendo suporte para mulheres que passaram pela mesma dor que ela enfrentou.
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Quero receberSer doula foi o primeiro passo. Ajudo mulheres a terem um parto respeitoso, para que a experiência do nascimento seja uma excelente experiência. E também sou doula do luto --eu ajudo mulheres a superar uma perda gestacional.
Juliana Separavic
Juliana teve mais duas gestações saudáveis. Seu filho nasceu em abril de 2017 e a filha, em dezembro de 2018. Em abril de 2020, ela teve outra perda gestacional.
Nova lei
A lei 17.949 de 2024 foi sancionada pelo governador paulista no dia 20 de junho e passa a valer em todo o território estadual, para hospitais públicos e privados. A deputada estadual Monica Seixas (PSOL) disse a Universa que teve a iniciativa de escrever o projeto de lei após passar por uma experiência semelhante à de Juliana, quando teve sua gravidez interrompida.
O projeto de lei surgiu e foi articulado com toda a Assembleia para ser aprovado. Os demais deputados e deputadas reconheceram a importância do tema e, assim, aprovaram o projeto no começo deste ano.
Monica Seixas
Agora, cabe ao governo a criação de alas ou acomodações separadas. "É um programa que pretende acolher mães de natimorto e/ou mães com óbito fetal que passaram por uma experiência delicada e necessitam de espaço e atenção com leito ou acomodação separada dentro das maternidades. O projeto melhora a experiência também das mães que acabaram de ter seus filhos e desejam celebrar o momento do nascimento."
A falta de separação dos espaços é prejudicial a todas, explica Thássia Assis Goto, psicóloga perinatal. "Quando colocamos no mesmo quarto uma mãe com o bebê nos braços e uma mãe enlutada, vamos ter uma mãe se sentindo culpada por celebrar a vida ao lado de alguém chorando a morte. Precisamos dar espaço para essas mães viverem seus momentos da maneira mais humanizada possível."
A psicóloga ressalta a importância de que os profissionais envolvidos com o trabalho de uma maternidade estejam sensíveis e demonstrem empatia às mães. "Não é um feto, um natimorto, é o sonho de uma família se desfazendo, é alguém que podia já ter um nome, é o filho da Maria, da Joana, da Thássia, da Monica."
É essencial que essas mães tenham acesso a acompanhamento psicológico para validar, vivenciar e, no tempo oportuno, superar o luto, diz Thássia. "Fazer psicoterapia é uma excelente forma de criar novos sentidos à experiência da perda."
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