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Como é ter filhos em um relacionamento aberto ou não monogâmico? Mães dizem

Mulheres contam como foram suas experiências com relacionamentos abertos durante a gravidez Imagem: gettyimages

Beatriz Zogaib

05/07/2024 04h00

Você já deve ter ouvido falar de relacionamentos nos quais a exclusividade não é exigida. De abertas a não monogâmicas, as relações afetivas e sexuais podem ir bem além do que imaginamos e - sim - isso pode acontecer quando se tem filhos. Para os monogâmicos pode soar complexo, mas essa tem sido inclusive uma solução para casais que descobriram maiores desafios após a parentalidade.

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Foi o que aconteceu com Belle Biajoni, 31 anos, mãe de duas meninas, em um relacionamento aberto com o pai delas há oito anos. Ambos moravam nos Estados Unidos quando a primogênita nasceu e surgiram problemas de convivência; quando a segunda filha veio ao mundo, na pandemia, tudo ficou mais intenso, e a transformação da relação acabou sendo natural.

Esse grande desafio de convivência nos fez começar a estudar outras formas de nos relacionar. Eu conheci grupos de estudos, e comecei a entender melhor que a gente não se encaixava no contexto de família tradicional. A gente tinha vontades que não cabiam nele. Estamos juntos, mas não como a sociedade quer.Belle Biajoni, 31 anos, mãe de duas meninas

Segundo ela, não houve um momento no qual decidiram ir por esse caminho: foi algo fluido, que aconteceu depois de entenderem que, mais difícil do que ser "tudo" para o par, é exigir que a outra pessoa seja "tudo" para você - o que, na opinião de Belle, chega a ser cruel.

"É impossível suprir alguém totalmente. E eu achava que era muita demanda, especialmente para a mulher e mãe. Porque a gente também tem vontades, não tem como viver somente para filhos e marido, se não a gente se anula", explica.

Ambos voltaram ao Brasil e, apesar de terem decidido viver em casas separadas, continuam sendo um casal como qualquer outro. As filhas sabem que os pais não vivem um relacionamento tradicional, mas eles ainda não sentem necessidade de explicar.

A mãe de Lis e Maya conta que desde que experimentou essa abertura começou a se preocupar com o que queria e gostava, ao invés de se sentir presa entre certo e errado de padrões sociais.

Esses rótulos carregam muitos requisitos e, uma vez que você sai desse contexto, parece que abre um leque de possibilidades que geram autoconhecimento. Você se entende melhor, se percebe mais, para de focar tanto no outro e começa a entender seus desejos.Belle Biajoni, 31 anos, mãe de duas meninas

Abrir o relacionamento durante a gestação

Há quem sinta esse despertar na gestação, ainda que não coloque em prática de imediato.

Welen, 33 anos, começou a se sentir presa e solitária na gravidez, enfrentando problemas com o corpo e com a própria identidade como mulher. "Estava tentando me encontrar no meio daquele turbilhão de acontecimentos e mudanças. Precisava me reencontrar como ser humano e como mulher. A gravidez serviu para fortalecer essa ideia que eu tinha em mente, mas que nunca tinha tirado do plano teórico", conta.

Em todos os seus relacionamentos monogâmicos, essa pauta estava entre os principais assuntos, e só não ia para frente porque o outro era contra. "Engravidei aos 27 anos, estava no meio de um relacionamento monogâmico que durou aproximadamente 4 anos e terminou porque eu não via sentido em manter uma relação monogâmica que estava fadada ao fracasso", completa Wellen, mãe há 5 anos.

Diálogo e autoconhecimento são dois dos segredos das relações não-monogâmicas - seja antes ou depois dos filhos Imagem: iStock

Segundo a sexóloga Luciana Angelo, pode ser desafiador ter uma relação aberta ou não monogâmica na gestação, por ser um momento em que a mulher costuma precisar de acolhimento e estar passando porque questões emocionais, físicas e hormonais. Mas se o casal achar que é a melhor saída, é o que deve ser feito, contanto que haja diálogo para proteger o aspecto emocional.

De toda forma, mesmo havendo uma relação aberta antes, é preciso entender que durante esse período a gestante precisará de mais cuidados.

Se a não monogamia não atrapalhar a demanda emocional e estrutural da gravidez, não há problemas em manter o acordo. Mas, ao longo da gestação, as regras precisam ser debatidas, pois não queremos que a mulher se sinta diminuída ou não desejada. Luciana Angelo, sexóloga

Se a gestante não tinha uma relação fora dos padrões tradicionais, mas deu vontade de experimentar bem agora, o diálogo é novamente a melhor saída. "Em um primeiro momento de insegurança ou ansiedade, parem e conversem. Cada um sabe sobre seus limites e desejos. O importante é o casal estar de acordo com o formato da relação, seja ela qual for", sugere a sexóloga.

Para Wellen, o interesse por formatos não monogâmicos começou já no primeiro namoro, com questionamentos sobre a ideia do "para sempre", de não poder desejar outras pessoas, de "ter que se privar" de tantas coisas. Na gestação, essas sensações se intensificaram, e a concretização do plano veio em seguida.

A vida da mulher sempre foi cheia de privações, depois da maternidade essas privações aumentaram ainda mais, então na minha cabeça um relacionamento que me privasse de algo não era certo, não era justo comigo mesma e com tudo que lutei desde criança, que era minha independência e liberdade.Wellen, 33 anos, mãe há 5 anos

Aberto ou não monogâmico?

Conversar com quem vive a experiência da não monogamia é benéfico para quem deseja ou está vivendo o mesmo. Em busca de personagens, surgiram grupos de WhatsApp onde o objetivo é exatamente a troca de informações, reflexões e desabafos sobre o assunto. Tentando acessar um deles, a seguinte pergunta: "antes de aprovar a sua entrada no grupo, você poderia me falar um pouquinho sobre você, sua relação com a não monogamia, o que te fez se interessar pelo grupo?".

O objetivo do grupo e da moderação do mesmo, segundo a moderadora Jeniffer Santos, 25 anos, é proporcionar um lugar seguro para pessoas que vivem fora da monogamia, e não um lugar de busca de parceiros. "Hoje ainda é muito difícil ser uma pessoa não monogâmica e ter por perto só pessoas monogâmicas. Esse espaço é para promover a construção e a desconstrução necessárias para estar em um relacionamento como esse", explica.

Entre os participantes, há desde casais que estão começando a entender as diferentes configurações de relacionamento até pessoas que as vivenciam há mais tempo - como Lígia Ferreira, cujas duas filhas foram registradas com duas mães e um pai.

"Meu primeiro casamento terminou em mentiras e traições, e decidi que nunca mais prometeria monogamia. Nessa época, já havia um flerte com o pai das crianças, com quem comecei a me relacionar de maneira bastante casual. Quando conheci minha esposa, em 2016, ela, assim como eu, não estava disposta a ter uma relação monogâmica e sabia que eu ainda mantinha vínculo com ele. Ela não se relacionava com ele, e, na primeira vez em que saímos o 3 juntos, engravidei", conta.

Lígia e a esposa decidiram ter a criança, entendendo que seriam um núcleo familiar e que o pai estaria presente conforme a própria vontade. "Mantivemos os relacionamentos e sempre conversávamos sobre registro e multiparentalidade. A convivência com a criança foi crescendo e incluímos o nome dele na certidão. Acabei engravidando da nossa segunda filha e decidimos fazer o registro dela com as duas mães e incluir o nome do pai na certidão de ambas", detalha.

Ele não mora com elas, mas o relacionamento com Lígia se estende há 12 anos e meio (com a esposa ela está há 8), e ele tem boa convivência com as crianças, que entendem que o núcleo familiar é de duas mães, e que elas têm um pai com quem a mãe delas namora.

Minha esposa e ele são bastante amigos. É sempre desafiador porque não tem uma regra, um exemplo fácil pra se espelhar. A gente precisa descobrir sempre como fazer, qual efeito isso terá nas crianças, mas a gente tem feito isso com bastante respeito e amor. Acho que, no fim, isso que importa.Lígia Ferreira, mãe de duas crianças registradas com o nome de sua parceira e seu parceiro

E só para reforçar caso tenha ficado alguma dúvida: relacionamento aberto é uma coisa, não monogâmico é outra.

A não monogamia é um termo genérico, um guarda-chuva que engloba vários tipos de relações baseadas consensualmente em não ter exclusividade afetiva ou sexual; como amor livre, poliamor, poligamia... Em contato com um destes perfis, ficou claro que o assunto precisa ser esclarecido - sem tabus - com informação. Para nossa sorte, do outro lado da tela estava Alice Azevedo, 41 anos, jornalista, defensora de uma dessas vertentes, a não monogamia política.

Tem quem considere relacionamento aberto como não monogamia, mas, para a vertente política, existe um entendimento de que o relacionamento aberto está mais próximo da monogamia do que não monogamia. Porque você acaba mantendo uma hierarquia dentro do relacionamento, você limita o seu par com uma série de regras. A não monogamia não é um formato, falamos que é um não formato, é a negação da monogamia, do controle, da dinâmica de poder que adoece a maioria das pessoas.Alice Azevedo, 41 anos, ativista

Para Jennifer Santos, a moderadora do grupo, as vertentes são os fatores que motivam as pessoas a não se relacionarem monogamicamente, e eles são muito particulares de cada um. "Essa é a beleza da não monogamia. Temos tanto modelos de relacionamentos diferentes como pessoas que pensam de forma diferente sobre eles. É preciso tomar cuidado para não causar mais desentendimento sobre o assunto", conclui.

Independente disso, a não monogamia defende que as pessoas vejam todos os relacionamentos de outras formas, incluindo a maternidade. "A gente defende que tenha toda uma rede de apoio para criar essa criança, como era feito antigamente em diversas culturas. É preciso mudar esse olhar, o filho é responsabilidade da sociedade e não só da mãe", complementa Alice.

O mais importante é o que você deseja. Se quer experimentar alguma configuração, converse com seu par. Mas você pode ter a flexibilidade de fechar o relacionamento a hora que desejar.Luciana Angelo, sexóloga

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