'Me metia em furada': elas contam por que fizeram 'abstinência de homem'
Cansadas de aplicativos, dates ruins, encontros sem sentido e "boy lixo", elas resolveram dar um tempo dos homens. Isso mesmo. A ideia, conhecida pelo termo em inglês "boy sober" ("sóbria de garotos"), é fazer uma abstinência de homens, ou seja, passar um período sem se relacionar com eles. Sem beijo, sem sexo, sem paqueras.
O termo teria sido criado pela influenciadora norte-americana Hope Woodard, 27. Ela estipulou um ano longe de relacionamentos amorosos ou sexuais com homens. Pelo TikTok, criou um diário para contar sobre a experiência com o "boy sober".
Aqui no Brasil, a ideia pegou entre algumas mulheres. Quem aderiu ao movimento —ou ainda está na fase do "experimento"— afirma que o distanciamento dos relacionamentos com homens foi algo positivo. Há mais espaço para focar em outras coisas tão importantes quanto um namoro.
Apesar de ter seus benefícios, os especialistas chamam a atenção para o "outro lado da moeda": o isolamento e o medo de se relacionar no futuro. Mas é possível fazer as duas coisas com equilíbrio. Leia abaixo:
'Não estava só, mas estava mal acompanhada'
A consultora Isabella Bottino, 28, ficou cerca de 8 meses sem se relacionar com homens. A história começou em outubro de 2021, quando ela se mudou de Brasília para São Paulo e se viu completamente sozinha. Resolveu baixar os aplicativos de namoro justamente para conhecer pessoas novas.
A jovem se espantou com a "facilidade" e rapidez para marcar os encontros. Mas, com o tempo, percebeu que as relações estavam esvaziadas de sentido.
Depois de muita furada em que me meti, percebi que ultrapassei os meus limites. Estava fazendo isso para preencher um vazio que não ia ser preenchido com homem.
Percebi que eu não ia encontrar esse afeto neles. Eles eram uma companhia, sim, mas não era de qualidade. Não estava só, mas estava mal acompanhada. Demorei para entender que queria sair com homens porque sentia falta de outras pessoas ao meu redor. Isabella Bottino
Em setembro de 2022, quase um ano depois da mudança para São Paulo, Isabella resolveu dar um tempo dos dates. "Não se falava em boy sober naquele momento."
Foram oito meses sem se relacionar com ninguém. Apagou o aplicativo e definiu que ficaria, pelo menos, seis meses sem usá-lo.
"Inicialmente, eram seis meses, mas depois foi passando e defini um ano. Quando deu o prazo, pensei:' Não quero mais voltar'".
'Não vejo mais as pessoas como descartáveis'
Passada a abstinência de homens, Isabella aprendeu a focar em outras coisas que não envolvem um relacionamento amoroso. Fez novas amizades e criou novas rotinas em São Paulo.
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Quero receber"Levou mais de um ano para construir minha rede aqui, para encontrar as minhas pessoas. Tenho amigas para festa, para conversar. Em Brasília, tinha muitos grupos de amigo e aqui não tinha ainda", conta a jovem.
Hoje, não vejo mais as pessoas como algo descartável.
Isabella Bottino
A consultora explica que o foco da atenção dela mudou. A ânsia por estar sempre conversando com alguém não ficou mais restrita aos homens.
Minhas relações são mais significativas. Consigo entender quando estou a fim de transar ou quando é carência.
Isabella Bottino
Isabella também aprendeu a respeitar os próprios limites e, com isso, evitar encontros desagradáveis. "Quando estava muito vulnerável, as pessoas passavam do meu limite facilmente porque não demarcava isso."
Mais autoconhecimento
A contadora Bianca Sena, 27, está há mais de seis meses no "boy sober" e sente que está colhendo benefícios. "Tem ajudado bastante. Até na questão de autoconhecimento mesmo, aprender a lidar comigo mesma em alguns aspectos", conta.
Ela descobriu o termo no ano passado por meio da comediante Hope Woodward. "Decidi seguir a 'doutrina dela", conta, aos risos.
A jovem, que vive em Palmas, tinha acabado de vivenciar uma decepção amorosa e achou que a ideia fazia sentido.
Estou em um momento 101% focado no meu trabalho, crescimento profissional e pessoal. Se for para eu gastar meu tempo com algum homem, que seja com alguém que está no mesmo momento que eu.
Bianca Sena
Bianca cansou de se relacionar com homens que não valorizam essa parte profissional na vida, principalmente porque costumava sair com homens mais novos.
"Tenho 27 anos e trabalho para caramba. Estou tentando crescer na minha profissão, então não quero perder tempo com universitários que não sabem o valor de um emprego."
Apesar de toda a decepção e distanciamento de homens, Bianca se diz aberta para novos relacionamentos daqui a um tempo.
Obviamente quero sair dessa fase, me apaixonar novamente e tudo mais, mas se não for uma pessoa que valha a pena, vou continuar sóbria.
Bianca Sena
O outro lado do boy sober
Isolamento e medo de se machucar. A psicóloga pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) Alana Anijar diz que o problema do boy sober é quando a mulher se isola e, por medo de se magoar, perde oportunidades que seriam interessantes para ela.
O problema também envolve outra questão: 'Fui machucada, então vou machucar essa outra pessoa'. O boy sober não pode ficar neste lugar.
Tomar um tempo para si mesma, curtir as amigas, viajar, é ótimo, desde que não fique no lugar do medo de se machucar, de que nenhum homem presta. O ideal é encontrar o equilíbrio: cuidar de si e deixar a porta aberta caso alguém interessante apareça.
Alana Anijar, psicóloga
Escapismo e dificuldade de se entregar. O psiquiatra pela USP e professor da Sanar Saulo Ciasca diz que um dos problemas do movimento pode ser uma futura falta de entrega aos parceiros.
Focar completamente no trabalho, na rotina, nos sonhos, e ficar só nisso também é um jeito de fugir da realidade. Essa fuga faz com que mulheres pensem que não precisam nunca de ninguém. Isso não é verdade. Saulo Ciasca, psiquiatra a psicólogo
A resposta é equilíbrio. Ciasca questiona se a abstinência de homem vai realmente ajudar de alguma forma. "Será que não existe um lugar de equilíbrio envolvendo homens e mulheres na construção de uma sociedade com mais responsabilidade afetiva?"
Talvez a resposta seja encontrar um equilíbrio entre a busca desenfreada por novos relacionamentos e parcerias e o desejo de querer ficar com alguém.
Saulo Ciasca, psiquiatra a psicólogo
Para quem pode ser legal o boy sober
Há algumas situações em que o boy sober pode ser interessante. Os especialistas citam alguns grupos de mulheres que podem se beneficiar do distanciamento dos homens, mesmo que temporariamente.
A ideia não é se isolar totalmente, mas talvez utilizar o tempo, de forma saudável, para refletir sobre o que deu errado, os padrões de relacionamento que, talvez, não estejam mais funcionando.
Alana Anijar, psicóloga
Quem teve "burnout" de aplicativo também pode se beneficiar. Mulheres têm vivenciado processos de ghosting (quando o companheiro some) com frequência, segundo o psiquiatra Saulo Ciasca, o que pode ser um bom motivo para dar um tempo dos dates.
Mulheres que estão vivenciando muitos fracassos emocionais e que estão cansadas de tentar o tempo todo... pode ser bom dar uma pausa deste processo de buscar uma pessoa. É legal investir em si mesmo por um tempo.
Saulo Ciasca, psiquiatra a psicólogo
As "férias de homens" podem ser boas para refletir sobre padrões que estão sempre presentes no relacionamento, reforça a psicóloga. "É um momento de autorreflexão, de fazer uma pausa e avaliar as últimas relações e, quem sabe, conseguir fazer escolhas mais assertivas quando um parceiro aparecer", diz Anijar.
Quem terminou relacionamento recentemente ou vivenciou algo tóxico também pode tirar proveito do tempo sem dates. Quando se está triste e machucada, é importante esperar um tempo antes de procurar um outro alguém, principalmente para não descontar as frustrações no novo parceiro. O mesmo vale para quem emenda muitos relacionamentos um no outro. Que tal fazer um jejum?
O problema não é o relacionamento. É importante lembrar que um namoro não é o problema. É possível ter equilíbrio entre se cuidar —sem esquecer de si mesma— e ter um relacionamento saudável. Não deixe de ter um tempo só para você, seja com amigos ou sozinha.
Mulheres e homens enxergam relacionamentos de forma diferente
Alana Anijar explica que a mulher, historicamente e por pressões sociais, desempenha um papel na sociedade de pensar no amor como algo romântico. "Ela é colocada neste lugar de sempre precisar de um homem ao lado dela, para ela ser validada socialmente falando."
Por mais que as coisas tenham mudado para melhor, Anijar diz que muitas mulheres ainda procuram o consultório com queixas que giram apenas ao redor do relacionamento amoroso —o que nem sempre é um problema.
"Querer alguém do seu lado não é um problema", diz especialista. "A questão é quando há um 'hiperfoco' nisso. É quando a mulher fica cega para outras questões só para ter alguém com ela."
Homens idealizam menos. A psicóloga explica que, embora não dê para generalizar, os rapazes tendem a pensar em outras coisas além do relacionamento. "É algo cultural e social. Eles não idealizam tanto essa questão de quando ele conhecer uma parceria, a vida vai ficar mais incrível."
Nunca chegou um homem no consultório falando que precisava dar um tempo das mulheres.
Alana Anijar, psicóloga
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