Xerecando em Paris: 'Não tenho nenhuma saudade de competir', diz Karen Jonz
Karen Jonz, 40, foi a primeira brasileira campeã mundial de skate. Mas na época em que ela andava, o grande público não acompanhava essas competições femininas. Jonz precisou ser comentarista durante as Olimpíadas de Tóquio para cair nas graças da nação.
Quem se lembra do comentário "xerecou", quando uma das skatistas bateu o meio das pernas no corrimão da pista? Descolada e carismática, Jonz prendeu a atenção dos brasileiros conversando sobre um esporte que poucas pessoas dominam as regras.
Comecei a receber umas mensagens dos meus amigos assim: 'Estou assinando o GloboPlay só para te ver', 'Sua transmissão está muito mais legal que a da TV aberta'. E me questionava se era verdade, diz.
Veja na íntegra a entrevista exclusiva para Universa:
Universa: Você comentou as Olimpíadas de Tóquio em um canal fechado, horário duríssimo, e ainda assim foi um sucesso. Você acha que o público sentia falta de uma voz feminina?
Karen Jonz: Cara, isso é uma incógnita para mim. A transmissão no canal fechado estava mais na íntegra, então acho que o público começou a ir para lá. Comecei a receber umas mensagens dos meus amigos assim: 'estou assinando o GloboPlay só para te ver', 'sua transmissão está muito mais legal que a da TV aberta'. E eu me questionava se era verdade. Fico meio cabreira de falar que o sucesso foi por minha causa, mas acho que ajudou, sim.
Você está no skate há muito tempo, desde uma época que as mulheres não eram valorizadas nesse esporte. Você imaginou que o skate se tornaria um esporte tão conhecido?
Desde que comecei a andar tinha o sonho de trazer mais meninas. Fiz muitos projetos para tornar isso realidade. Eu não sabia quanto tempo demoraria, mas está acontecendo antes do que eu pensei.
Você parou de competir. Ainda recebe mensagens de meninas dizendo que você é uma inspiração?
Sempre serei uma atleta profissional, sou muito ativa e estou preparada se um dia quiser participar de competições novamente. Fui pioneira em muitas coisas: o primeiro ouro brasileiro em X-Games, a primeira campeã mundial. Não tem como esquecer, está marcado na história. Mas tem crianças que não sabem que eu sou, pois os ídolos deles são dessa nova geração, são pessoas mais próximas em idade, que têm destaque nas Olimpíadas. E tudo bem.
Tem saudade de competir?
Nossa, nenhuma. Eu passava muito nervoso, era muito desgastante. Nem quando estava nas competições eu gostava. Era muita atenção, pressão, a rotina de treinos pesada. Hoje ando de skate quase tanto quanto eu andava quando estava nessa fase. E é um alívio saber que tenho essa liberdade.
Você comentou sobre pressão. As competidoras estão cada vez mais jovens. Como você acha que elas aguentam esse peso todo?
Vale lembrar aqui que a Karen Feitosa foi a primeira mulher brasileira a competir nos X-Games e ela tinha nove anos na época. Não ganhou medalha, mas era bem novinha. Quando eu comecei, o skate não era um lugar acolhedor, não era ideal para crianças. Então eram as mulheres mais velhas que andavam. Houve uma época em que andar de skate era crime, não podemos esquecer. Ninguém ia deixar uma criança se expor a isso.
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Quero receberAntes da minha geração, as meninas tomavam pedradas, eram expulsas da pista. Foi um caminho construído para chegar nos eventos de hoje. Os pais conseguem ver agora o skate como referência, as atletas como exemplos para suas filhas. Voltou a ser algo seguro, diferente do que era quando surgiu, lá na década de 1970.
Quais suas apostas de medalha no skate nessas Olimpíadas?
O nível dos competidores masculino está muito equilibrado. Vamos saber na hora quem vai conseguir acertar a manobra. Australianos, brasileiros e americanos são favoritos. Na categoria street feminino, obviamente a Rayssa tem chances de medalha. Ela é muito consistente e traz bons resultados em todos os campeonatos.
As grandes adversárias dela são as japonesas, que vão para o tudo ou nada. Para mim, é muito improvável que o street feminino volte sem medalha.
Além de andar de skate, você canta. Fez até um show recentemente em São Paulo. Sempre quis experimentar nessa área?
Eu sempre tive muitos interesses. No skate, por exemplo, comecei por diversão. Eu gostava de desenhar, escrever músicas, tocar. Acabei indo profissionalmente para o skate, mas nunca deixei de fazer essas outras coisas. Quando parei de competir, decidi explorar mais a música, o que foi muito bem recebido pelos fãs e pelo público. Devo lançar meu álbum em breve.
A música te trouxe tantos momentos marcantes quanto o esporte?
Minha régua do sucesso mudou com a idade. Hoje não sinto mais que preciso ganhar tudo, ser a número um, estar nos maiores campeonatos, ter os maiores patrocínios. Sucesso pra mim hoje é conseguir andar de skate de forma constante. Tenho orgulho de conseguir fazer isso aos 40 anos e melhorar meu desempenho.
Na música, a principal coisa para mim é que as pessoas consigam se identificar. Eu tinha muita ansiedade de ter que performar bem, na vida e até nas redes sociais. Hoje faço porque gosto e estou mais preocupada com o processo do que com o resultado.
A Sky já tem oito anos. Você tinha o sonho de ser mãe? Sua vida mudou muito?
Sempre quis ser mãe, mas sim, minha vida mudou demais. O gestar é uma experiência maluca, ainda mais para quem é esportista e tem domínio sobre o próprio corpo, sabe. É um período de muita mudança —que se estende até depois do nascimento. Contudo, acho que é uma experiência muito rica, não trocaria por nada.
A Sky anda de skate? Ela gosta?
Ela anda, mas não colocamos pressão nela sobre nenhuma atividade. Ela é muito inteligente e talentosa, então a deixamos livre para fazer o que legitimamente gosta. Ela gosta de skate, mas não se engaja para ser profissional Está em uma fase de experimentação.
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