Ela engravidou e descobriu que laqueadura não foi feita: 'Caí em depressão'
A dona de casa Maria*, de 34 anos, decidiu fazer a laqueadura, procedimento para ficar estéril, no parto da quarta gestação. Mas ela acabou se surpreendendo com uma nova gravidez poucos meses depois.
Maria descobriu que a laqueadura não havia sido feita —e, na Justiça, conseguiu uma decisão contra o hospital que a atendeu, em Brasília, e contra a médica para que eles paguem uma pensão pelo erro até a criança completar 18 anos.
Não há dinheiro suficiente que pague o desespero que senti e choros doloridos por muito tempo, com minhas filhas presenciando. [Nada paga] eu não aceitar meu filho durante alguns meses na gestação, todos os dias cuidar de dois bebês e outras três crianças.
Maria, em depoimento a Universa
'Decidimos fazer a laqueadura'
A dona de casa, que preferiu não ser identificada, conta que estava na quarta gestação e tinha autorização do convênio para a cirurgia de esterilização. Na laqueadura, as trompas uterinas são amarradas ou cortadas, evitando que óvulo e espermatozoide se encontrem.
Com três filhos e só meu marido trabalhando, decidimos que eu faria laqueadura no parto da quarta gestação. Assim, com as crianças um pouco maiores, poderia fazer entregas de currículos para ajudar em casa.
Maria
Ela conta que até se certificou de que o procedimento tinha sido realizado e que teve uma resposta positiva. "Meses antes [de descobrir a gravidez], entrei em contato para saber se o procedimento havia sido feito, e a médica disse que sim. Com isso, acreditei que estaria laqueada."
A descoberta da gravidez foi um baque. "Uma sensação de impotência, desespero e angústia. Muitas sensações em pouco tempo. E vendo o meu planejamento sendo frustrado no momento."
Não consegui curtir a gravidez. Foram dores do começo ao fim da gestação por ter sido uma gravidez logo após uma cesárea. Foi um período muito delicado. Eu tinha outras crianças e uma bebê para cuidar. Entrei em depressão, vivia no hospital, peguei dengue. E sentia muitas dores o tempo inteiro.
Maria
Ao entrar com uma ação na Justiça contra o hospital, ela acabou descobrindo que a laqueadura não deu errado: o procedimento, na verdade, nem tinha sido feito.
A médica argumentou à Justiça que não fez laqueadura por impossibilidade de realizar o procedimento após o parto. A profissional disse que a paciente deveria ter voltado para fazer a laqueadura, o que não ocorreu.
Já Maria diz que não foi informada de que deveria voltar ao hospital em outra data. O quinto filho de Maria nasceu em julho de 2022.
'Hoje me desdobro'
A situação levou o TJ-DF (Tribunal de Justiça do Distrito Federal) a condenar neste mês o hospital e a médica a pagarem pensão. O valor é de um salário mínimo por mês a partir do nascimento do filho, além de indenização por danos morais no valor de R$ 35 mil.
A decisão destacou que a falta do procedimento levou à gravidez indesejada e à exposição da mulher a riscos clínicos, além de alterar sua situação financeira.
A Justiça também considerou que não houve no processo "qualquer documento que ateste que a paciente tenha sido avisada sobre a não realização da laqueadura ou mesmo que tenha havido qualquer orientação de retorno ao consultório médico para prosseguimento do atendimento destinado à esterilização".
Maria comemorou a decisão, mas diz que "não há dinheiro suficiente que pague as dores do começo ao fim".
Hoje me desdobro com ajuda do meu marido, não temos tempo um para o outro, as crianças tomam muito do nosso tempo. Mas, graças a Deus, amo meus filhos e minha família. É claro, nenhum dinheiro é suficiente para eu dar do bom e do melhor para cada um. Todo dinheiro que entrar será para o nosso bem-estar, até porque é só meu marido que trabalha.
Maria
'Falta de informação tem consequências'
O advogado da vítima afirma que houve erro e negligência médica. Layon Rafael diz que era um dever da médica repassar todas as informações —por exemplo, que a laqueadura não havia sido realizada.
Em todos os meios profissionais, a falta de cuidado com o dever de informação gera consequências. Por exemplo, se um paciente sofrer complicações de um procedimento cujos riscos não foram adequadamente explicados, o médico pode ser responsabilizado, e foi o que exatamente aconteceu.
Layon Rafael
O Hospital Santa Lúcia defendeu na Justiça a ausência de responsabilidade no caso. Em recurso, a instituição afirmou que a médica assistente não tinha vínculo direto com o hospital, mas a Justiça rejeitou o argumento.
Universa entrou em contato com o hospital, que informou que vai recorrer da decisão, "pois não indicou a profissional obstetra para a paciente em questão, tampouco interferiu na relação firmada entre ambos, limitando-se, exclusivamente, a disponibilizar o ambiente próprio para a realização do procedimento cirúrgico". Procurada, a médica não comentou —o espaço segue aberto.
*O nome foi trocado a pedido da entrevistada