Garras olímpicas: unhas não são só enfeite para atletas negras dos Jogos
Natália Eiras
Colaboração para Universa, de Lisboa (Portugal)
10/08/2024 05h30
A velocista Sha'Carri Richardson não chama atenção apenas pela sua velocidade. No pódio, enquanto ostentava a sua medalha de prata na competição feminina de 100 metros rasos, a atleta também mostrou as longas unhas pontudas adornadas com pedrarias. A marca registrada de uma das esportistas mais importantes da modalidade. E ela não é a única a adotar o estilo.
A ginasta Jordan Chiles levou a medalha de bronze na prova individual de solo e dividiu a foto com Simone Biles e a nossa medalhista de ouro, Rebeca Andrade. Porém, mais do que piruetas e saltos potentes, a atleta norte-americana também desfilou longas unhas com nail-art nas cores da bandeira dos Estados Unidos-e os fiscais podem ficar bem tranquilos, porque está tudo dentro do regulamento da competição.
Em entrevista ao podcast "The Run-Through", da revista "Vogue", Jordan explicou que os alongamentos a fazem ser uma atleta ainda melhor.
Elas me fazem pensar na melhor técnica porque eu estou tentando não cair nem quebrar uma unha. Elas são preciosas e lindas demais para serem quebradas, brincou a ginasta.
Símbolo de força
Segundo a artista plástica e nail artist Stephani Maurício, a empresária por trás da marca de unhas press-on Flossy, os alongamentos são uma forma das atletas se destacarem além dos uniformes de suas delegações.
"Cada componente do look comunica algo e as unhas trazem uma história por si, são um elemento de comunicação. Elas mostram a mulher e a personalidade dela por trás da atleta, a história que essa mulher representa", explica Stephani.
A artista diz, ainda, que as unhas longas comunicam feminilidade em um momento em que as mulheres estão desafiando fisicamente a performance de seus corpos.
Não existe um visual padrão do que é ser uma vencedora, então acredito que essas atletas queiram mostrar para outras mulheres que podemos ser e fazer tudo o que queremos.
Nos últimos cinco anos, as unhas compridas estão cada vez mais comuns. As técnicas para fazê-las estão mais acessíveis e elas entraram para o visual de artistas pop mainstream. Alguns exemplos são a cantora espanhola Rosalia, a rapper Cardi B e a artista Billie Eilish. Porém, elas não inventaram os alongamentos.
Unhas longas com nail-arts e muitos ornamentos é uma forma antiga de expressão dentro da comunidade negra e fez sua estreia nas Olimpíadas ainda na década de 1980.
Legado Flo Jo
A velocista norte-americana Florence Griffith Joyner estabeleceu, nas Olimpíadas de 1988, recordes mundiais nas corridas de 100 metros e 200 metros rasos.
Porém, fora das pistas de corrida, Flo Jo, como é carinhosamente reverenciada, trabalhava como manicure e quis trazer um pouco dessa parte de sua vida para a competição.
"Acredito que, a nível mundial, ela foi a primeira a chamar atenção pelo tamanho de suas unhas. Flo Jo tinha um estilo próprio e irreverente. As unhas longas e decoradas eram parte de sua apresentação como atleta", afirma Stephani Maurício.
A nail artist e empresária lembra, no entanto, que as unhas longas antecedem Florence Jo. Nas comunidades negras do mundo, incluindo no Brasil, ter unhas decoradas é se expressar e ostentar sua autoestima.
Historicamente, fazer parte de um grupo socialmente oprimido implica em um apagamento social. Enquanto mulher negra, muitas de nossas características são criticadas, demonizadas e depois usurpadas por outros grupos e só assim vistas como bonitas. As unhas são componentes muito fortes no estilo de mulheres negras tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos, e comunicam identidade, diz.
O legado de Flo Jo foi trazer essa expressão também para um ambiente solene como as Olimpíadas, a competição mais importante na vida de um atleta. A velocista foi bastante criticada na época, mas também eternizou o visual em imagens icônicas da competição.
"Ela mostrou que é possível competir e comunicar quem você é, o que você acredita. Isso, na verdade, potencializa a sua trajetória", fala a especialista.
Tanto que, depois da velocista, a atleta Gail Devers foi três vezes campeã olímpica nos anos 1990 também usando as garras afiadas.
E, como podemos ver nas Olimpíadas de 2024, o visual ainda tem muito fôlego e continua a render medalhas para esportistas como Sha'Carri Richardson e Jordan Chiles.
Ter a coragem de ser autêntica por si só é uma característica de vencedoras, quando você vê essas mulheres com suas unhas fica claro para o que vieram. Mostra a importância da representatividade de mulheres negras e o legado que foi e está sendo criado por elas, conclui Stephani.