'A maternidade tem alegrias, o puerpério é filme de terror', diz Miá Mello

Se pudéssemos rir de nós mesmas como mães, a jornada materna seria - minimamente - mais leve. E se pudéssemos nos assistir como protagonistas em uma peça de teatro? Interpretando as dores, amores da maternidade, a atriz Miá Mello, que é mãe de dois, está no espetáculo "Mãe Fora da Caixa", de volta em cartaz, agora na capital paulista, no teatro Multiplan Morumbi Shopping.

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Penso muito sobre o porquê é tão impactante para quem assiste e cheguei à conclusão de que o grande diferencial de tudo que já fiz até hoje é que essa peça tem um propósito, o poder de identificação é tão grande que ela se transforma nesse lugar onde todo mundo sai mexido. E a ferramenta do humor torna a peça muito democrática.Miá Mello, atriz

A atriz acolhe a dor de todas as outras mães, contando que, com o amadurecimento, você vai notar que está tudo bem não ser o que acha que é o padrão ideal. "O ideal é o que eu consigo fazer melhor, ser uma mãe possível, e com tudo isso a gente conquista um pouco mais de tranquilidade".

Mas lembra que, mesmo com todo o esclarecimento que temos hoje, é muito desafiador ser mãe, mulher, amiga, esposa. "Essa mulher multifacetada é super ignorada pelo mercado de trabalho, a mulher é multifacetada para os outros quando convém, quando não convém não."

A atriz lembra que, na época que teve sua primeira filha, não tinha com quem dividir suas angústias e desafios, e que não via ninguém dividindo também. Mas que com a segunda gravidez ela se sentiu mais livre e assim também cresceu espaço para investir na peça.

Já me sinto confortável de falar que eu canso, que para mim é muito difícil, que não acho que sou uma pessoa que nasceu para ser mãe.Miá Mello, atriz e mãe de dois

A atriz Miá Mello antes não falava sobre os desafios da maternidade e hoje enxerga esse espaço de troca como valioso para todas
A atriz Miá Mello antes não falava sobre os desafios da maternidade e hoje enxerga esse espaço de troca como valioso para todas Imagem: Divulgação | Jonatas Marques


Miá ressalta que no trabalho você encerra o expediente, enquanto na maternidade o trabalho não tem fim, "É desgastante. O começo com o bebê exige muito, e os desafios vão se transformando, mas eles estão lá? Para mim a maternidade é um dos lugares mais difíceis de falar que falhei", confessa.

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As confissões da atriz acontecem também em cima do palco, misturadas a narrativas que não são delas (apesar de narradas em tom confessional) - uma confusão proposital da peça, que nos faz pensar: é ela ou sou eu? Somos todas nós.

"Acho muito curioso que não é no mesmo lugar que pega as pessoas, cada pessoa sai com um tipo de reflexão, e acho que a maternidade também vai nesse encontro? É extremamente plural e ao mesmo tempo totalmente individual. E uma coisa muito profunda na gente é o maternar, seja da sua mãe ou sua com seus filhos", analisa a atriz.

Alegria, ansiedade, uma montanha russa?

Alegria (na voz de Miá Mello) até que tenta ser amiga da Ansiedade (Tatá Werneck) em "Divertida Mente 2"
Alegria (na voz de Miá Mello) até que tenta ser amiga da Ansiedade (Tatá Werneck) em "Divertida Mente 2" Imagem: Divulgação / Disney/Pixar

Além da peça, Miá ganhou os holofotes por dublar novamente a personagem Alegria, em "Divertida Mente 2" - longa de animação da Pixar, que estreou em junho nos cinemas brasileiros, alcançou o primeiro lugar nas bilheterias do país, e tornou-se o maior longa-metragem em renda de todos os tempos no Brasil. Assim como no filme, na maternidade a alegria e a ansiedade disputam o protagonismo em nossas mentes.

Enquanto felicidade é vivenciada por 85% das mães brasileiras (perdendo apenas para o amor no ranking de sentimentos positivos), a ansiedade acomete 54% das mães (liderando o ranking de sentimentos negativos).

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Os números são da pesquisa feita por Universa, chamada de "Estudo Materna: o que pensam e querem as mães", realizada em dezembro de 2023 com mil mulheres, e a metodologia de Mind Miners, plataforma especializada em Consumer Insights.

Miá conta como dosar ambas as emoções quando temos filhos: "Tem que dar uns cheirinhos no cangote deles, porque aplaca a ansiedade e a alegria sobe. Na maternidade, o impacto da alegria tem um peso muito forte de apagar o que é ruim. Quando vem a alegria, ela engole as coisas ruins, consegue pôr a ansiedade no colo, tudo faz sentido e mostra que vale a pena."

A atriz conta ainda que nunca tinha feito o paralelo entre estes sentimentos, mas agora enxerga que faz muito sentido. "Sempre pensei nisso como sobrecarga, mas ela te dá ansiedade. Com o bebê, primeiro vem a ansiedade do parto, depois vem a ansiedade do amamentar, depois a ansiedade do como ponho para dormir", observa.

A artista também conhece a tal culpa materna de perto: passou o Dia das Mães de 2024 trabalhando, no Rio de Janeiro, longe dos filhos, que estavam em São Paulo, e não foi fácil.

"Eu chorava porque pensava 'tô aqui, com um monte de mãe e filho na plateia e meus filhos estão longe'", conta. Mas, ela tem seus segredos para equilibrar carreira e maternidade e ensaia um conselho: "odeio dar dicas, porque acho que isso gera mais ansiedade, mas o que eu falo é que o antes é muito pior do que o durante. Isso eu posso garantir, o resto cada uma vai ter uma experiência."

Altos e baixos podem ser acolhidos e, ao final de sua peça, Miá abre espaço para isso
Altos e baixos podem ser acolhidos e, ao final de sua peça, Miá abre espaço para isso Imagem: Divulgação | Jonatas Marques

Em meio a tantas reflexões e o preparo para a peça, a atriz conseguiu definir a jornada materna de alguma forma. "Estava buscando uma definição para a maternidade, e dentro do processo criativo, cheguei à montanha russa. Ela sobe e de repente vai para um buraco, e te leva para lugares quentinhos, que dá vontade de chorar", revela.

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O puerpério, segundo ela, é quase "um filme de terror", na peça e na vida real. "Como a gente ia representar o puerpério em cena? Pensamos em filme de terror, em exagerar, porque nesse exagero a gente encontra o humor e ao mesmo tempo é o que é, porque naquele momento você vive momentos aterrorizantes". E quando os filhos crescem um pouquinho? Para ela, o maior desafio da maternidade é educar.

A educação parte do princípio de que você tem que executar mudanças nos seus hábitos. A educação é via exemplo, isso é muito sabido, mas na prática é muito dolorido. Como vou falar para minha filha sair do celular se eu não saio? É uma responsabilidade gigantesca de entregar esses seres humanos para essa nova geração. Olha só, somos responsáveis pela nova geração.Miá Mello, atriz e mãe de dois

Os momentos bons também não são poucos e um dos pontos altos da maternidade, segundo Miá, é quando damos colo umas às outras e encontramos a tal rede de apoio. Foi o que aconteceu quando deixou a capital paulista para quatro meses de gravações com o filho pequeno, e o que ela vê acontecer ao final dos espetáculos, quando propõe uma troca sincera com o público.

"Teve um grupo de mães que me salvou, eu estava sozinha no Rio, sem rede de apoio, com toda a família em SP. Já vi criarem grupos de apoio pelo Whatsapp, já teve uma mãe que levantou a mão chorando no final da peça e a outra levantou e pediu o telefone na hora para incluí-la no grupo", relata.

Quando questionada se estamos voltando à ideia de uma aldeia para criar uma criança, a atriz, no entanto, é categórica: "Infelizmente acho que não, queria dizer que sim. A gente tem excelentes iniciativas, mas como sociedade, não consigo vislumbrar a volta da aldeia. Acho que a gente vai cada vez mais criar essa rede de apoio com pequenos grupos que estão com as necessidades parecidas".

Miá finaliza afirmando ser importante lembrarmos que há diferentes realidades maternas e que a peça acaba retratando apenas algumas delas. "A gente sabe que é um recorte de uma maternidade privilegiada, branca, com marido presente, e é importante falar da consciência sobre esse recorte", conclui.

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O espetáculo "Mãe Fora da Caixa"retorna a São Paulo para nova temporada no Teatro Multiplan Morumbi Shopping, ficando em cartaz de 9 de agosto a 17 de novembro. As sessões acontecem às sextas e sábados, às 20h; e domingos, às 19h. Também a partir de agosto, a paulistana poderá ser vista fazendo um trabalho dramático no filme "De Pai para Filho". Na produção, com texto e direção de Paulo Halm, ela atua ao lado de Juan Pai e Marco Ricca, interpretando Diná, uma mãe que sofre um trauma e precisa se reerguer rapidamente para cuidar da filha.

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