Marido teve AVC um dia após casar: 'Não conseguia ler cartão que ganhamos'
A publicitária Priscila Bonadiman, de 31 anos, conheceu o servidor público Gustavo Julião, de 34, na igreja. Juntos, eles cultivavam o sonho do casamento, que aconteceu em 9 de julho de 2022.
Menos de 24 horas depois da cerimônia, porém, Gustavo teve um AVC hemorrágico e, no dia 10, foi internado na UTI.
A lua de mel, que era para ser um cruzeiro no Caribe, se tornou uma viagem para um lugar desconhecido. Dois anos depois, ainda com Gustavo se recuperando, eles se tornaram pais da Anna. A Universa, Priscila conta a sua história.
Casar era sonho
"Eu e o Gustavo nos conhecemos por meio de amigos em comum, porque fazíamos parte do mesmo movimento na igreja. Como ele é mais velho, a gente nunca tinha se encontrado. Quando aconteceu, nossos amigos próximos incentivaram.
O que começou como uma amizade depois virou algo a mais. Começamos a namorar no dia 12 de junho de 2013. Não namoramos de brincadeira. Tivemos um relacionamento muito firme, nunca terminamos, nunca tivemos um tempo.
Casar sempre foi um sonho, ainda mais porque nós temos uma caminhada na igreja. Selar nosso relacionamento com o sacramento do matrimônio sempre foi o propósito. No Natal de 2020, ele me chamou no altar depois da missa e me pediu em casamento.
Ficamos noivos por 18 meses e nos casamos no dia 9 de julho de 2022, um sábado. Foi muito sonhado, muito planejado. A gente pensou em cada coisa. Tiramos 30 dias de férias para a lua de mel, íamos fazer um cruzeiro no Caribe, mas nem chegamos a viajar.
Tudo aconteceu muito rápido. A gente ia viajar na quarta-feira, mas no domingo o Gustavo passou mal. Era para ser um cruzeiro no Caribe, mas virou um mar turbulento sem saber o destino.
Sintomas começaram antes
Antes do casamento, Gustavo teve uma dor de cabeça muito forte. Achamos que era o estresse e a ansiedade com a mudança e o casamento. Ele jamais achou que fosse um AVC hemorrágico, nem passou pela nossa cabeça.
Depois do casamento, lembro que ele não conseguia ler uma palavra de um cartão que recebemos. À noite, estávamos esperando nossa família para lanchar em casa e o Gustavo foi à casa da minha sogra para pegar um presente de casamento e não voltou.
Lá ele teve uma convulsão e chamaram uma ambulância. Foi tudo um susto: ele foi para o hospital e achamos que era uma coisa pontual, mas ele teve uma segunda convulsão, ficou com o lado esquerdo todo paralisado e viram uma hemorragia bem grande na cabeça dele.
Nesta hora já começaram a tratá-lo pelo protocolo de AVC e ele foi para a UTI.
Acho que essa imagem nunca vai sair da minha cabeça, de eu me despedindo dele. Ele já estava irreconhecível, com o olhar vago.
29 dias de hospital
O deixei no hospital de madrugada, voltei para casa e tentei dormir, mas acordei com uma ligação, dizendo que ele estava em cirurgia para drenar o sangue da hemorragia e descomprimir o cérebro. Ele tirou uma parte da calota craniana e entrou em coma.
A princípio era para esperar o cérebro acalmar, mas ali se iniciou uma longa jornada de todo dia ter algo para lutar. Foram 29 dias de hospital, 18 na UTI. Ele ficou intubado oito dias.
Quando acordou, estava sem consciência por causa dos remédios, bem dopado. Teve de reaprender a falar, andar, comer, sentar. Eu só o via com um tubo, um monte de fios, várias medicações.
Não sabia o que seria, como seria o amanhã e o depois disso tudo. É uma jornada que eu não desejo para ninguém. Eu vivi o momento mais feliz da minha vida e, no dia seguinte, estava vivendo o pior —sem dúvida nenhuma.
Nunca vou me esquecer da madrugada no corredor do hospital, tantas coisas passam na cabeça. Eu nunca tinha ficado nem internada e, de repente, estava vivendo todos os dias na UTI vendo aquela situação toda.
Recuperação demorada
Olhava para ele sem saber quando e se ele acordaria. Entreguei nas mãos de Deus e se formou uma corrente surreal de oração por ele. Depois da intubação, ele fez a traqueostomia e ficou lá até tirar o tubo.
Depois foi a fase de fisioterapias mais intensas, teve de reaprender a comer com a fonoaudióloga. Eram passinhos, dias e dias tentando. Ele recebeu alta no dia 8 de agosto, um dia antes de completar um mês do nosso casamento.
Ele ainda saiu muito debilitado, sem andar, com muita confusão mental. As sequelas foram todas do lado esquerdo. O movimento na perna ele conseguiu recuperar, o do braço ainda não.
Ele também teve sequelas na parte cognitiva, ficou com uma afasia e tem dificuldade de se expressar, além do fato de estar com o movimento de uma mão só, que hoje é um dificultador. Eram coisas que ele fazia com proeza antes e essa dificuldade dói muito.
Nascimento da filha
É surreal pensar que a gente passou por tudo isso. Estamos aqui hoje e recebemos nosso maior presente do mundo no final do ano passado, que foi a espera da Anna, nossa primeira filha. A gente sempre sonhou com ela.
A data prevista para o parto era exatamente o dia do nosso casamento: 9 de julho. A gente achou que ela viria no dia 10, que é o dia do AVC, mas não. Ela veio no dia 12 de julho, queria a data dela. Veio com muita saúde e para a gente se transformar.
O Gustavo tinha muito medo de como seria pai, se ele conseguiria, porque se achava incapaz —e está dando um show em tudo. É uma descoberta do nosso dia a dia e dele. Entender que não existe mais como era antes e buscar como vai ser o novo.
Está sendo uma fase muito boa, mas desafiadora. É o maior presente que a gente podia ter, sem dúvida nenhuma. Ela é 50% minha e 50% dele, não tem emoção maior. É o fruto do nosso amor e da nossa história e veio para completar o que faltava na nossa vida."