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Chega de homem: movimento 4B reúne quem desistiu de casar e namorar

Elas se queixam de como a sociedade tem tratado as mulheres Imagem: Getty Images

De Universa, em São Paulo

21/08/2024 12h00

Um grupo de mulheres na Coreia do Sul não quer mais se relacionar com homens. A desistência de uma relação heterossexual já até ganhou nome: movimento 4B.

A expressão é uma referência a quatro palavras que, em coreano, começam com a letra B. São elas: bisekseu (não ter sexo com homens), bichulsan (não dar à luz), biyeonae (não namorar homens) e bihon (não se casar com homens).

Em um texto enviado a Universa, a jornalista sul-coreana Hawon Jung explicou que o 4B é "complexo e multifacetado" e que, nos últimos anos, tem sido praticado de forma silenciosa. Ela é autora do livro "Flowers of Fire: The Inside Story of South Korea's Feminist Movement and What It Means for Women's Rights Worldwide" (em tradução literal, "Flores de fogo: a história interna do movimento feminista da Coreia do Sul e o que isso significa para os direitos das mulheres em todo o mundo").

Como surge o 4B?

Sul-coreanas protestam em Seul, em 2018, contra 'molka', prática de esconder câmeras para capturar cenas íntimas Imagem: Jean Chung/Getty Images

Não existe um consenso, mas especialistas estimam que ele ganha força entre 2018 e 2019. Como o movimento não é algo institucionalizado, pesquisadores não apontam uma data específica ou um evento que tenha dado origem a ele. No entanto, é possível observar citações sobre o movimento desde 2016, segundo Suéllen Gentil, mestranda em letras e pesquisadora do Ceásia, curadoria de estudos coreanos da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco).

Antes do 4B, diversos movimentos questionando a posição das mulheres na sociedade começaram a emergir. O Fórum Econômico Mundial colocou a Coreia do Sul no 105º lugar em um relatório que avalia anualmente a igualdade de gênero no país. O Brasil, por exemplo, ficou no 57º lugar. Entre os movimentos que mobilizaram a sociedade sul-coreana, estão o "Escapando do Espartilho" e o "Me Too da Ásia" —ambos ganharam notoriedade no fim dos anos 2010.

Na Coreia do Sul, segundo Gentil, as mulheres são incentivadas a gastar muito dinheiro com beleza, em busca de padrões irreais. Questionando esse contexto em meados de 2017, mulheres começaram a convidar umas às outras por meio do Twitter (atual X) a gastarem mais com as próprias ambições.

Na rede, muitas delas começaram a compartilhar fotos de cosméticos destruídos e cortes de cabelos desalinhados com a hashtag com o nome do movimento, que mais tarde começou a tomar também as ruas, em meio a um #MeToo na Ásia.

Paralelamente ao "Escapando do Espartilho", as mulheres na Coreia do Sul começaram a denunciar assédios e abusos sexuais entre 2018 e 2019 após casos polêmicos surgirem na imprensa local, envolvendo nomes como o monge budista e poeta mais famoso do país, Ko Un, e o candidato à presidência Ahn Hee-jung.

Um caso de feminicídio em 2022 também chamou a atenção no país. Uma mulher de 28 anos foi assassinada no banheiro do metrô onde trabalhava após anos de perseguição por um colega, que a ameaçou caso ela se recusasse a sair com ele. Ele foi indiciado pelo crime de stalking duas vezes —e preso em uma delas, mas conseguiu ser solto sob fiança. Além do assédio e assassinato, também gravou imagens da vítima.

O MeToo na Ásia levantou a discussão sobre as punições ao que os sul-coreanos chamam de "molka", também conhecido como "voyeurismo". A prática se baseia em colocar câmeras escondidas para captar cenas íntimas de outras pessoas —em sua maioria mulheres. O Human Rights Watch apontou o país como o líder do uso de câmeras espiãs para crimes sexuais digitais.

Havia discussões acaloradas dentro e fora da internet sobre noções como misoginia, patriarcado, violência de gênero, discriminação em uma magnitude que raramente tinha sido vista antes no país. Uma grande parte girava em torno da questão de como as mulheres são tratadas sob a cultura familiar patriarcal do país. (...) Foi por volta dessa época que o termo "sem casamento" se tornou popular entre muitas jovens na Coreia do Sul.
Hawon Jung

Quem são e o que querem?

Na Coreia do Sul, a desistência de se relacionar com homens tem viés político Imagem: Getty Images

O movimento 4B ainda é relativamente pequeno, ocorre na camada mais jovem e se expressa na internet. Normalmente, são jovens (até cerca de 30 anos) e que estão conectadas no mundo virtual —mas não são a maioria das mulheres, ainda que tenham feito barulho na sociedade sul-coreana.

A decisão de deixar de se relacionar com homens é mais do que um estilo de vida — é forma de fazer política. Jung explica que as mulheres que seguem o 4B são diferentes de mulheres que optam por uma vida "sem casamento" porque "elas não apenas têm um conjunto muito rigoroso de crenças de 'sem sexo/namoro/casamento/parto', mas também veem seu estilo de vida como forma de declaração política".

O que as seguidores do movimento 4B estão dizendo é apenas uma versão muito mais condensada, intensa e franca de toda a frustração e queixas que muitas mulheres mais amplamente 'sem casamento' têm sobre a instituição ou a cultura familiar patriarcal em geral.
Hawon Jung

Não necessariamente é possível associar o movimento às pautas feministas. Gentil explica que a globalização ajuda a impulsionar os debates dos direitos das mulheres ao redor do mundo, mas não necessariamente quem apoia o 4B também esteja pautando questões associadas ao feminismo, como a descriminalização do aborto.

Por vir de outro lugar, o 4B terá particularidades. Vai muito além da questão de discutir se a mulher tem ou não direito ao aborto --é como se elas nem precisassem pensar nisso, porque nem sequer estão interessadas em ter relações sexuais [com homens] e/ou gerar filhos.
Suéllen Gentil

Nem toda mulher que opta por ser solteira é adepta do 4B, mas toda adepta do movimento não se casa. Muitas mulheres que optam por uma vida sem casamento, por exemplo, têm a decisão baseada em estilo de vida, e não em ativismo.

Muitas vezes há certos tons feministas nas decisões dessas mulheres de não se casar. Muitas das mulheres com quem conversei disseram que cresceram vendo suas mães suportarem o fardo esmagador dos cuidados com os filhos e das tarefas domésticas, sendo tratadas como empregadas domésticas pelas famílias de seus pais, por exemplo (...) Assim, há uma sensação muito clara entre muitas mulheres que não se casam de que elas preferem viver sozinhas do que se comprometer com essa instituição do casamento.
Hawon Jung

Desde 2021, houve um silenciamento do 4B no país — mas isso não quer dizer que ele deixou de existir. O movimento desencadeou forte reação na sociedade, especialmente entre homens jovens. Esse sentimento antifeminista foi utilizado até mesmo na política sul-coreana para a eleição do atual presidente Yoon Suk-yeol, que tem como proposta abolir o ministério da Igualdade de Gênero no país. Jung explica que muitas adeptas podem não se manifestar publicamente, mas continuam a seguir os princípios do 4B de forma silenciosa.

As coisas pioraram muito desde que Yoon assumiu o poder, a ponto de 'igualdade de gênero' ter se tornado um tabu na maioria das esferas públicas. As mulheres foram intimidadas ou até agredidas, não apenas porque eram feministas, mas simplesmente porque pareciam feministas, por exemplo, se tinham cabelo curto. Segundo reclamações feitas aos grupos de direitos das mulheres, algumas delas até perderam empregos simplesmente por falar sobre algo relacionado ao feminismo ou por suspeita de serem feministas --por compartilhar algo relacionado aos direitos das mulheres em suas contas pessoais nas redes sociais.
Hawon Jung

Greve das trabalhadoras no Dia Internacional das Mulheres neste ano em Seul Imagem: Chris Jung/NurPhoto via Getty Images

O 4B influencia a baixa natalidade do país?

Na verdade, há muitos fatores que influenciam a baixa natalidade na Coreia do Sul. Jung explica que mesmo os homens têm receio de ter filhos no país. Entre os motivos estão altos preços de aluguéis, salários iniciais baixos, alto custo de vida, longas jornadas de trabalho e ambiente de competitividade constante.

Há maior tendência de mulheres recusando a maternidade — e não necessariamente elas são feministas ou adeptas do 4B. Um estudo publicado no The Sisa Times, jornal coreano, mostrou que 65% das mulheres no país não querem filhos, em comparação com 48% dos homens. Razões sociais, culturais e econômicas influenciam na decisão.

A Coreia do Sul ainda tem uma cultura familiar relativamente conservadora, e espera-se que as mulheres assumam a maior parte das responsabilidades nas tarefas domésticas e no cuidado dos filhos, independentemente de trabalharem fora ou não.
Hawon Jung, jornalista

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