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'Maternidade é uma demolição', diz escritora mexicana que virá para a Flip

Jazmina Barrera Imagem: Rodrigo Jardón

Luciana Bugni

Colaboração para Universa

26/08/2024 05h30

"Dizem que mulheres não devem tentar ser mães e ao mesmo tempo escritoras, porque tanto as crianças como os livros sofrerão, porque não é possível, é antinatural", diz a escritora mexicana Jazmina Barrera parafraseando a americana Ursula K. Le Guin, em Linea Nigra (Editora Moinhos. Tradução: Silvia Massimini Felix), um compilado de pensamentos e ideias com tom confessional, quase como um diário, escrito durante sua gravidez e lactação.

O livro foi traduzido em 2023, e a autora é um dos nomes confirmados para a Flip, que acontece em outubro em Paraty (RJ).

A obra é acolhedora para mulheres que planejam engravidar, estejam vivendo essa fase ou apenas guardem o período na memória. Mas é também realista:

A maternidade é um outro tipo de dano. É uma demolição, uma desintegração do ser, depois da qual a forma original desaparece. Para Sarah Manguso, a maternidade é um terremoto, ela diz, citando outra escritora que a acolheu no período confuso.

É a primeira vez que Jazmina vem ao país e se diz animada com a possibilidade de conhecer Paraty, já que sempre foi encantada pela comida e cultura brasileiras. A escritora é casada com o escritor chileno Alejandro Zambra, autor de "Literatura Infantil", que retrata a visão masculina a partir do momento em que o filho nasce.

Há diversas intersecções nas duas histórias, no que parece ser uma parceria sólida de como criar um filho. "Na Argentina, vendiam os dois livros em pacotes", diz sorridente quando questiono o tom de novela que o leitor sente quando contrapõe as duas narrativas e seus olhares distintos acerca do mesmo fato. "Agradeço o elogio, eu adoro as novelas brasileiras", diz.

"Quando você tem um bebê pequeno, tudo é uma decisão. Isso é tremendo, não? Que mamadeira você vai usar, que berço, que escola, que roupa... Isso inevitavelmente te obriga a estar negociando, dialogando, pensando juntos. Eu gosto muito como esses dois livros são espelhos e ao mesmo tempo tão distintos. Pode-se ver aí a personalidade de ambos. Alejandro é tão engraçado e sempre me faz rir", diz sobre o marido.

Zambra já contou, inclusive, que o filho dos dois, Silvestre, nasceu ao som de Caetano Veloso entoando "Leãozinho" em uma playlist que montaram para o momento.

No livro, Jazmina confirma. "As músicas de Caetano embalam a minha casa, tanto nas caixas de som quanto no violão. É parte da nossa vida", diz à reportagem.

As obras também permeiam um questionamento comum àqueles que se embrenham na complexa (e deliciosa) missão de criar uma criança: a relação que estabelecemos com nossos pais. "Acredito que isso acontece porque são a referência mais imediata quando você está criando, essa necessidade de reescrever sua própria história com seus pais está ali o tempo todo", reflete.

Acolher a gestante

"Linea Nigra", o título, segue em latim na versão em português. O nome é uma referência à linha que se forma no abdome da mulher no período anterior e posterior ao parto e ajuda a nortear o bebê no caminho até o peito. No livro, ela envolve quem passou pela experiência da gravidez com a ternura e a dureza comuns do período.

"Ainda estou esperando a parte da magia e dos milagres. Até agora tem sido uma experiência bastante perturbadora", escreveu na gestação. "É difícil não se apaixonar por um ser do tamanho de um mirtilo", também afirmou.

Ali, se reflete sobre o fato que, além da dificuldade de concentração do período, há um desenvolvimento da habilidade de realizar múltiplas funções ao mesmo tempo. Enquanto amamentava, por exemplo, ela leu dezenas de livros "finos, para conseguir segurar com uma mão só" e tomou notas de tudo no celular. Quando teve mais tempo, transformou o material na própria obra.

Eu lia meio desesperadamente porque estava procurando — quem sabe? — respostas. Lia de madrugada, e foi o que me salvou já que não podia fazer muito mais.

No meio dessa fase, ganhou uma bolsa para escrever outra obra, tentou mudar o projeto para um sobre maternidade, mas não conseguiu. Precisava escrever, então, duas iniciativas paralelas. Além de amamentar de hora em hora. "Eu dizia: por que estou tão exausta? Não fiz nada extraordinário, não corri 20 voltas na quadra, e me sinto como se tivesse feito isso, porque a energia mental necessária para manter tantas bolas no ar ao mesmo tempo é exaustiva".

Tem mais: durante esses meses, um terremoto aconteceu na cidade e sua mãe foi diagnosticada com câncer. A vida realmente não entra em modo suspenso para que possamos só maternar.

A contradição de sentimentos tão fortes (a alegria da ocitocina e o cansaço da vida real batendo à porta) perdura na educação da criança. Hoje, Silvestre tem 6 anos e Jazmina segue na dualidade de querer proteger e, ao mesmo tempo, dar liberdade. "É o mais difícil desse período", diz sobre driblar o maior medo de uma mãe - o de que o filho morra - enquanto direciona para uma vida autônoma.

Ela ainda descreve a situação de violência obstétrica que viveu no parto: "Foi muito menor do que a que muitas mulheres vivem todos os dias. Nem por isso, para mim, foi menos terrível. É um momento tão vulnerável, tão delicado. Você está literalmente entre a vida e a morte, perde o controle completamente do seu corpo, deposita sua vida e confiança nas mãos de pessoas que são praticamente desconhecidas. O que os médicos fazem nesse momento é sagrado. Precisamos falar sobre isso e denunciar", diz.

E permeia tudo com uma dose de humor. "Alejandro parou de fumar quando soube da gravidez e, embora não se queixe muito, apesar dos pesares, acredito estar pior que eu", revela no livro.

Mas o mais bonito do processo do livro, segundo ela, foi que ele gerou muitas conversas com mulheres. "Algumas se sentiram acompanhadas, outras se assustaram, outras sentiram que tiveram uma experiência muito diferente da minha, mas que podem dialogar também", disse, frisando a beleza de ver mulheres que leram o livro com suas mães, filhas e irmãs. "Não há nada mais emocionante que estes intercâmbios e laços que podem surgir a partir da literatura. É o que dá sentido ao que fazemos".

O mundo parece não ser feito para as mães, não? O tempo todo parecemos estar pedindo permissão e quase que pedindo desculpas por não estar disponível, diz.

Um trecho do livro completa a ideia: "É impossível ser original escrevendo sobre maternidade. Somos tantas e tantas e nossas experiências têm tanto em comum, muitas diferenças e ao mesmo tempo tanto em comum". É verdade.

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